Dê mais visibilidade ao seu livro e mostre a sua obra para milhares de leitores

Dê mais visibilidade ao seu livro e mostre a sua obra para milhares de leitores. Saiba mais, acesse: https://revistaconexaoliteratura.com.b...

Mostrando postagens com marcador Rafael Caputo. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Rafael Caputo. Mostrar todas as postagens

sábado, 19 de novembro de 2022

"As crônicas de Maslow", por Rafael Caputo

 

As Crônicas de Maslow

Rafael Caputo


A primeira coisa que vi ao acordar foi a temperatura na tela do celular: menos um grau. Um verdadeiro milagre! Muitos teriam preguiça em sair da cama, mas não eu. Pulei de pronto. Corri para a janela do apartamento em busca de um vislumbre matinal. Lá estava ela: a geada mais do que esperada. Já não era sem tempo! Agora sim, sinto-me TOTALMENTE realizado. Tenho sorte em morar no oitavo andar do prédio e em frente a um enorme terreno baldio. A branquidão dessa época do ano, enfim, irá preencher meus stories nas redes sociais. Chega da hashtag #thewinteriscoming. “The Winter” chegou com tudo.

Devo ter algum defeito de fábrica, só pode! Apesar de carioca, amo o frio. Talvez, seja por isso que me mudei para Curitiba. Isso já faz algum tempo. Vim com a desculpa de uma oportunidade de trabalho e por aqui fiquei. Entra ano e sai ano, espero ansioso por essa que é, sem dúvida, a melhor das quatro estações.

Alguns acreditam que tudo fica mais chique. Concordo com eles! É hora de vestir a jaqueta de couro, o cachecol, o sobretudo... e sair pelas ruas da cidade cosmopolita atrás de um belo quentão, um cappuccino ou um chimarrão. Este último, influência dos primos gaúchos.

Eu, particularmente, confesso que prefiro o frio por um motivo bem diferente. Ele reforça o fato de que estamos, realmente, vivos. É engraçado, eu sei! A verdade é que a sensação térmica negativa me remete a nossos ancestrais; e como professor de Administração, também não posso deixar de associar tal sentimento à famosa Pirâmide de Maslow, teoria motivacional que tenta explicar o comportamento humano.

Na base da pirâmide, por exemplo, estão as nossas necessidades básicas ou fisiológicas. No frio, temos fome várias vezes ao dia. Para que possamos sobreviver, é preciso “caçar” e estocar alimentos. Satisfeita essa vontade, buscamos maior proteção ao passarmos mais tempo dentro de casa, nossa caverna da era moderna – a segunda necessidade a ser suprida.

Subindo mais um nível na chamada “Hierarquia das Necessidades”, nos deparamos – justamente – com a carência latente do ser humano em se socializar. Precisamos aquecer nossos corpos (e nossos corações) com a presença do outro. Seja com nosso companheiro ou companheira, ou ainda com nossos amigos. Em pleno século vinte e um, substituímos o compartilhar da carne de caça em volta da fogueira por uma reunião ao redor da lareira da sala, com um pedaço de pizza na mão e uma taça de vinho na outra. Inclusive, essa é uma ótima ideia para hoje à noite.

Também é no inverno que percebemos nossa fragilidade como seres humanos e, ao mesmo tempo, podemos nos vangloriar de nossa extrema capacidade de adaptação, responsável por nos trazer até aqui. Quase um paradoxo. Passamos a ser mais solidários: doamos cobertores, nos apresentamos como voluntários para distribuir sopa nas praças etc. De algum jeito, tentamos fazer a diferença em nossa sociedade. Nos importamos com o próximo. Algo me diz que Maslow previu tamanha necessidade como sendo de “estima”, uma das últimas que aparecem em seu diagrama em forma de triângulo.

No topo da pirâmide, por sua vez, a realização pessoal (ou a autorrealização). Para uns, uma utopia – algo impossível de ser alcançado. De acordo com esses pessimistas: nós, seres-humanos, seríamos incapazes de nos aquietarmos com a satisfação plena. Quanta bobagem! Eles acham isso porque não viram as minhas últimas postagens. Concordo mais com os pensamentos da falecida Carmem da Silva, uma colega literária que certa vez, em sua coluna na famosa revista Cláudia, autointitulou-se Nossa Senhora dos Milagres. Maslow estava certo, nunca me senti tão feliz! Isso sim é um milagre de verdade. Abracadabra!

Dias depois, entretanto, entediado com a paisagem vizinha pela janela do apartamento, levemente esbranquiçada, questiono-me: “O que é uma simples geada em comparação à neve de fato?”. A conclusão é inevitável: acho que é hora de mudar novamente. Canadá, aí vou eu!

🔺

Crônica selecionada no II Concurso Literário Carmen da Silva, promovido pela Universidade Federal do Rio Grande - FURG, em parceria com o Instituto de Letras e Artes - ILA e Instituto Federal do Rio Grande do Sul - IFRS.


Compartilhe:

quinta-feira, 13 de outubro de 2022

Conto "O que é piá?", por Rafael Caputo

 


O que é piá?

Rafael Caputo


Certa vez um amigo estrangeiro, que por essas terras curitibanas veio a se aprochegar, me confessou um pequeno segredo. Nem é tão segredo assim que eu não possa compartilhar. Na verdade, está mais para um fato hilário, algo de fato peculiar. Toda sexta, como um rito sagrado, seu vizinho ao lado punha carvão a queimar. Num desses dias veio o (in)esperado convite, o anfitrião Casagrande foi lá lhe chamar. Convite aceito, pensou logo ele: “Não só no cheiro hoje vou a ficar!”.

O mistério fora então revelado: costela no bafo, bendita olência que louco deixava, todas as sextas, o estrangeiro a ficar. Em certa altura do campeonato, conversa vai, conversa vem, eis que surge então uma expressão em particular. Um dos convidados, um cara gordo e engraçado, afirma em voz alta:

“Lá voava o piá!”

Piá? O que será? Um novo mistério surge a revelar. O estrangeiro então passa a desconfiar que a divertida palavra é gíria do lugar. Começa por instinto a muito observar. Repara que em volta há várias gaiolas, algumas vazias, outras compostas por pequenas aves que tendem a piar. Pensa ele:

“A expressão que ouvi trata-se de um passarinho a voar!”

Horas depois, salivando com a ponta da costela a desmanchar, escuta algo novo que interrompe de pronto o seu degustar. Aquele mesmo sujeito gordo agora afirma: o piá da água tirar. “Não pode ser! Equivocado estou eu!?” – fica o estrangeiro confuso a pensar – “Mas então, o que será?” – volta ele a se questionar.

Como um detetive implacável o estrangeiro passa a pistas procurar. Até que encontra na garagem da casa, para sua surpresa, diversas varas de pescar. “Só pode ser isso: Tambaqui, Pacu, Piá...”.

“Já sei! A expressão que ouvi trata-se de um peixe a nadar!”

Mas nada é tão simples como a imaginar. Do mesmo homem gordo e engraçado, culpado por vezes de o mistério lançar, eis que surge um menino, branquelo e pançudo, a se aproximar. “O que é piá?” – pergunta ele ao seu próprio filho que não para de choramingar. Pronto, um novo desafio é lançado ao estranho àquele lugar.

“Resolver essa é fácil!” - pensa o inocente convidado ao jantar – “Só há uma explicação possível: Piá é o nome do garoto, branquelo e pançudo, filho daquele que insiste em me provocar. Um nome que mais parece um apelido, tão engraçado quanto ao pai, que sem querer o condenara a tal alcunha carregar.”

“Já sei! A expressão que ouvi trata-se de um nome em particular!”

Porém, para espanto do estrangeiro, por ali também se encontram muitos outros piás, uns com menos pança, é verdade! Outros nem tão brancos assim. “Que estranho! Quantos piás podem existir num mesmo rol familiar? Seria essa uma tradição da região? Talvez sim, talvez não. Ora, assim fazem os árabes com os primeiros que por lá nascem. O nome do profeta eles passam a carregar. É Mohamed pra li, Mohamed pra lá.”

“Já sei! A expressão que ouvi trata-se de um herói a homenagear!”

-

Quão tolo é esse vizinho estrangeiro, que das bandas de um rio em janeiro veio para aqui ficar. Mal sabe ele que nada do que imagina está certo. Tentativas inúteis são as dele em acertar. O sentido da palavra é mais simples do que se pensa, fruto de um país rico em seu linguajar. “Piá” nada mais é que um menino, seja ele pançudo ou não, pelo menos é assim que se diz pra cá dessa bela região: o Paraná.

👲

Conto publicado na antologia "Elos da Língua Portuguesa, Vol. 2", da Academia Brasileira de Escritores, reunindo autores dos nove países da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa).


Compartilhe:

segunda-feira, 26 de setembro de 2022

Réplica "Já dizia o poeta...", por Rafael Caputo


Já dizia o poeta...

