João Barone, autor e membro da banda Os Paralamas do Sucesso, é destaque da nova edição da Revista Conexão Literatura – Setembro/nº 111

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quarta-feira, 5 de abril de 2017

10 obras literárias existencialistas para ler e refletir

O ser humano se questiona, deveras, sobre muitas e muitas coisas. Sempre foi assim, e sempre será. Pelo menos assim esperamos que seja, pois é esse questionamento que leva a humanidade adiante. E algumas das principais questões hão de ser: qual o sentido disso tudo? Por que nós, por que aqui, por que agora, e para quê? O que podemos fazer para dar algum sentido a essa bagunça toda que chamamos de vida, que muitas vezes parece tão sem sentido? Resumindo de uma forma bem simplificada, sem aprofundarmo-nos muito em nenhuma das correntes teóricas existencialistas, é mais ou menos isso que é tratado nos romances/contos etc desta lista. Claro que estas obras tratam de diversos outros assuntos também, mas há questões existenciais presentes em todas elas, e é isso que vamos ver agora. Então, vamos à lista! Hora de resolver (ou criar) algumas crises existenciais!

Sonho de um homem ridículo – Fiódor Dostoiévski
Inicialmente, a lista ia ser só de romances, mas com um conto como esse (é um conto longo, quase uma novela, mas ainda não pode ser chamado de romance), seria impossível deixar a lista só com romances. A história é narrada do ponto de vista de um homem que achava ser um homem ridículo, e era indiferente a tudo. Até que na noite em que decidira se matar, antes de chegar em casa encontrara uma criança chorando pelo caminho, e ignorara a criança. Mas ao chegar, em vez de se matar, dormiu com a arma na sua frente, e sonhou com um mundo utópico, onde todos eram bons e puros, mas foram corrompidos. Então ele acorda, acreditando na bondade do ser humano, no amor à vida, e encontra um sentido para sua existência, antes tão indiferente e sem razão. Resolve pregar o amor ao próximo, e tentar resgatar aquela humanidade pura que vira em sonho.

Memórias do Subsolo – Fiódor Dostoiévski
Sim, mais Dostoiévski! E por acaso dá pra falar de literatura existencialista sem Dostoiévski? Seu romance, Memórias do Subsolo é por muitos considerado o primeiro romance existencialista da história. Seu protagonista é um homem que se considera um homem doente, mau, desagradável – que na verdade é um homem atormentado por sua consciência. Sendo este o sentido de subsolo na metáfora de Dostoiévski, a consciência humana, um lugar distante, escuro, escondido e muitas vezes não muito puro – e por estar afundado em tal subsolo, o personagem sente-se corrompido por si mesmo. Este é um romance essencialmente psicológico, no qual o narrador condena a hipocrisia e os homens supérfluos, ao mesmo tempo em que revela sua própria consciência como um subsolo, de forma que o personagem se vê tão fechado em si mesmo que mal consegue se encontrar. A narrativa mostra as faces mais sombrias da alma humana – as quais não maioria de nós não consegue admitir para si mesmo. O protagonista, perturbado consigo mesmo e com a realidade ao seu redor, questiona fatos críticos a respeito da existência humana e questiona, até, a própria sanidade. Um livro realmente forte que influenciou diversas gerações, como Freud, Kafka, e inclusive, o existencialismo de Sartre.

Hamlet – William Shakespeare
Ok, a peça inteira não gira exatamente em torno de questões existenciais, mas os monólogos de Hamlet, o famoso do “Ser ou não ser”, no qual que ele diz à Rosencrantz e Guildenstern sobre o motivo de sua melancolia, sobre as glorificações do homem, que apesar de tudo, para ele nada significam, são puramente questões existenciais. E descritas da forma mais bela e lírica possível – apenas por ser a mais famosa obra de Shakespeare, já dá pra entender a importância deste texto. Só o diálogo do “Ser ou não ser” já é um dos maiores questionamentos já escritos, e acho impossível alguém ler isso e não refletir, ao menos um pouco, sobre o fato de existir (ou não existir?).

