Silver McCollum era um homem único. Mantendo a sanidade, vangloriava-se de que podia enfrentar qualquer homem ou fera em luta. Gabava-se, exibindo seus músculos hipertrofiados, sua força superior. Falava que em um mundo de valentões e homens musculosos e fortes, ele era o primeiro da lista dos homens de físico mais dotado.
Sua
arrogância era sem limites, mas evitava de qualquer maneira participar de um
campeonato de fisiculturismo. O Mr.
Olímpia é para os fracos e anormais!, disse ele para um campeão por sete
vezes do concurso. E, para espanto de todos, desferiu um golpe de judô que
lançou o campeão no chão. Segurou-o, impedindo-o de se levantar, e quando se
cansou daquela perda de tempo,
segundo ele, torceu o pulso redobrado do gigante do halterofilismo, até que ele
pediu água.
Em
uma ocasião em que quis demonstrar sua força que dizia ser inigualável, entrou
em uma academia de musculação, a que detinha o número máximo de vencedores no
Mr. Olímpia. A imprensa foi chamada, todos na academia já o conheciam. E suas
bravatas. McCollum posicionou-se no centro do tatame reservado aos lutadores de
caratê, que treinavam três vezes por semana. Ele estava com os pés calçados, o
que era uma ofensa ao mestre de lá. Quando se vai entrar no tatame, deve-se
tirar sapatos e meias e executar uma vênia em relação a uma imagem ou a um
pagode em tamanho reduzido, fixado na parede. Há permissão, desse modo, para se
adentrar ao espaço sagrado.
Silver
McCollum fitou um a um os praticantes da luta, que lotavam o tatame. Ele falou:
—
Se vocês se julgam grandes lutadores, por que não vejo me desafiarem e me
confrontarem? Você, o da faixa negra. É um lutador encorpado, forte, com
certeza. Venha até aqui.
O
mestre olhou fixo para a face de Silver, sem desviar os olhos por um momento
sequer. Ele olhou para o ginásio de musculação e discerniu três vencedores de
campeonatos, um campeão olímpico medalha de ouro americano por uma vez, um
gigante sem expressão vencedor do Mundial de Fisiculturismo por cinco anos
seguidos, e um competidor fortíssimo, com mais de um metro e meio de ombro a
ombro, peitorais de aço e pernas que eram troncos de árvore. Tinha alcançado
por seis anos consecutivos o título de Mr. Olímpia e seis vezes levara a
medalha de ouro nas Olimpíadas, nos últimos vinte e oito anos. Era um veterano.
Os outros ginastas se mexeram inquietos. Todos sabiam da ofensa ao mini-pagode
que encimava o tatame e, portanto, era uma ofensa a todos os lutadores de
caratê.
—
Se preferem assim... vou até vocês — ele se aproximou do mestre, um japonês
faixa preta de nono dan, que o olhava
com o rosto sem nenhuma expressão. Silver encostou a mão direita no ombro esquerdo
do mestre e, em meio segundo, a tinha presa por um aperto de ferro do professor
— Hummm... temos alguém forte, aqui. Continue segurando minha mão, japonês. O
americano moveu sua mão para o pescoço do mestre e o levantou do chão. Jogou-o
no ar, o japonês caindo de pé, dois metros afastado de McCollum. O outro olhou
para suas mãos, treinadas por cinquenta ou sessenta anos em academias, no
Exército Imperial do Japão, participado da Segunda Grande Guerra, mas a força
bruta era algo um tanto rasteiro e rudimentar, para ele. Percebera agora que
nem suas mãos, que rachavam telhas, tábuas de madeira, tijolos e barras de gelo
ao meio, eram páreas para o oponente que tinha à sua frente.
Mas
ele podia lutar em movimento e acreditava que ninguém nos Estados Unidos era mais
rápido do que ele. Fora discípulo de Bruce Lee, lutara e vencera Chuck Norris e
até acabara com Steven Seagal, em dois duelos rápidos e de repercussões
mundiais, visto que fora provada a superioridade do Japão contra os Estados
Unidos, nas artes marciais, tanto no combate contra um, como contra o outro
campeão.