Rafael Caputo


Aquele tempo que previstes, enfim, chegou.
Te odeio por isso! Como é difícil!?
Sei que não posso…
Mas insisto ficar em velhos trapos.
Afinal, ainda me caem melhor do que tudo.
Sei que não devo…
mas teimo em seguir pelo mesmo caminho
já conhecido, sem graça e sem volta.
Quanto mais sigo adiante
mais distante da tua Travessia me encontro.
Tu só esqueceras de mencionar quão dolorosa é!
Talvez essa seja minha sina:
um marginal de mim mesmo
vagando como um moribundo pelo acostamento,
consciente de estar na direção contrária.
Dando créditos a outra Pessoa.
Como te odeio por isso!


🚶

Nota do autor: Essa é uma réplica à poesia "Travessia", de Fernando Teixeira de Andrade, erroneamente atribuída à Fernando Pessoa.


Compartilhe:

terça-feira, 20 de setembro de 2022

Microconto "Literalmente", por Rafael Caputo


Literalmente

Rafael Caputo


Despediu-se da esposa, já intubada, com um beijo na testa. Rezou para que ela o perdoasse. Dirigiu-se, então, à sala ao lado onde uma equipe médica o esperava e confiou à enfermeira-chefe uma carta. Pediu desculpas por mantê-los reféns, os agradeceu e logo em seguida puxou o gatilho. O cirurgião cumpriu com a palavra e a mulher acordou, dias depois, com o coração literalmente partido, mas curada.

💔

Microconto selecionado sob o título de "Coração Partido" como finalista do Desafio de Microcontos #microcoração promovido pela Sweek Brasil em fevereiro de 2018.

Compartilhe:

quarta-feira, 14 de setembro de 2022

Poesia "Só mesmo ele...", por Rafael Caputo




Só mesmo ele...

Rafael Caputo


Ele parou e me olhou com olhos de decepção.
Estava chateado consigo mesmo,
a imagem da desolação.
Tinha falhado mais uma vez e não sabia como.
Me veio a culpa pelo seu fracasso.
Senti vergonha e embaraço.
Não tive outra opção:
o encarei de volta com os mesmos olhos decepcionados e pedi perdão.
Compartilhei de sua dor, fui humilde, tive compaixão.
Uma resposta às desculpas é o que agora espero.
Uma espera silenciosa, uma aflição.
Depois de um longo hiato, ele sorriu de canto.
Um sorriso tímido, quase um espasmo.
Era o suficiente! Sabia que iria tentar novamente.
De todos, ele é o mais persistente, sempre foi.
Um sonhador incorrigível que não acredita no impossível.
Sentirei eterna gratidão por ele não desistir de mim,
não desistir de nós.
Quem é ele?
O Destino.

🙌

Compartilhe:

segunda-feira, 8 de agosto de 2022

Livro "Pocotó", do autor Rafael Caputo fala sobre perdas, obstinação e integridade

Escritor Rafael Caputo e seu livro "Pocotó"
 
E chegou o período de inscrição das obras na plataforma Kindle Direct Publishing (KDP) para quem quer concorrer à sétima edição do Prêmio Kindle de Literatura. E, lógico, que eu não poderia ficar de fora de uma oportunidade dessas. Assim, logo que as inscrições começaram, aproveitei para publicar meu mais novo romance, intitulado Pocotó. Não, ele não é uma história infantil como a maioria pensa (rsrsrs).

Pocotó fala de perdas, obstinação e - principalmente - integridade. Trata-se da história do menor e ex-infrator Azeitona, e como ele se comportou diante de inúmeras provações ao longo da vida. A narrativa acontece na cidade de Belo Horizonte, em Minas Gerais.

Pocotó, novo romance do autor Rafael Caputo

Sinopse:


"No curral de uma favela mineira, o menor e ex-infrator Azeitona aprende com homens e animais o verdadeiro significado da palavra: gratidão. Até que uma chacina sem precedentes muda para sempre os rumos de sua vida, e também dos cavalos dos quais é responsável; o colocando diante de um grande dilema: manter-se fiel ao próprio processo de redenção pessoal ou sucumbir aos instintos selvagens e animalescos que todos nós, incondicionalmente, carregamos dentro de si. 

Influenciado pelos ensinamentos de seu Carlim, um homem simples, Azeitona precisa lidar com diversos demônios que o consomem: abandono, revolta, rancor; enquanto busca compreender as nuances de um universo carroceiro híbrido e único. Os cavaleiros urbanos, cada qual com suas histórias, confundem-se com os animais na puxada das carroças pelas ruas da grande capital Belo Horizonte, sem saber que em um futuro não muito distante, serão obrigados a trocar de lugar com os próprios companheiros. 

Fruto da sensibilidade e do talento de Rafael Caputo, Pocotó surge em defesa de uma pequena parcela da população brasileira, que além de marginalizada vem sendo sistematicamente injustiçada sob alegações de maus-tratos aos animais. Um livro sensível e necessário, às vezes bruto e poético, que fala sobre perdas, obstinação e integridade; e nos leva a olhar para indivíduos a quem restam somente a paixão pelo trabalho de tração, seja humano ou animal, ainda que sob o desprezo de uma cidade ingrata."

Livro Pocotó (e-book) de Rafael Caputo

Gostou? Para saber mais sobre a obra, clique aqui.

🐴

Compartilhe:

segunda-feira, 1 de agosto de 2022

Conto "#SomosTodosGambiarra", por Rafael Caputo



#SomosTodosGambiarra

Rafael Caputo


Duas horas e quarenta de viagem é tempo demais pra mim. Quem mandou ter uma mente hiperativa? No trem que me leva de Madri a Salamanca, noto curioso o improvisar da mulher à minha frente. Sem perceber que é observada, corta um tiquinho da borracha do lápis escolar para substituir a tarraxa perdida de seu brinco. Quanta criatividade! Sua camiseta “I love Rio” revela donde veio. Só podia ser!

A estranha conterrânea me traz saudades lá de casa. Para preencher esse vazio, do ócio criativo crio um pitoresco personagem chamado Hélio Gambiarra. O dito cujo carrega essa graça por ser filho de Maria do Improviso com seu Zé do Jeito Brasileiro. Culpa da desconhecida.

Mas a graça não se restringe apenas ao seu nome. Minha imaginação vai mais além. Gambiarra é realmente um cara gozado: tem cabeça sextavada, duas caras, testa de ferro, cabelo de anjo, orelha seca, olho mágico, nariz de palhaço, língua de sogra e dente de leite. Possui tronco de árvore, coração de galinha, teta de nêga, barriga d´água, braço de violão, mão francesa e dedo de moça. Sua perna é de pau, tem coxinha de frango com catupiry, joelho de queijo e presunto, canela de pedreiro e pé de moleque. Na sua essência, um sujeito improvisado.

Mas nem tudo é perfeito, Gambiarra possui um segredo. Na verdade, nasceu Ana Xana. Mas o seu Jeitinho, como é conhecido por todos, tratou logo de presentear o filho com um saco de dormir, duas bolas de gude e uma enorme mandioca. Ah! Famoso Jeitinho Brasileiro. Sua fama lhe precede.

Com o pai, Gambiarra aprendeu muita coisa. Desde pequeno já furava filas, pulava a catraca, dava moedas a menos e não reclamava de trocos a mais. Quando não estava colocando em prática os ensinamentos que lhe eram passados de geração pra geração, estava brincando com o gato da tevê a cabo, seu bichinho de estimação.

Ainda menino, conseguiu dar seu primeiro nó em pingo d´água. Que orgulho! Na escola, numa época em que álbum de figurinha era a febre da molecada, trocava as figuras repetidas por tarefas de casa, cola nas provas e até seu nome inserido em trabalhos dos quais nem participou. Gambiarra era um negociador nato, sabia como ninguém tirar proveito das coisas.

Na adolescência, adulterava sua identidade para frequentar locais só para maiores. Já se acostumando a manobras e alianças baseadas em interesse próprio, usava de uma lábia poderosa para namorar duas ou mais meninas (e também meninos) ao mesmo tempo. Para ganhar dinheiro, virou camelô. Ao ser pego vendendo ilegalmente produtos contrabandeados foi defeso pela mãe que, fazendo jus ao próprio nome, improvisou o maior discurso na cabeça do delegado. Este preferiu fazer vista grossa e Gambiarra sequer foi fichado. A sorte, às vezes, também ajuda.

Com tamanha desenvoltura e malandragem, com o passar do tempo, chamou a atenção dos magnatas. Seu Jeitinho Brasileiro fez com que eles o notassem. Não demorou muito para seguir, portanto, o mesmo ofício do pai: entrou para política. É como dizem por aqui: “De tal palo tal astilla”.

Gambiarra não se elegeu deputado como queria, mas como é liso feito bagre ensaboado conseguiu malandramente virar senador sem ao menos receber um único voto. Melhor ainda! Tudo por conta de um sistema político ultrapassado, baseado em favores, composições internas e coligações partidárias. Mas quem se preocupa com isso na terra do samba, carnaval e futebol?

De senador virou candidato a presidência. Nepotismo a parte, com seu pai como chefe de campanha e sua mãe escrevendo seus discursos, o candidato superou todas as expectativas e acabou ganhando as eleições logo no primeiro turno. Graças a uma campanha de marketing impecável que conseguiu maquiar com perfeição sua imensa cara deslavada, todas as duas, diga-se de passagem.

