Caetano Lagrasta - Foto divulgação
Caetano Lagrasta – Neto de italianos, paulistano do
Brás; ocupa a Cadeira Graciliano Ramos da Academia de Letras das Arcadas; menção
no Prêmio Governador do Estado, 1967; corroteirista, ator e autor de comentário
musical, em longa e curtas metragens; fotógrafo; Desembargador. Livros: O
Fazedor, 2001; Livro de Horas, 2004, Ópera Bufa, 2007, Diário do Fim do Mundo
(Scenarium, 2019), A Poemática da Terra (Org, Desconcertos, 2020) – poemas;
1968 e outras estórias (Le Calmon, 2013); Abecedário (Scenarium, 2016);
Príncipe Nerso: incunábulo do mito do nascimento do herói (Desconcertos, 2021) –
contos; e Fábricas Mortas, romance (Desconcertos, 2018).
ENTREVISTA:
Conexão Literatura: Poderia contar para os nossos leitores como foi o seu início no meio literário?
Caetano Lagrasta: Atrevo-me a conselhos (dos quais o
Inferno tá cheio): sempre permaneci afastado do meio literário e de suas panelas,
ao obedecer ao Poeta Mário Faustino: “Envaidece-nos o que afirma o próprio
poeta: que esta página lhe abriu novos caminhos, fazendo-o evitar outros,
sempre tentadores a qualquer de nossos jovens escritores: facilidade diluidora,
a autocomplacência, o café-society subliterário dos mútuos elogios, da publicação
amistosa, das glórias logo fabricadas e tão logo esquecidas”. E que venha o
leitor de epígrafes, apresentação, documentos e notas explicativas, ufa!
Escrevo, desde os anos 50, início tortuoso com poemas para o jornal do Colégio Paes Leme (SP), depois, finalmente cansado das rimas medíocres e pobres, investi em contos, até que, ao início de 1962, arrisquei enviar o conto, “Oração para um lixeiro”, para a Revista LEITURA, do Rio de Janeiro e, pasmem, foi publicado no exemplar dos meses outubro e novembro daquele ano. Insisti escrevendo e consegui juntar contos durante os anos 60 para montar “O Príncipe Nerso” e que me perseguiu até outro dia, quando publicado.
Conexão Literatura: Você é autor do livro "PRÍNCIPE NERSO: incunábulo do mito do nascimento do herói". Poderia comentar?
Caetano Lagrasta: O Príncipe é um ser pantagruelesco,
rabelesiano, macunaimense, um mito, que sobrevive num tempo tão boçal e
agressivo como este em que vivemos, às vezes com um esgar de desprezo nos
beiços. O nó sem ponto deste livro é um texto repleto de armadilhas conceituais,
palavras, estilos e imagens sempre renovadas para que tudo permaneça igual. Se
àquele tempo éramos engolidos por imprensa, cinema ou revistas de fotonovelas mentirosas
e medíocres, hoje nos contentamos com nuvens e fakes virtuais repletos de
estrume político, visual e cultural, por primeiro, digitados pelo ignorante
maluco e genocida que nos governa (?).
O livro tem que ser lido observando notas, linguagem, as palavras porque elas constroem a personalidade do Príncipe, e que se desenvolve desde os anos 60. É um livro, à primeira vista, antigo, mas que se modernizou pela vontade do tempo; nele, tento mostrar o que acontece quando a gente lê demais e acredita que pode mudar o mundo.
Literatura: Como foram as suas pesquisas e quanto tempo levou para concluir seu livro?
Caetano Lagrasta: Esse livro me persegue desde os anos 60 em suas pesquisas e modificações embuçadas em epígrafes, até que Adriana Aneli praticamente me obriga a arrancá-lo ao baú de minha tia louca, ilustra-o e assim vem a lume e se vão pra lá de cinquenta anos.
Conexão Literatura: Poderia destacar um trecho que você acha especial em seu livro?
Caetano Lagrasta: (Todo homem traz em si o germe do Odisseu – disse-me – alguns
de imponente, outros de triste figura; uns cobertos de glória, outros, isolados
e cobertos de excremento... Oh, perdão, encerrou ele).