O Apanhador no Campo de Centeio – D.J. Salinger
Holden Caulfield é um dos maiores questionadores do mundo da literatura, apesar da linguagem do livro ser extremamente informal, diferentemente das outras obras desta lista. Um jovem que não se encaixa neste mundo de jeito nenhum, acha todo mundo falso e superficial, pensa em viver isolado do mundo – Holden é um símbolo do jovem fora de lugar em um mundo vazio, sem sentido, de uma geração perdida, em crise existencial. Assim, ele encontra algum sentido para esse mundo vazio na inocência da infância, ele se alegra em ver sua irmã mais nova, Phoebe, dando voltas em um carrossel, e quer ser o apanhador no campo de centeio, o único adulto que fica à beira do abismo para não deixar as crianças caírem (uma grande metáfora para salvar a inocência das crianças), assim salvando-as de se perderem no superficial e vazio mundo adulto, talvez as transformando em adultos menos vazios.

Clube da Luta – Chuck Palahniuk
Na obra prima de Chuck Palahniuk vemos um personagem que está cansado de seu trabalho, de sua vida, e que não vê sentido em trabalhar em um emprego que não gosta, para comprar coisas inúteis. Enfim, um ciclo inesgotável de dependência ao sistema sem sentido – é uma crítica ao capitalismo, ao consumismo, à falta de liberdade que a sociedade impõe às pessoas, transformando-as em parte do sistema, sem vida própria, tornando-as não elas mesmas, mas seus pertences, seu dinheiro etc. Então o protagonista da história conhece Tyler Durden, personagem que representa os seus anseios de liberdade, e os dois dão início ao clube, onde nada material importa, só a força de cada um e o seu entregue à luta. A força é representada como física, mas penso que pode ser interpretada de diferentes formas. Pessoalmente, vejo como uma metáfora para a força vital de cada ser, uma vontade de poder, como a descrita por Nietzsche. Também pode ser vista como uma vontade de nada, um niilismo, que busca nada além da destruição, ou, até, como uma capacidade de destruição e auto-destruição em protesto às regras impostas de auto-preservação, garantindo o funcionamento do sistema que transforma seres humanos em números, peças, robôs, etc.

Assim Falou Zaratustra – Nietzsche
“É preciso muito caos interior para parir uma estrela que dança.” – Essa é uma das diversas passagens altamente existenciais encontradas neste livro de Nietzsche, onde Zaratustra, personagem que é uma representação antropomórfica das ideias de Nietzsche, anuncia o super homem, o homem acima da moral. É mais reconhecido como um livro de filosofia do que de literatura, mas o valor literário desta obra é inegável; é o livro mais poético e literário de Nietzsche, e que joga a mente do leitor em divagações que revolucionaram a filosofia mundial. Ler Nietzsche é sempre um exercício mental, ler Zaratustra é uma contemplação (bem mais que contemplação, um questionamento na verdade) da filosofia. Dos aspectos mais abordados por Nietzsche, nesse caso, a moral e o homem acima da moral – e nesta obra vemos a filosofia organizada de forma lírica e em prosa, onde um personagem anda pelo mundo anunciando os ideais defendidos por Nietzsche. Para os fãs de literatura que se interessam por filosofia, é o melhor jeito de ler filosofia.

Demian – Hermann Hesse
Esse romance de Hesse, que pode ser considerado um romance de formação, por tratar da história de vida do protagonista, Sinclair. Desde a infância, até certo ponto de sua vida adulta, tem milhares de passagens existencialistas. Seu romance é praticamente um romance filosófico – e escrito de forma completamente lírica, em muitas passagens soa como um poema em prosa. O romance conta a jornada do jovem Sinclair, que no início da história se encontra em problemas, até que conhece Demian, que o guia para uma nova visão de mundo. A obra tem uma força narrativa e filosófica capaz de fazer o leitor refletir sobre a própria existência, tais como as seguintes:
“A ave sai do ovo. O ovo é o mundo. Quem quiser nascer tem que
destruir um mundo.”
“A vida de todo ser humano é um caminho em direção a si mesmo,
a tentativa de um caminho, o seguir de um simples rastro. Homem
algum chegou a ser completamente ele mesmo; mas todos aspiram a sê-lo, obscuramente alguns, outros mais claramente, cada qual como pode.”