A população se identificou com a criatividade do candidato em resolver os problemas do país, acreditou pela milésima vez em promessas e propostas. Seu Jeito Brasileiro conseguiu, de fato, conquistar o povo. A marca registrada durante a corrida presidencial foi a hashtag “Somos Todos Gambiarra”. Um sucesso!

É aquela velha história: o povo tem o governo que merece!

***

A viagem chega ao fim. E que viagem! Pensando bem, até que passou rápido. O trem diminui a velocidade e para por completo. Sem querer descubro que a dona do tal improviso no brinco, que lá no início despertou minha curiosidade, também se chama Maria. Que ironia!

Descemos todos na estação de Vialia: as Marias, eu, seu José e o então Presidente Gambiarra. Agora, porém, seguimos caminhos diferentes. Volto sozinho para casa. Dez minutos de caminhada é tempo suficiente para mais uma nostalgia como saideira. Só a saudade, essa sim insiste em me acompanhar.

Já no apartamento, ligo então a tevê num canal brasileiro de notícias. Para minha surpresa, a reportagem é de um senador “indeciso” do Distrito Federal que, por incrível que pareça, se chama Hélio José. Ele pediu, absurdamente, nada mais nada menos que trinta e quatro cargos para o governo interino a fim de “se decidir” e votar a favor do impeachment contra a atual presidente. Dentre os cargos, queria o comando dos Correios e até o da hidrelétrica Itaipu, além de exigir liderar o governo no Congresso.

Quanta cara de pau! Parecia até que negociava figurinhas repetidas. Pasmem, o tal senador é conhecido justamente em Brasília, capital do país, como Hélio Gambiarra. A alcunha não deixa de ser uma homenagem (se é que podemos dizer assim) por ele ter desviado energia da Companhia Energética de Brasília (CEB) para realizar um churrasco. Eu também não acreditei, quanta coincidência! Surreal demais até mesmo pra mim e o meu pensar hiperativo. Nunca a expressão “a vida imita a arte” fez tanto sentido.

Se o Gambiarra da vida real também chegará a presidência como seu homônimo hipotético, isso já não sei. Mas lá na terra do improvável, apelidada de Brasil, por culpa do jeitinho brasileiro não duvido é de mais nada!


Nota do autor: este conto poderia facilmente ser considerado uma crônica, ou ainda uma piada (de muito mal gosto, eu sei), já que o político Hélio Gambiarra existe de fato, assim como suas exigências descabidas citadas na narrativa e feitas em público há alguns anos. Acredite você ou não, isso aconteceu de verdade. Inclusive, o churrasco.

Conto publicado na coletânea "Contando Ninguém Acredita", de autoria deste que vos escreve.

Compartilhe:

terça-feira, 19 de julho de 2022

Poesia "Cárcere privado", por Rafael Caputo



Cárcere privado

Rafael Caputo


Partires sem ao menos um prévio avisar.
Depois de ti, nem sequer a morte
Que há de contar com a sorte,
Puderes ter pretensão de alentar.

Eis agora o reflexo de um estranho ser
Que outrora desprezava a idade.
Consigo traz a bússola da saudade,
Única norteadora do viver.

Sabe-se lá quantos sonhos tive,
Quanto tempo tenho ou quanto de mim vive.
Num cárcere de nostalgia estou a me aprisionar!

Ó chaga incurável d´alma,
Refúgio de infortúnio e trauma,
Apresse-se em me libertar!

💔

Poesia selecionada no Concurso Literário da Livraria Asabeça & Bignardi Papéis 2019. Publicada na antologia poética “Cabeça que voa” em comemoração aos vinte anos da livraria.

Compartilhe:

terça-feira, 5 de julho de 2022

Prêmio Kindle de Literatura 2022 - 7ª Edição - Inscrições Abertas


Prêmio Kindle de Literatura 2022 - 7ª Edição

Inscrições Abertas


Enfim, chegou a hora de tirar aquele manuscrito da gaveta, pois a Amazon aproveitou a 26ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo para anunciar a sétima edição do Prêmio Kindle de Literatura, firmado em parceria com o Grupo Editorial Record. As inscrições poderão ser feitas a partir do dia 11 de julho e se estenderão até o dia 28 de agosto deste ano (2022).

Essa é uma excelente oportunidade para que escritores de todo o Brasil autopubliquem suas obras. Sou suspeito em dizer, uma vez que fiquei entre os cinco finalistas da quarta edição da premiação em 2019, com meu romance de estreia intitulado "Larissa Start". A foto aí de cima não me deixa mentir. 

Digo por experiência própria que para participar é muito simples: basta usar a ferramenta KDP de autopublicação da Amazon: o Kindle Direct Publishing. O escritor só precisa incluir a hashtag #PrêmioKindle nas palavras chaves durante a publicação. O prêmio tem como objetivo promover autores nacionais independentes, proporcionando a publicação impressa da obra vencedora e angariando o primeiro colocado com nada mais, nada menos que R$ 50 mil.

O vencedor também ganha um vale de compras de R$ 5 mil para adquirir obras no site da Editora Record. Como nas edições passadas, as obras inscritas serão avaliadas por um grupo de especialistas editoriais, que irão anunciar cinco finalistas. Na sequência, todos eles serão julgados por um júri especial.

Vencedores das últimas edições:


6ª Edição (2021)
Vanessa Passos - A filha primitiva 🏆
Eduardo Soares - A Jurema: sob o céu do sertão
Jeovanna Vieira - Virgínia mordida
José Manoel Torres - Ciudad Augusta: Uma distopia latino-americana
Juciane Reis - Xirê das águas

5ª Edição (2020)
Marília Arnaud - O pássaro secreto 🏆
Dani Mussi - Coisa-ruim
Vitor Camargo de Melo - Embaixo das unhas
Fernando A. Almeida Soares - Infância no além
Tailor Diniz - Noturno em Punta del Diabo

4ª Edição (2019)
Barbara Nonato - Dias vazios 🏆
Eugenia Zerbini - Para você nunca se esquecer de mim
Fernando Perdigão - A segunda identidade
Nelson de Oliveira - Gigante pela própria natureza
Rafael Caputo - Larissa Start *desse que vos escreve 

3ª Edição (2018)
Eliana Cardoso - Dama de paus 🏆
Bruno Loureiro Mahé - O registro
Maria José Silveira - Terra sem males
Maria de Regino - Três luas de verão e uma figueira encantada
N. R. Melo - O som no fim do túnel

2ª Edição (2017)
Mauro Maciel - O memorial do desterro 🏆 
Barbara Nonato - Pelos caminhos do tempo
Fernanda Melvee - Amarga neblina
J. L. Amaral - Entre pontos
Mauro Lopes - Nova Jaguaruara

1ª Edição (2016)
Gisele Mirabai - Machamba 🏆
Leon Idris Azevedo - Minha sombra cabe ali
Edson Soares - Os últimos passos do enforcado

Vale lembrar que os livros inscritos devem ser romances originais escritos em português do Brasil, inéditos e submetidos exclusivamente ao Kindle durante o período da premiação. Também é obrigatório a inscrição da obra no programa KDP Select

Os termos e condições podem ser encontrados em: amazon.com.br/premiokindle.

📕

Compartilhe:

sábado, 2 de julho de 2022

Conto "Déjà-vu Literário", por Rafael Caputo


Déjà-vu Literário

Rafael Caputo


Olá! Eu me chamo Ellen e sou viciada. Faz onze dias que eu não cheiro. Isso mesmo que você acabou de ouvir, ou melhor, de ler. Não se incomode, também é assim que muitos me conhecem pela primeira vez. Essa sou eu: direta ao ponto. Vinil velho e arranhado que repete a mesma canção, obrigatoriamente, uma vez por semana. Por ironia, essa é a “minha” nota biográfica. Força do hábito.

Vivo um dia de cada vez. Isso, se o arrastar taciturno do coletivo não me impedir. Sua insistência em recolher os moribundos pela berma transforma a já doída trajetória em uma sofrência ainda maior. Quem costuma dizer que o trabalho engrandece o homem desconhece por certo meu ofício, destino do caminho.

Cerca de vinte minutos depois já estamos no centro da cidade. Da janela, vejo uma treze de maio estática. Questiono: pode o chumbo subir aos céus? Transmutar nuvens em borrões? Distorcer o humor, destinar a colheita, destruir, transformar? Quem ousa afirmar que água não tem gosto, não tem cor, não tem cheiro? Quem é que sem saber, sem querer, nem sequer, desfrutará do prazer inerte de estar entregue a grossas gotas geladas? Pingos atraídos por uma força natural incrível, invisível e inquestionável. O que era já não é mais. Estados alterados sem nenhum aviso prévio.

Continuo a refletir. Penso que infringidas foram as leis da física e nenhuma punição está à espera do algoz.