Moveu-se
com lentidão estudada, ao redor de Silver. Este girava o corpo, acompanhando o
movimento do mestre. O salto foi enganoso. Os pés do japonês cruzaram a
distância entre os dois em uma fração de segundo, mirando a testa de McCollum.
Porém, no último milésimo de segundo, quando os pés atingiriam o centro da
testa em um golpe mortal, o oriental desviou seu alvo. Um dos pés atingiria o
pomo-de-adão do americano e o outro, seus testículos.
Silver
McCollum experimentara dois tipos de ansiedade, ao se defrontar com lutadores e
levantadores fantásticos de peso, que erguiam mais de trezentos quilos de
carga, no arranque. Mas com o japonês, ele não sentiu nada. Somente teve de
levantar os braços, agarrar os pés do outro e lançá-lo contra a parede, a dois
metros e meio de distância.
—
Alguém mais se habilita? — ele perguntou, desviando os olhos do professor, que
machucara as costas, com o impacto. McCollum deu um último olhar a ele, que se
queixava de dores na região das omoplatas. Saiu do tatame andando, o que deixou
de surpreender Silver, que previa que ele seria ferido de forma superficial.
Ele não era um matador, havia usado uma fração de sua força física.
—
E quanto a vocês três? Por que não vem para o tatame?
Eles
responderam:
—
Você está calçado! Pisando no tatame, vagabundo! Acha que é o melhor porque
derrotou um homem idoso! Venha aqui e lhe ensinaremos alguns truques, Conan de
araque!
—
Ora... por que não me explicaram antes? — E ele saiu do tatame, caminhando e se
desviando dos aparelhos de ginástica. Chegando frente a frente com o gigante
que demonstrava falta absoluta de emoção, disse: — E então, grandalhão, quer
fazer as honras da casa?
Os
três campeões se jogaram contra Silver McCollum, cada um desferindo socos e
pontapés contra o adversário. Silver recuou e se desviou do ataque, agarrando
duas anilhas de dez quilos. Atirou um dos discos perfurados no centro contra o
gigante, que desviou o projétil com as mãos desmesuradas, de tão grandes. McCollum
agarrou uma barra para se colocar anilhas nas extremidades e pulou, evitando
que o outro campeão, medalha de ouro, o triturasse com seus punhos, que
atingiram um banco para se fazer supino e uma barra para erguer pesos, suspensa
no ar por um sistema de cabos e polias.
Silver
esperou o campeão terminar de atingir os objetos e enfiou a extremidade de sua
barra em seu estômago. Ao mesmo tempo, os outros dois adversários, o gigante e
o outro campeão olímpico, fecharam todas as saídas daquele espaço. E avançaram
para massacrar McCollum, com uma anilha de vinte quilos em cada mão.
Silver
tirou sua barra de musculação da barriga do homem fortíssimo e atingiu seu
nariz. Ele gritou. Os outros deram golpes com as anilhas, mas McCollum
segurou-as e chutou com as duas pernas o estômago dos dois oponentes. McCollum
caíra de costas no chão, mas dera uma cambalhota e se pusera de pé. Avançou
contra o gigante e o levantou pela cintura, jogando-o longe, contra uma
bicicleta fixa no chão. Com o peso do homem enorme, a máquina foi arrancada do
chão e tombara. Silver virou-se para o último dos lutadores. Ele tentava
estancar o sangue que corria das narinas e olhou apavorado para o adversário.
Silver
agarrou o pescoço e o testículo do homem forte, que começou a gritar.
Levantou-o e lançou-o em direção ao tatame, onde caiu, segurando seu nariz e
seus testículos. Rolava no tecido verde do tatame, igual a um lagarto
rastejante e moribundo. O terceiro campeão ameaçou atacar, mas desistiu e saiu
do alcance de McCollum.