O Lobo da Estepe – Hermann Hesse
Hesse de novo na lista, mas o que fazer, se seus livros são tão focados na questão da existência? O protagonista de Lobo da Estepe, Harry Haller, que se auto-denomina o Lobo da Estepe, por seus hábitos solitários, poderia ser praticamente comparado a um Holden Caufield adulto. É um homem solitário, que vivia uma vida calma, confortável, mas sem sentido, sem o que esperar do futuro, que já considerara o suicídio inclusive; era um outsider (excluído), sentia não pertencer à sociedade. Até que ele um dia encontra um lugar chamado Teatro Mágico – só para loucos, é o que anuncia a entrada de um lugar onde os personagens parecem sair da realidade. O protagonista conhece uma mulher que lhe faz um pedido um pouco incomum (e um pouquinho mórbido), e depois desses acontecimentos, a vida do Lobo da Estepe parece ganhar sentido novo, pelo menos por algum tempo. O livro é narrado por três pontos de vistas diferentes, o de próprio protagonista, o do filho da dona da pensão onde ele esteve e há também o Tratado Lobo da Estepe, uma espécie de mini-livro sobre o Lobo da Estepe, que o protagonista lê. Resumindo, O Lobo da Estepe é uma obra essencialmente existencial, que acrescenta muito à vida de quem a lê.

O Estrangeiro – Albert Camus
O personagem mais indiferente da literatura, Meursault não demonstra sentir absolutamente nada quando é informado da morte de sua mãe, depois fica amigo de um vizinho que arranja problemas com uns árabes, e acaba matando um árabe. Meursault é ateu, e, quando condenado à morte, lhe oferecem que se confesse para não ir para o inferno, mas ele não muda sua conduta. O mundo para ele é indiferente, assim como ele mesmo, e a única forma de encontrar sentido, em sua visão, é criar um (Existencialismo detectado? Apesar disso, Camus nega que este seja um romance existencialista.), e assim ele o faz, diz que fora feliz, e era mais uma vez feliz ao contemplar o fato do universo ser indiferente, assim como ele. Diz também esperar que sua execução seja assistida e recebida com gritos de ódio. Meursault é realmente um estrangeiro, não no sentido geográfico, mas no sentido existencial, ele não se encaixa na sociedade, não age como todos devem agir, não se importa de ser condenado à morte, não se importa em matar, tudo para ele tanto faz. Portanto, ele é condenado à morte, não apenas pelo assassinato, mas pelo seu “crime” social, por não ter demonstrado sentir nada no enterro de sua mãe, isso que foi utilizado no julgamento que o condenou. Ele foi considerado menos humano por não sentir o que se deve sentir em determinadas circunstâncias.

Homem no Escuro – Paul Auster
Este é um romance muito interessante, principalmente por tratar de dois temas: primeiro, o que mais salta aos olhos do leitor é a meta-ficção presente nesta obra. O livro conta a história de um escritor aposentado, que para se esquecer de seus problemas, passa as noites imaginando uma história, mas só imaginando, pois ele nem sequer chega a escrever a história. Resumidamente, a história que ele imagina é sobre um personagem que tem o dever de matar o escritor que está imaginando tudo (o próprio narrador) para salvar o mundo do caos em que se encontra. Ok, realmente é interessante, mas o que tem de existencial nisso? O modo como a realidade é mostrada nesse livro quase nos faz questionar a nossa própria realidade, a nossa própria existência, pois os personagens imaginados pelo escritor vivem, e sofrem e têm identidade própria, uma existência tão completa quanto à do escritor, que claro que também é um personagem de Auster. Além disso, o escritor aposentado arruma um sentido para sua vida, que é uma vida bem complicada: sua mulher morreu, sua filha é divorciada e meio solitária, e o ex-namorado de sua neta foi assassinado. Mas mesmo com tantos dilemas, o escritor segue em frente, e encontra um sentido para tudo isso.

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