A partir daí, dá-se início a fusão de dois extremos. Aflição, curiosidade e espanto tornam-se ingredientes em banho-maria. Em meio a comportamentos diferentes, percebo que correr é uma unanimidade. Ora, qual é a lâmina capaz de dividir o que jaz vulcanizado? — volto a questionar — qual é a cor do som brilhante reflexo de uma nebulosa fricção aleatória?

Nesse instante, vislumbro um oceano a queda livre. A voz da cidade é abafada e até seu perfume se transforma. Na esquina, sob a ocre luz intermitente, um balé descompassado de metal, borracha e vidro fazem das ruas o palco de um inesperado show à parte. Sem ritmo e sem público. Sem início, meio ou fim. Só lágrimas.

De repente, o abrir de um zíper meu nome sussurra. É o suficiente para trazer-me de volta dentro do tedioso circular. Tudo por conta da desconhecida ao meu lado que pôs a fuçar a bendita bolsa. Um sussurro quase torpe que mais parece um grunhido animal. Já posso imaginar o que vai sair da boca do tal bicho. Só por implicância sai de lá suposto livro, passatempo da estranha para dias como esse.

Em prol de um alento, busco em meus pulsos a fragrância Paper Passion de hoje cedo, meu eau de parfum preferido. Uma busca inútil, pois, nada supera a olência com leve toque de baunilha — meu vício — fruto da degradação de alguns produtos químicos diversos. Estes sim, responsáveis por exalar compostos orgânicos voláteis e únicos, mix de polímeros e aderentes. O resto é obra da mãe natureza, façanha do tempo. Deve ser culpa da amadeirada lignina, também minha preferida. O melhor a fazer é descer.

Ainda faltam duas quadras até o trabalho, que ideia a minha? Agora tenho que nadar nesse oceano lacrimal, esbeirando-se pelas marquises como roedor na calada da noite. Ziguezagueando a desviar de tolos acessórios de função menosprezada.

Impossível não notar, adiante, o galante engravatado ao tablet. Imóvel como o prédio que o cerca. O que será que ele lê? Notícias? A cotação da bolsa? Um romance, talvez? Creio que seja um conto, quem sabe o testemunhar de uma pisciana complexa, interessante, de personalidade forte e marcante, que há onze dias luta contra um desejo incontrolável e poderoso. Talvez ele ainda não saiba, mas por ela tenha se apaixonado. Preso a sua história o pobre infeliz permanece, a lendo e relendo, em busca de uma brecha a adentrar. Sem forças para evitar, sucumbiu ao vício do amor, esse sim ainda mais viciante.

Por alguns segundos, penso em furtá-lo. Levar comigo o tal modal literário. Não por mera curiosidade da leitura, mas por que talvez consiga realmente utilizá-lo para sanar minha abstinência. Será? Acho que estou enlouquecendo. Como poderia tragar tão belo enredo? Não me permito ser uma ladra, não hoje. Preciso me concentrar.

Chego ao destino, adentro ao prédio e logo chamo o elevador. Ele demora mais do que o normal. Quantos virão hoje? Penso eu. Tomara que esse tempo não lhes tire o tesão. Assim ocupo o corpo e distraio principalmente a cabeça. O elevador deve estar defeituoso, demora ainda mais para subir. Uma ânsia como a da suspensão corporal me alcança, sinto-me içada lentamente pelo dorso, o descolar da carne me dá prazer e náusea ao mesmo tempo. Literalmente, já nas alturas, sou cuspida para fora dele tão ofegante como se pelas escadas decidisse vir. Minha visão fica turva, prefiro imaginar que é culpa do ar rarefeito do já conhecido décimo primeiro andar.

Dentro do mil, cento e onze agora me encontro. Os sete pecados do atendimento ao cliente são os únicos que por aqui não passam, todos os outros batem cartão. Estou fraca, preciso cheirar. Perco o controle. Procuro desesperadamente pela droga nas gavetas dos móveis. Não penso em mais nada. Meus movimentos são reflexos involuntários em busca de um tesouro muito bem escondido. Vou do quarto para a sala, da sala para a cozinha, reviro tudo, nada encontro. Como uma barata tonta, chego ao banheiro, minha última esperança. Nada! Só meu eu do passado refletido no espelho: atônito, perplexo, insano. Ele me desafia, me ironiza, me atormenta.

Saio correndo feito louca. Bato a porta. Não espero o elevador, não há tempo. Desço apressada as escadas, só penso em não cair. Em segundos, já estou lá embaixo. Mal consigo respirar.

Atravesso o saguão do edifício. Desperto estranheza de uns e curiosidade de outros. É tarde demais para manter as aparências. Refaço com ímpeto o contrário do caminho. Já na rua, corro a passos largos. Chamo a atenção de muitos. Esbarro nas pessoas, quase caio. Derrubo sem querer o celular de alguém, ou um tablet, talvez o do galante, que ele me perdoe. Sinto-me seguida, já estão atrás de mim. Olho para trás, não consigo discernir o ver do enxergar. Preciso respirar senão vou sucumbir. Entro mais que depressa numa grande loja térrea de esquina. É o fim. Cedo a tentação ali mesmo. Cheiro de uma só vez tudo o que no papiro se encontra. Me rendo como um asmático ao usar sua bombinha. Nem ao menos sei de onde veio a droga que está em minhas mãos. Meus olhos começam a se revirar, os bicos dos seios se enrijecem e já arrepiado meu corpo todo se contrai.

Faço então uma pausa… Longa e contínua…

Por um bom tempo mantenho trancada a respiração com o cadeado do êxtase. Se pudesse, jogava a chave fora. Uma fungada das boas, daquelas que me leva sem paradas até o nirvana, ponto final da estação. Lenta apneia para imortalizar um velho e conhecido amigo: antagônico bálsamo que completa, consome, aprisiona e liberta. O aroma sentido é de madeira de guaiaco, cedro e almíscar com uma combinação de notas campestres sobre uma base de bolor, trazendo à memória um aveludado e empoeirado cheiro de jornal impresso. Nada de mofo, tomilho, sótão, esmalte, cera de chão ou parte debaixo do sofá desta vez.

Sinto ser invisível, sentimento comum para muitos da minha espécie, mas logo percebo que estou de fato é cercada. Ao meu redor, a prima Bete, a madame Bovary, o alquimista, o impostor, o homem duplicado, o pequeno príncipe, o senhor dos anéis e o caçador de pipas; dentre outros improváveis personagens literários. Todos a me observar. Implacáveis, imutáveis, inertes. Todos com a mesma sensação de déjà-vu, por mim também já foram outrora tragados.

A grande loja onde me encontro é na verdade uma livraria. Ao entrar, sem mesmo notar, peguei logo da primeira ilha uma obra em oferta. Seu título pouco importa, menos ainda seu estado de conservação: novo, velho ou usado. Meu segredo fora então revelado: carrego o jugo de uma compulsiva por cafungar livros. Alguns chamam de bibliosmia, tanto faz pra mim. Pelo menos agora posso relaxar.

Amanhã é dia de grupo, lá vou eu começar tudo de novo. Só que desta vez, pelo menos, vou tocar o lado “B” do disco: Oi pessoal! Me chamo Ellen. Eu sou viciada e ontem tive uma recaída. Hoje faz um dia que eu não cheiro.

📚

★★★

  • Conto “Déjà-vu Literário” — Rafael Duarte Caputo (Rafael Caputo) — Menção Especial no IX Concurso Internacional de Contos Vicente Cardoso promovido pela Prefeitura de Santa Rosa/RS em Outubro 2019.

Compartilhe:

terça-feira, 21 de junho de 2022

Poesia "Cálice para sempre", por Rafael Caputo



Cálice para sempre

Rafael Caputo


Alguns passam toda existência a te procurar.
Muitos possuem somente a lembrança,
Outros, alguma esperança
Revés de a safra um dia encontrar.

Vinho controverso sem explicação.
Envelhecido depois do se apaixonar.
Rico sentido a embebedar
De um exclusivo terroir de contemplação.

Alma viva da cara metade.
Da adega da vida para a eternidade;
Eis que és tú, feito para brindar.

Impecável sabor harmonizado no peito.
Rótulo raro para um casamento perfeito.
O frutado de um aroma, sem dúvida, a imortalizar.

🍷

Poesia publicada na Revista Wine Ed 89 Pág 10 maio 2017 ISSN 2357–7886


Compartilhe:

segunda-feira, 30 de maio de 2022

Poesia "Anjo Gabriel", por Rafael Caputo


Anjo Gabriel

Rafael Caputo


Quando Gabriel,
“o garoto mimado”,
dia e noite, noite e dia, era espancado
pela mãe e o padrasto…

Te pergunto: onde estava Deus?

Quando Gabriel,
“uma irritante criança”,
soluçava de medo preso no armário,
alimentando-se de reles esperança...

Onde estava Deus?

Quando Gabriel,
“o mentiroso”,
por um tiro da mamãe
com sua arminha de pressão, perdeu um olho…

Onde estava Deus?

Quando Gabriel,
“o enteado bastardo”,
a comer fezes de gato
como refeição, era obrigado…

Onde estava Deus?