Silver
tirou a camiseta branca que vestia. Não havia homem algum que pudesse competir
com ele no Mr. Olímpia, era óbvio. Nem nas Olimpíadas ou nos Mundiais de
Fisiculturismo. Ele mostrou os músculos, flexionando-os. Os participantes da
academia murmuraram entre si, espantados. Havia inúmeros pequenos músculos em
todas as partes do pescoço, dos ombros, das costas, do ventre. Mesmo Arnold
Schwartzenegger ficaria obscurecido, em termos de físico esculpido por
exercícios sem fim.
McCollum
vestiu a camiseta e cumprimentou a todos. Quando saiu, disse:
—
Treinem firme, que poderão competir comigo, em alguma academia da vida!
A
rua estava sem muita gente ou automóveis que ao meio-dia tornavam-na
intransitável. Eram dez da noite. Silver colocou as mãos nos bolsos das calças
de sarja e assobiou. No caminho deu seu dinheiro a três moradores de rua, que
suplicavam por um prato de sopa.
Quando
chegou em seu prédio de apartamentos, abriu a porta para uma velhinha, que
sofria de dores fortes nas costas e caminhava usando uma bengala. Acompanhou-a,
segurando seu braço, até seu andar. Ela deu as chaves para o atleta, que abriu
a porta do apartamento da senhora Smiles. Ela foi claudicando até o sofá da
sala, sustentada pelo homem, que a segurou, para ela sentar-se com suavidade.
McCollum
apartou uma briga entre um casal de nórdicos, que dividiam o décimo andar com o
apartamento dele. O marido desferiu uma facada contra Silver, mas este segurou
seu cotovelo pelo lado interno e apertou. O homem, que parecia ser um sueco,
tentou levantar o braço, mas a dor foi intensa. Ele deixou cair a faca.
—
Está drogado? Ou somente vítima de uma fúria assassina?
—
Estou bem, você é quem interferiu!
—
Teria surrado a mulher?
—
Não, não... só preciso de uma noite de sono...
Silver
apanhou a faca e a quebrou entre os dedos.
—
O... quê? Como fez isso?
—
Um truque de mágica. Só.
O
grandalhão, que mal passava por sua porta, virou-se e a abriu.
—
Nunca use armas. Você pode se machucar, amigo — e ele entrou no seu
apartamento, o da esquerda.
O
casal observou a lâmina da faca, quebrada e deixada no chão do hall do
elevador.
—
Quem é ele? — a mulher perguntou?
—
Não sei. É novo, aqui.
—
Trate de se controlar — sussurrou ela.
—
E você — ele respondeu, baixo —, veja se me deixa usar mais o computador! Tenho
de trabalhar!
O
casal entrou em seu apartamento. A noite chegara. Os ruídos leves da madrugada
logo chegariam, em sete horas. Cada um cuidando do que era seu, no prédio.
Namorados se amando, famílias se recolhendo para dormir, animais de estimação
latindo ou miando, alguns papagaios crocitando nas áreas de serviço.
Silver
McCollum apanhou um peso de duzentos quilos com uma mão, outro idêntico com a
outra, e colocou-os nas extremidades da barra de levantamento de peso.
Colocou-se na posição média, entre as anilhas, os pés por baixo da barra, e
flexionou o tronco. Agarrou o haltere e inspirou. Levantou o enorme peso, expirando
e colocando-o na posição de repouso, defronte ao quadril. Inspirou, levantou o
haltere, expirando e colocando-o na altura do pescoço. Inspirou e levantou o
peso acima da cabeça, expirando. Inspirou, desceu o peso...
Ele
passou a noite e a madrugada com essa carga de duzentos quilos. Ao começar a
sentir sono, acrescentou duzentos quilos às extremidades e fez cinco movimentos
iguais aos anteriores, em uma única série.
Cansado,
foi dormir. Amanhã, teria de treinar mais. E no outro dia, repetiria o numero
dos movimentos com outra série de exercícios. E continuaria... continuaria...
continuaria, até seu coração parar para descansar.