(...)
Querer mentir sobre entrevista de possível emprego, que
ficou prometida para amanhã, mas que não existe. Engolir o café que nunca é tão
gostoso quanto a gente imagina ao dizer que o café do bar está uma merda e o
que lá de casa é muito melhor. Sentar na poltrona ensebada da sala, sentindo o
empuxo das molas querendo furar nossas calças. Relancear os olhos pelo jornal
sem notícias, que junta letras grandes e pequenas para não dizer o que
realmente acontece, mas que nos envolve em comentários calhordas. Correr os
olhos pelos anúncios de sapatos onde se destacam as pernas lisas e bem torneadas
e a gente deseja comprar daquela marca pois acha que nossas pernas vão ficar
iguais; anúncios de televisores incrivelmente maiores do que o daqui de casa,
geladeiras suntuosas que só depois da entrega a gente descobre que não tem com
que a encher. Dobramos o jornal, após correr a lista de cinemas, o convite para
uma exposição de “boca livre” e nos despedimos com um timbre de voz, arrastado
e ridículo. Passo sob a janela da casa da mulher que mora em frente ao cinema, não
uma, mas diversas vezes, com passos apressados ou vagarosos, sonhando que ela
irá abrir e aceitará o convite para nos acompanhar no cinema. Nada.
(...)
Oh! Como é bela a Democracia! Dela qualquer energúmeno pode
ter o sábio ao seu alcance (seja na sala para saboreá-lo, seja na latrina para
função menos nobre); lembrem-se: o que a cultura faz, ninguém faz, ainda que
virtualmente
(...)
Nessa altura do jogo, o país já tinha sido descoberto por tudo que era imperialismo, fantasiado de democracia e protecionismo pras nossas riquezas, e os políticos começaram a gritar que o “petróleo ERA nosso” e nunca entendi: se era não precisa gritar, vai gritar no ouvido da avó, vê se recupera pra nóis e encerrei essa questão, dando o nome de Petrolina Minâncora para uma excelente loção anti calo, ruga, espinhas e cravos.
Conexão Literatura: Como o leitor interessado deverá proceder para adquirir o seu livro e saber um pouco mais sobre você e o seu trabalho literário?
Caetano Lagrasta: o livro está à venda no site da Desconcertos Editora: https://desconcertoseditora.com.br/produto/principe-nerso-caetano-lagrasta/; um pouco mais sobre o trabalho literário está aqui: https://comoeuescrevo.com/caetano-lagrasta/
Conexão Literatura: Existem novos projetos em pauta?
Caetano Lagrasta: Hoje, dos baixios de meus 77 anos, depois de ter escrito livros jurídicos; de poemas, contos e um romance, berro que é chegada a hora de me arriscar nas memórias (vastíssimas), em Cadernos manuscritos, que conservei, apesar de conselhos excelentes para que os queimasse, junto com a foto do atual governante e seus ministros. Modestamente, insisto em arrumar dinheiro para publicação tão vasta e cuja inutilidade será – quem sabe – percebida por meus filhos, enteadas, netos, genros e noras.
Perguntas rápidas:
Um livro: Dois: Diários do Cárcere, de Antonio Gramsci e Memórias do Cárcere, de Graciliano Ramos
Um (a) autor (a): Dois, os citados acima
Um ator ou atriz: Paulo José e Anna Magnani (Roma, cidade aberta)
Um filme: O Leopardo (baseado no romance de Lampedusa)
Um dia especial: O do lançamento do livro em que colaborei: “As Arcadas no tempo da ditadura” quando conheci Adriana Aneli.
Conexão Literatura: Deseja encerrar com mais algum comentário?
Caetano Lagrasta: Apenas que, diante de notas, citações e epígrafes amontoadas sem descanso, penso sempre na de Heráclito quando afirma: “Por que quereis levar-me a toda parte, ó, iletrados? Não escrevi para vós, mas para quem me pode compreender. Um, para mim, vale cem mil, e a multidão nada” e em Gramsci, na citação de Hellewell, ao encarar o capitalismo global: “quem domina a língua, domina o poder”.
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