Quando Gabriel,
ignorado, dava sinais
a professores, médicos e assistentes sociais…
Brado indignado uma vez mais:

Onde estava Deus?

Quando Gabriel
(que só queria ser amado)
não resistiu e voltou ao céu,
eu chorei e compreendi:

Estava Deus em Gabriel!

👼

★★★

  • Poema publicado na Coletânea de Poetas Brasileiros 2022, Vol. I, da Editora Persona, de Curitiba/PR.

Compartilhe:

segunda-feira, 16 de maio de 2022

Conto "A vida é trem-bala, parceiro!", por Rafael Caputo




A vida é trem-bala, parceiro!

Rafael Caputo


Quarentena que nada, nunca trabalhei tanto na vida. A demanda está absurda. Não que eu esteja reclamando, longe de mim. Enquanto muitos perderam seus empregos em meio à crise, só tenho a agradecer. Afinal, fiz por merecer. Tô batendo meta atrás de meta. Tanto sacrifício, entretanto, tem seu preço. Sinto-me exausto. Até mesmo eu preciso de um descanso. Falando nisso, é hora da minha pausa. Bato o cartão, pego um copo de leite e aproveito para ler as notícias: “Milagre: avião cai no meio do oceano e todos os passageiros sobrevivem”. Mal tenho tempo para reagir, logo sou interrompido.

“Com licença, Senhor. Sei que está em seu horário de intervalo, mas os estagiários chegaram.”

Abandono as notícias, engulo o leite, bato novamente o cartão e sigo em direção aos novatos. Como vocês podem perceber, está ficando cada vez mais difícil dar conta do serviço. Não tive outra alternativa, a não ser pedir ajuda. Sim, foi preciso deixar o orgulho de lado, pelo menos dessa vez. O pessoal do RH até que foi rápido. Como é maravilhoso ver o termo “Recursos Humanos” sendo tão bem empregado novamente.

Os candidatos selecionados possuem bom potencial. Um deles tem vasto conhecimento em logística, o que é imprescindível nesse ramo. O outro, um pouco mais velho, dedicou grande parte da sua vida recepcionando pessoas. Já sei para onde irei designá-lo. E, por fim, uma outra, mais nova e sem muita experiência, atuava como motorista de aplicativo. Não sou muito familiarizado com essas novas tecnologias, mas acho que tal conhecimento pode ser útil. Quem dirige um carro também pode dirigir um barco, por que não? Tudo bem que, ultimamente, esse barco mais que triplicou de tamanho. Quase um transatlântico. Já é a segunda vez que mudamos de modelo. Culpa do trabalho, que só aumenta. Até entrei com um requerimento — polêmico, por sinal — para usarmos um trem como meio de transporte. De preferência, um trem-bala. Acredito que assim, com a distribuição dos passageiros em vagões, seria tudo mais organizado, e rápido. Digo por experiência própria. Mas o pessoal da velha guarda insiste em defender que o transporte marítimo é uma antiga tradição e estão meio receosos com uma mudança nessa altura do campeonato. Vamos ter que esperar para ver se o pedido será ou não deferido. Tô na torcida! Pode me chamar de ousado, não tem problema. Ou nostálgico, tanto faz. Vou fazer de tudo para ganhar de goleada. Tipo sete a um, se é que você me entende.

Guten Tag, senhoras e senhores, sejam muito bem-vindos! Modéstia à parte, tenho certeza de que vocês já me conhecem, ou pelo menos, já ouviram falar de mim. Pois bem, graças ao vosso currículo, vocês foram requisitados como meus assistentes. Não se enganem, sei tudo sobre cada um de vocês. Você, da logística, foi acusado de pedofilia e conseguiu incriminar um inocente que agora está pagando a pena em seu lugar. Nada mal. O cara da recepção, por sua vez, atuava também como pastor e usou o dízimo dos fiéis para pagar dívidas com prostitutas e traficantes. Corajoso, tenho que admitir. Por último, a motorista que atropelou o próprio cliente e fugiu sem prestar socorro. Bem, a política da empresa é que todos merecem uma segunda chance. Eu, no entanto, espero que vocês se esforcem ainda mais dessa vez. Temos muito trabalho pela frente. Isso está um verdadeiro inferno, um caos. Não para vocês, obviamente! Para vocês isso aqui é o Paraíso, fala a verdade? Bando de sortudos. Hoje é o primeiro dia, então, me acompanhem e observem.”

Passo pela sala de operações estratégicas e pego meu megafone. Subo com eles até um dos palanques principais para colocar ordem na casa. O local nos permite uma visão ampla de todo o saguão. Estamos no deck principal, o maior deles. À nossa frente, uma multidão de gente. Desde o início do ano está assim. Recentemente, nas duas últimas semanas, tivemos um crescimento ainda maior: cerca de dez mil pessoas por dia. Tem gente de todo o lugar, de várias partes do mundo. Nosso papel — nessa estação, especificamente — é relativamente simples: transportá-las com segurança para o outro lado da fronteira. Eu sou o responsável por isso também, além de trazê-las até aqui. É um cargo importante, escolhido a dedo. Não vejo problemas em acumular certas funções.

“Pessoal, atenção! Escutem com atenção. Essa fila maior é somente para COVID-19. Por favor, saia da fila quem não for COVID. Consultem o nome de vocês na lista afixada no mural. Outra coisa: moedas e bilhete nas mãos. Quem não validou o bilhete de embarque, favor retornar ao primeiro guichê. Quem ainda não recebeu as duas moedas de ouro precisa passar na bilheteria. Sem as moedas, não embarca.”

Todo dia é a mesma coisa: precisamos repetir essas instruções senão vira bagunça. O pior que pode ocorrer é alguém embarcar sem a devida autorização. Se eu os transporto, sobra pra mim. Tem alguns engraçadinhos que tentam burlar o sistema e adiantam a viagem. Quando descobertos, são deportados imediatamente. Voltam para lá, sem piedade. Antes, porém, acabam sendo punidos. Poucos retornam sem nenhuma sequela. Mas isso já não é meu departamento. Aqui, cada um cuida do seu setor.

Muitos acham que a Morte é um ser, uma espécie de indivíduo (tipo uma pessoa), mas não é. Na verdade, trata-se de um título. Assim como o Papa. Já existiram vários Papas, assim como várias Mortes. Sou eu quem ocupa esse cargo agora. (não o do Papa, o outro). E não que eu esteja querendo me gabar, mas estou fazendo um ótimo trabalho. Depois de tanto empenho para chegar até aqui, é o mínimo que posso fazer. Soube da possibilidade e aproveitei um programa de intercâmbio. Me candidatei pouco tempo depois que fiz a travessia. O tempo aqui é relativo, parece que foi ontem. O diretor de onde eu estava não queria abrir mão de mim de jeito nenhum, mas consegui convencê-lo. Nunca duvide do meu poder de argumentação, sou ótimo nisso! Ele está satisfeito agora, sua casa nunca esteve tão cheia.

Tomei posse no primeiro dia de 2020 e, desde então, venho recebendo bônus por produção, mês a mês. Um recorde. Nunca uma Morte foi tão eficaz logo no início do mandato. Não vejo a hora de receber a PLR. Acho que no fundo, me escolheram porque já sabiam da minha capacidade. Usei parte da minha experiência em vida como campanha eleitoral para disputar o título. Ganhei fácil. Fiquei sabendo, mais tarde, que não haviam candidatos à altura para competir comigo. Que pena, iria adorar travar mais uma batalha. Comigo é assim: ou tudo, ou nada. Quando entro numa guerra é para vencer. Pode apostar! Cá entre nós: a ideia do vírus foi tão boa quanto a do gás, não é mesmo?

Deixo o megafone nas mãos da estagiária e volto para concluir meu intervalo, também sou filho de Deus. Bato de novo o cartão, pego outro copo de leite e retomo a leitura: “Vazo ruim não quebra fácil: marginal toma quinze tiros e, ainda assim, consegue escapar da Polícia”, “Motorista bêbado que invadiu supermercado foi preso. Ninguém saiu ferido”, “Inacreditável: câmeras de segurança flagram o momento em que uma criança de apenas quatro anos despenca do sexto andar de um edifício, se levanta e sai andando normalmente”, “Protestos antifascistas e conflitos contra o racismo geram quebra-quebra generalizado com incêndios, brigas e saques. Apesar do prejuízo, não houve vítimas.”, ao ler esta última notícia, deixei escapar um curto sorriso irônico de canto, quase um espasmo. Amadores! Novamente, sou interrompido.

“Com licença senhor, desculpe incomodá-lo mais uma vez. É que o senhor pediu para avisá-lo caso afrouxassem o isolamento social e acabou de chegar uma informação de que no Brasil estão reabrindo as igrejas, academias, shopping centers e várias outras atividades comerciais.”

“Perfeito! Ótima notícia. Vamos colocar em prática o plano emergencial de contingenciamento brasileiro. Eu já imaginava que isso fosse acontecer. Avise o RH que preciso quadriplicar o efetivo o quanto antes (e não é exagero). Também ligue para ‘você sabe quem’ e pergunte sobre o trem, tente sondar se eles já se decidiram. Vou voltar ao trabalho imediatamente, temos muito o que fazer. Tome, já li o relatório com as notícias.”

“O que eu faço com ele, senhor?”

“Guarda na gaveta das pendências. Depois da Pandemia, eu resolvo tudo.”

“Tá bom, e não esqueça da sua reunião às cinco com o chefe.”

“Pode deixar!”

“Mais uma coisa: já estou com ‘você sabe quem’ na linha e ele disse que, graças ao Governo Tupiniquim, concordaram com o seu trem. Parabéns, você conseguiu!”

Sieg Heil, minha querida. Sieg Heil.”

😳

★★★

  • Conto angariado com uma menção honrosa no 19º Prêmio Literário Paulo Setúbal em 2021, promovido pela Secretaria de Cultura da Prefeitura de Tatuí/SP.

  • Obra também publicada na 3ª Edição da Revista Cultural Traços em 2021.

Compartilhe:

segunda-feira, 9 de maio de 2022

Conto "Bocão de jacaré", por Rafael Caputo


Saio inconformado daquele consultório. Quem ele pensa que é? Eu só queria ajuda para fixar a dentadura. Sua mente deveras limitada deve pressupor que sou louco. Uma loucura visceral a consumir minha sanidade, aposto. 

Não estou doente, pelo contrário, meus sentidos estão mais-que-perfeitos. A audição, por exemplo, nunca esteve tão aguçada. Nenhum som do céu ou da terra me passa despercebido. Sou capaz de ouvir tudo claramente, inclusive o que acontece em outras dimensões. Como então estou louco? Como? Sinto-me ofendido. Logo ele, um dentista. Por obrigação do ofício, tinha que acreditar em mim. Você vai concordar comigo, eu sei, posso ouvir seus pensamentos também. 

Vou lhe explicar como tudo aconteceu: há uma semana, ao recostar minha cabeça sobre o travesseiro, crente de algum sossego meu, a escutei pela primeira vez. Sabia que ela estava lá. Era tarde da noite, local de morada do silêncio absoluto, silêncio que fora cortado por um sussurro torpe. Outros menos privilegiados nem a notariam, mas eu a notei. Eu disse que nenhum som me escapa aos ouvidos, não disse? Era ela, certeza! Podia perceber até sua respiração, sequer ofegante. Escutava-a perfeitamente quando fui interrompido pelo gosto de ferrugem em minha boca, era sangue: a prova real de sua chegada. O espelho do banheiro, sempre sincero, me contou a verdade: era o dente que sangrava. Eu sabia! Esfreguei com força a escova a fim de expulsá-la. Ansiava novamente pelo sossego do silêncio absoluto. Queria, portanto, que ela fosse embora, que me deixasse em paz, que me deixasse dormir. Não houve jeito, ela permaneceu lá, teimosa e insistente, vigilante como toda criminosa. À espreita, à espera. 

Em uma das noites, porém, me peguei surpreso ao ouvir um choro não muito distante. Um lamento por detrás do dente. Nada de ferrugem dessa vez, mas sim água do mar. A maresia adentrou pelas minhas narinas brotando das fossas nasais ora encharcadas por lágrimas daquela fada arrependida. Comovido, passei a escovar mais suavemente aquele dente, quiçá o até saltava. Minha intenção nunca foi de machucá-la. Seu chorinho acertou-me em cheio, confesso! Coitada da fadinha, pobrezinha. Sem escolhas e destinada eternamente a vida do crime estaria ela arrependida? Talvez sim! 

Inevitavelmente, ficamos amigos. Contei a ela que gostava de cozinhar, de passear no parque e tocar violão. Cheguei a dedilhar algumas canções sobre redenção e arrependimento só para aliviar sua culpa. Tornamo-nos, além de tudo, confidentes. Até que numa noite, dei-me por falta do dente meu. O silêncio então regressou soberano com o jugo do abandono a tiracolo. Nunca me senti tão sozinho desde então. Acabei sendo traído mais uma vez, porém jurei a mim mesmo que seria a última. Alguns dirão que fiz o que fiz por vingança, outros por autopreservação, tanto faz! Desci ao porão, tirei de dentro da caixa de ferramentas o alicate boca-de-jacaré e, um a um, arranquei eu mesmo todos os dentes da boca. Quão tolo fui por acreditar em fadas.

👀

Compartilhe:

terça-feira, 26 de abril de 2022

Poesia "Malus da vida", por Rafael Caputo


Pecado seria não a desejar.
Arte de Edda em sua plenitude,
Iduna, a Deusa, a trocara por juventude.
Xis da questão a solucionar.

Ardente sentir de incerto destino
Onde envenenada fora por profundo sono.
Pseudofruto de flora em outono,
Revés de um insano sabor clandestino.

Outrora símbolo da fertilidade,
Imortalizada rendeu-se à força da gravidade.
Bendita se fez por um breve instante.

Infinito culpar-se de perder o paraíso
Do pomar da vida ao fim do juízo,
Algoz do amor, tu és, divina e antioxidante!

🍎

Compartilhe:

terça-feira, 12 de abril de 2022

Conto "Lockdown marinho", por Rafael Caputo



Ano passado, visitei Florianópolis. Também chamada de Floripa, a ilha da magia. Realmente, o lugar é mágico. Fui com minha namorada. Lá, conhecemos o Projeto Tamar. Você já deve ter ouvido falar, é uma das mais bem-sucedidas iniciativas de conservação da vida marinha. Em especial, no que tange à preservação das tartarugas. Ficamos admirados. O trabalho que eles desenvolvem vai desde Santa Catarina até o Ceará, abrangendo grande parte do litoral brasileiro.

Vale lembrar que os seres humanos são bem mais evoluídos do que as tartarugas. Aprenderam a criar e a manusear o fogo, desenvolveram ferramentas, construíram casas, carros, inventaram um monte de remédios etc. Possuem grande capacidade intelectual e artística. Você nunca verá uma tartaruga, de qualquer espécie que seja, dirigindo um automóvel ou tocando um instrumento, por exemplo. Ainda assim, por algum motivo, esses animais são fascinantes e despertam grande curiosidade. Hoje, sabemos quase tudo ao seu respeito.

As tartarugas possuem sangue frio, têm escamas e colocam ovos. Todas essas características as definem como um réptil. Contudo, algumas pessoas acham que elas são anfíbios. É certo que ambos possuem semelhanças e, como os anfíbios, algumas delas podem viver tanto na água como fora dela, mas também existem grandes diferenças. Os répteis possuem pele seca e escamosa, depositam seus ovos na terra e respiram pelos pulmões, assim como os humanos. Característica intrigante. Já os anfíbios tem pele lisa, colocam os ovos na água e respiram por brânquias (quando ainda são larvas) e só depois é que usam pulmões (fase adulta). No ranking da escala evolutiva, os répteis estão um patamar acima. Entretanto, ser classificada como réptil ou anfíbio não muda em nada a vida da tartaruga, que sequer tem conhecimento de tal classificação. Isso porque elas podem até sentir a presença do homem, mas não fazem a menor ideia de sua existência, como pensam, o que comem ou qualquer outra coisa do tipo. Literalmente, não sabem nada sobre a raça humana. Se soubessem, ainda assim, não compreenderiam.

Já o contrário, é bem diferente. Dezenas de pesquisadores monitoram esses animais dia e noite. Conhecem seus hábitos alimentares, sua biologia, ciclo de vida, como se reproduzem e muito mais. Existem centenas de tartarugas que agora mesmo, nesse exato momento, estão sendo monitoradas. Esses animais possuem grande capacidade migratória e de forma inteligente aproveitam as várias correntes marítimas para se locomoverem por grandes distâncias. Fazem isso muito bem. São capazes de percorrer quilômetros e quilômetros pela imensidão do oceano só para desovarem em uma praia distante, longe dos predadores. Possuem um senso de orientação tão eficaz quanto qualquer GPS. As tartarugas marinhas, por exemplo, arrastam-se pela praia até um lugar livre das marés. Ali cavam a areia (sessenta centímetro de profundidade por um metro de diâmetro), e enterram seus ovos (cem ou duzentos de uma só vez). Um feito incrível! Depois disso, tapam o buraco, alisam a areia e voltam para o mar. Após quinze dias, fazem tudo de novo, mais ou menos no mesmo lugar. Você sabia que é o sol que se encarrega de incubar os ovos? Pois, é! As tartarugas terrestres, chamadas de jabutis, e as de água doce, os cágados, fazem o mesmo nas margens do rio e pântanos, ou entre as folhagens. Depois de três meses, nascem as tartaruguinhas, bem pequenininhas. Logo que nascem, correm direto para o mar.

Nas áreas de reprodução, as praias de desova são monitoradas por pescadores contratados pelo Tamar. Eles são chamados de tartarugueiros. É realizado patrulhamento ostensivo durante a noite para flagrar as fêmeas, observar seu comportamento durante a desova, registrar dados e coletar material biológico para posterior análise genética. Os pesquisadores também monitoram os ninhos nos próprios locais de postura, ou transferem alguns, encontrados em áreas de risco, para locais mais seguros na mesma praia ou para cercados de incubação, expostos ao sol, em praias próximas às bases de pesquisa. Os pescadores são, ainda, orientados a salvar aquelas que ficam presas nas redes. Verdadeiros anjos. E as tartarugas nem desconfiam.

Nas ilhas oceânicas, como em Fernando de Noronha e Atol das Rocas, é realizado um programa de captura, marcação e recaptura, através do mergulho livre ou autônomo. Tanto nas áreas de desova como de alimentação, os animais encontrados vivos recebem um anel de metal nas nadadeiras dianteiras, para identificação e estudo de seu deslocamento e de hábitos comportamentais, além de dados sobre crescimento e taxa de sobrevivência. As tartarugas nem se dão conta do adereço. Muito menos do sistema de telemetria fixado, em muitos casos, nos seus cascos. Justamente, graças a esse sistema, foi possível resolver um grande mistério que ocorreu recentemente. Toda a população de tartarugas, do nada, desapareceu. Simplesmente, sumiu. Não foram vistas em lugar algum. Nem por pescadores, mergulhadores, banhistas, ninguém. As praias já conhecidas como ponto de desova, ficaram totalmente vazias. Fato que causou espanto.

O mais estranho foi saber que, na verdade, elas não tinham sumido. Estavam apenas paradas, imóveis. Por algum motivo, até então desconhecido, pararam de se locomover. Permaneceram assim: estáticas, em um mesmo local, por meses. Subiam à superfície, apenas para respirar. Logo em seguida, retornavam para dentro d ́água. Como isso era possível? O Tamar sempre estudou o deslocamento das tartarugas por meio do monitoramento por satélite e nunca registrou nada parecido. Só para você ter uma ideia, sabe-se que muitas tartarugas que trafegam pela costa brasileira nasceram ou frequentemente aparecem na costa de outros países, tanto do continente americano quanto do africano, uma comprovação do grande potencial de locomoção desses animais, que como eu disse: são fascinantes. Como, então, de uma hora para outra, eles decidiram hibernar? Tartarugas não hibernam, só animais de sangue quente fazem isso. No máximo, alguns jabutis, que vivem em climas tropicais, quando chega o inverno, cavam o terreno e entram em letargo, uma espécie de sono profundo, que é diferente da hibernação. Sendo assim, o que estaria causando esse comportamento tão peculiar? Técnicos e pesquisadores do mundo inteiro se uniram. Criaram uma força-tarefa a fim de investigar a fundo o problema. Diversos cientistas, de várias nacionalidades, foram chamados: húngaros, franceses, alemães, russos, americanos, israelenses e até brasileiros. Os países não mediram esforços e enviaram seus melhores biólogos, ambientalistas, oceanógrafos e diversos outros especialistas. Até quem não se interessava pelo estilo de vida desses animais ficou preocupado, ou, no mínimo, curioso. Diversas embarcações, grandes e pequenas, partiram rumo ao local onde as tartarugas se concentravam. Todos atrás de respostas. Não demorou para que elas percebessem que não estavam mais sozinhas. Passaram a se incomodar um pouco com a presença daqueles seres estranhos em seu território, acima e abaixo da superfície. Algumas ficaram assustadas. Outras, perplexas. Todas, sem entender o que estava acontecendo.

Contei essa história a um amigo meu hoje cedo. Por videoconferência, lógico! Foi logo depois que ele compartilhou em suas redes sociais uma série de notícias publicadas recentemente: “Pentágono divulga oficialmente vídeos mostrando OVNIs”, “Luzes misteriosas aparecem piscando no céu e intrigam a web (e estudiosos)”, “OVNI gigante e triangular faz terceira aparição em três meses”. Ele me pareceu um tanto paranoico com todo esse lance de quarentena, pandemia etc. Começou a me mandar vários áudios falando sobre extraterrestres, aparição de objetos voadores em várias partes do globo e coisas assim. Daí você vai me perguntar: mas o que toda essa história tem a ver com o assunto? Eu te respondo: querendo ou não, nós é que somos as tartarugas.

🐢


Compartilhe:

segunda-feira, 28 de março de 2022

Podcast Literário "Do Livro Não Me Livro", você já ouviu?




Um dos grandes desafios para nós, escritores iniciantes, é justamente conseguir visibilidade. Eu, particularmente, sei muito bem o que é isso. Sendo assim, quero compartilhar com os leitores da revista Conexão Literatura a minha experiência pessoal com o trabalho da escritora e podcaster Monique Machado, criadora do podcast literário DO LIVRO NÃO ME LIVRO e fundadora do projeto LIVE LITERÁRIA – BATENDO PAPO COM O ESCRITOR.

Para início de conversa, Monique me cativou de imediato por sua imensa simpatia e alto-astral. Explicou sobre o funcionamento do podcast e me convidou a participar. Eu topei na hora. Meu episódio acabou de estrear (dia 23/03) e encontra-se disponível em diversas plataformas, sendo as principais: Spotify e Anchor. Modéstia à parte, adorei o resultado (rsrsrs). Para ouvi-lo na íntegra, segue o link:



Podcast Literário “Do Livro Não Me Livro”


Vale lembrar que o podcast literário DO LIVRO NÃO ME LIVRO é vinculado em diversos países. Dentre eles: Brasil, com 82% dos ouvintes e EUA, 14%. O público é bem diversificado e, atualmente, as mulheres lideram a audiência. A maioria dos ouvintes está na faixa etária dos 35 aos 45 anos. Ao todo, são seis mil ouvintes assíduos (pelo menos, por enquanto) que acompanham os episódios narrados pela própria Monique Machado (com aquele sotaque carioca carregadíssimo que eu amo demais) e publicados diariamente de domingo a domingo, com regularidade de dois a três episódios por dia.

Um detalhe curioso é que não há a participação dos autores nos episódios narrados. Aos escritores compete o preenchimento de um simples questionário, cujo o objetivo é coletar todas as informações necessárias para a construção da narrativa, que fica a cargo de Monique. Contudo, o próprio autor é quem seleciona o trecho de sua preferência para vinculação da obra escolhida. Preferencialmente, aquele que funcione melhor para despertar o interesse do público (não sou um especialista em marketing, mas isso é obviamente muito importante e exige atenção e sensibilidade). Dica: não tenha pressa em escolher uma parte atrativa. Detalhe técnico: de no máximo seis linhas. Os episódios são curtos (de 5 a 10 minutos), então, seja assertivo.

No meu caso, optei por divulgar o meu romance de estreia “Larissa Start”, finalista da quarta edição do Prêmio Kindle de Literatura. Preenchi o questionário e enviei via aplicativo de mensagens (Whatsapp). Tudo muito fácil e sem burocracia, feito com bastante antecedência. Com essas informações, Monique montou uma prévia e me enviou para aprovação. Acertamos a data e voilà, o episódio entrou no ar e logo de cara já vendi um exemplar. O e-mail abaixo não me deixa mentir:


Logicamente que todo esse trabalho tem um custo, mas posso garantir que é super justo e extremamente acessível. Quase “simbólico”, eu diria (sem querer ofender!).

Monique Machado, escritora e podcaster


Claro que além de podcaster, Monique Machado também é escritora. Autora dos livros: “O homem do quarto andar”, “Bandeira branca”, “A mulher da foto” e “O caso de Sara Castro”.

Escritora e podcaster Monique Machado - Podcast "Do Livro Não Me Livro"
 
Por ser escritora, Monique conhece bem as “dores” de seus colegas literários e junto com o podcast DO LIVRO NÃO ME LIVRO, ela ainda toca um projeto de lives no Instagram intitulado LIVE LITERÁRIA – BATENDO PAPO COM O ESCRITOR. Mais de duzentos autores já foram entrevistados por essa carioca que esbanja simpatia e profissionalismo. Em breve, serei um deles. Estou ansioso, confesso! Após esse encontro, volto aqui para contar como foi a experiência. Fiquem ligados!

Para maiores informações:

Instagram:

 🎧


Compartilhe:

terça-feira, 22 de março de 2022

Poesia "Presente, passado e futuro", por Rafael Caputo

 

Meu presente é sofrimento.
É dor, é tormento!
Lascas de um pensamento perdido no tempo.

Meu passado é passado.
Simples ato inacabado.
Resíduos e ecos de um desconhecido perdido no espaço.

Meu futuro é incerto.
Pobre, decerto!
Um longo deserto a ultrapassar.
Um subjugar da sobrevivência.
Um sobreviver de plena sofrência.
Um destino insano
de delírios mundanos
com demônios profanos
a me observar.


Compartilhe:

quinta-feira, 10 de março de 2022

Conto "Marias da Boca Maldita", por Rafael Caputo

“Onde já se viu!”, exclamou inconformado Seu Ari. Também pudera, sendo ali o reduto exclusivo de nobres cavalheiros.

“Quem elas pensam que são?”, completou Seu Bastião, revelando revoltado tamanha indignação.

Um grande burburinho deu-se então. Tudo fora deixado de lado: futebol, política e até religião. O assunto do momento passou a ser as assanhadas raparigas sem noção. Tudo porque começaram a frequentar, todas as noites, o mesmo local daqueles machistas de plantão.

Pronto! Estava armada a confusão.

Uma delas recebeu a alcunha de Maria Vai Com As Outras. As outras, por sua vez, de Maria Gasolina e Maria Batalhão. Esta última porque não podia ver homem de uniforme: policial, bombeiro e até soldado de qualquer que seja o pelotão; já ficava toda derretida, vermelha que nem um pimentão.

Era assim, com esses apelidos, que eles conseguiam distingui-las sem maior preocupação.

Coitada das Marias! Como poderiam imaginar que naquele local de agitação existia, na verdade, uma confraria só de homens da região. Mesmo que soubessem dos chamados “Cavalheiros da Boca Maldita de Curitiba” as Marias sequer pediriam autorização. Afinal de contas, aquela área ao redor de bares, cafés, bancas de jornais e bancos do calçadão era um local público, para estarem ali não precisavam de nenhuma permissão.

Mas aqueles senhores assim não pensavam, donos da Boca todos se achavam.

Tudo isso começara há muitos anos atrás, época em que se reuniam ali para discutir as principais manchetes dos jornais. Ora, é por isso que existe um obelisco em frente ao Hotel Braz. Justamente para homenagear os confrades que ali ficavam: engenheiros, doutores, jornalistas e outros tantos intelectuais. Por isso a afronta daquelas Marias.

Até que elas faziam jus ao nome do lugar, seja dita a verdade. Pois era ali na menor avenida do mundo que se encontravam as maiores línguas da cidade. E que línguas afiadas também tinham as Marias. Não perdoavam ninguém. Fofocavam sem parar desde a hora que chegavam. Davam altas gargalhadas, cantavam alguns rapazes e de vez em quando até choravam. Tudo isso elas faziam sem nenhuma cerimônia, até que os distintos cavalheiros perderam de vez a parcimônia.

Seu Ari, então inconformado, pagou um mendigo para incomodá-las feito chato. Seu Bastião, achando falta de respeito, ordenou ao garçom nem atendê-las mais direito. Mas nada disso adiantou. As Marias acabavam voltando sempre do mesmo jeito. Seu Ari então decidiu:

“Vamos falar com o Prefeito!”

Sendo o Prefeito um homem bem sério, ao saber do assunto, recusou-lhe o pedido. Como poderia de um espaço público expulsar as Marias? Ele mesmo se sentiu ofendido.

Até que de repente, sem mais nem menos, as Marias simplesmente sumiram. Assim como do nada chegaram, do nada partiram. Não deixaram nenhum rastro e sequer vestígios. Pararam, de uma hora para outra, de frequentar aquela Boca.

Uma grande festa deu-se então. Seu Ari bebeu até cair. Seu Bastião chegou até rolar no chão. Todos se esbaldaram na comemoração. Por três dias seguidos houve festa de montão. Até que novamente deram-se a falar da vida alheia. Tudo voltara ao normal na Boca Maldita.

Bem! Quase tudo. A aparente normalidade não durou por muito tempo. Durou até a hora que alguém disse: “Por onde será que andam as Marias no momento?”

Uma enorme curiosidade então se fez presente. O paradeiro das Marias tornou-se um assunto bem frequente. Todas as noites eles se lembravam daquelas meninas sorridentes. Não davam o braço a torcer, mas no fundo estavam morrendo de saudade. Não conseguiam sequer discutir os assuntos da atualidade. Só falavam das Marias, todas elas, a Vai Com As Outras, a Gasolina e a Batalhão. Foram acometidos por uma nostalgia sem maiores precedentes ou sequer comparação.

Como não sabiam o nome delas de verdade, recorreram novamente ao Prefeito, só que desta vez, pedindo urgentemente para encontrá-las na cidade. Sendo o Prefeito, homem sincero, logo foi direto ao assunto e disse “não”, tratando de explicar àqueles cavalheiros: “Nada posso fazer sem saber quem elas são.”

Uma grande tristeza deu-se então. Seu Ari, mais uma vez, bebeu até cair. Prevenido, seu Bastião bebeu sentado já no chão. Todos se abateram inconformados por não terem a solução. Um a um, os senhores foram deixando de frequentar a confraria. Cada um com uma desculpa diferente. Com o passar do tempo, mais silenciosa e sem graça ficava aquela Boca; restando apenas Seu Ari, o único presente.

Nem mesmo da sua grande boca velha ouviu-se algum som. Seus companheiros de agora: apenas um cachorro, o mendigo e o garçom.

“Vou procurá-las pro senhor!”, disse o mendigo andarilho querendo prestar-lhe um favor.

“Vá pra casa senhor, se elas voltarem logo lhe aviso!”, completou o garçom um tanto compadecido.

“Au! Au!”, até o vira-lata latiu intrometido.

Mas Seu Ari, teimoso e carrancudo, não se dava por vencido. Ficou ali sentado esperando elas voltarem, por várias noites a fio.

Eis que de repente, sem maior explicação, não é que as Marias de fato retornaram. É como dizem por aí: quem espera, sempre alcança. Seu Ari pulou feito criança. Ao saber da novidade, Seu Bastião quase enfartou do coração. Foi aquela agitação! Liga pra um, liga pra outro. Eles nem estavam acreditando. De certo acharam que estavam até sonhando.

Todos correram para rever as ilustres Marias. A famosa Boca Maldita então recuperara sua alegria. Estava de volta a tão temida, galhofeira e espirituosa confraria, que não perdoava nada e nem ninguém quando ali se reunia.

A cada instante, novos curiosos chegavam acompanhando os tais senhores. Uma multidão se aglomerou naquela conhecida Rua das Flores. As Marias, percebendo tamanho alvoroço, ficaram meio sem jeito. Também pudera, todos estavam ali: até o mendigo, o garçom e o prefeito. Além de um cachorro que nunca tinham visto cujo rabo abanava de modo perfeito.

Seu Ari, desta vez, não quis cometer o mesmo erro. Logo dirigiu-se às Marias e se apresentou com todo respeito. Com elas se sentou, comeu e bebeu. Tudo estava uma delícia! Descobriu que as Marias na verdade se chamavam Stella, Paula e Patrícia. Outrora casadas, agora viviam um relacionamento sério apenas com o trabalho. Trabalhavam juntas e juntas se reuniam todas as noites para conversar depois do horário. Se davam ao luxo de, assim como eles, fofocar a vida alheia, porém, desprovidas de qualquer que seja o preconceito.

Envergonhado Seu Ari se desculpou: “Perdoe-nos pelo mau jeito.”

O verdadeiro motivo do sumiço das Marias permaneceu um grande mistério. Seu Ari conhecia o segredo, mas não contaria a ninguém. O levaria consigo para o cemitério. Mas isso já não era importante. O que importava era que daquela noite em diante, as Marias ficaram para trás. Afinal de contas, todo Cavalheiro que se preze necessita de uma Dama.

E assim, mudaram inclusive o estatuto da Boca numa extraordinária reunião. Nomeadas como “Damas da Boca Maldita” foram as Marias, para felicidade geral da nação. Que dirá Seu Bastião, que agora todo assanhadinho só vive na farda de Capitão. Ah! Segura essa Maria Batalhão.

O mais tradicional ponto de encontro de Curitiba nunca mais foi o mesmo desde então. Seu Ari não parava mais de rir. Seu Bastião, só falava em aviação. Um bando de assanhados querendo chamar a atenção. Pelo menos, AGORA SIM! Tudo voltara ao normal na Boca Maldita.

Bem! Quase tudo. A aparente normalidade durou por muito tempo não. Durou até a hora que alguém disse: “Quem são aqueles rapazes alegres com roupa de mulher e cara de João?”

Pronto, estava armada a confusão!

🙈🙉🙊


Compartilhe:

Baixe a Revista (Clique Sobre a Capa)

baixar

E-mail: contato@livrodestaque.com.br

>> Para Divulgação Literária: Clique aqui

Curta Nossa Fanpage

Siga Conexão Literatura Nas Redes Sociais:

Posts mais acessados da semana

CONHEÇA A REVISTA PROJETO AUTOESTIMA

CONHEÇA A REVISTA PROJETO AUTOESTIMA
clique sobre a capa

PATROCÍNIO:

CONHEÇA O LIVRO

REVISTA PROJETO AUTOESTIMA

AURASPACE - CRIAÇÃO DE BANNERS - LOGOMARCAS - EDIÇÃO DE VÍDEOS

E-BOOK "O ÚLTIMO HOMEM"

E-BOOK "PASSEIO SOBRENATURAL"

ANTOLOGIAS LITERÁRIAS

DIVULGUE O SEU LIVRO

BAIXE O E-BOOK GRATUITAMENTE

BAIXE O E-BOOK GRATUITAMENTE

APOIO E INCENTIVO À LEITURA

APOIO E INCENTIVO À LEITURA
APOIO E INCENTIVO À LEITURA

INSCREVA-SE NO CANAL

INSCREVA-SE NO CANAL
INSCREVA-SE NO CANAL

Leitores que passaram por aqui

Labels