ENTREVISTA:
Conexão Literatura: Poderia contar para os nossos leitores como foi o seu início no meio literário?
Daniela Terehoff Merino: Desde pequena, eu repetia aos quatro ventos: “Quero ser escritora”. Amava as aulas de português, sentia um grande prazer fazendo redações para esta matéria e depois, em casa, escrevia sobre a minha vida em diários ou criava poemas com rimas em pequenos cadernos. Também era uma alegria imensa inventar histórias com bichinhos de pelúcia e bonecos ou ler “Harry Potter” em voz alta para a minha irmã mais nova, hoje a professora de desenho e ilustradora Cláudia. Insisto em comentar tudo isso, pois foi ali, no encanto por ler (muito incentivada por meus pais), escrever e criar histórias com bonecos, que começou a minha vida no meio literário. Se entrei na faculdade de Letras em 2008, foi justamente porque amava criar histórias e escrevê-las. No que diz respeito a parar de empilhar textos em gavetas e ter coragem de expor o que escrevia para o mundo, isso teve relação direta com o teatro. Começou em 2011, quando tive a oportunidade de contribuir com os meus amigos Romário Oliveira e Dida Genofre, cedendo a eles a dramaturgia “Conto de amor e morte” — inspirada em improvisos dos seus alunos — para ser encenada no fim do ano durante a mostra teatral de Ribeirão Píres. A partir de então fui convidada por mais de uma vez para escrever peças dirigidas por Emerson Ribeiro, Valeria Jouze e Vanessa Bartcus e durante esta trajetória também fui muito incentivada e aconselhada por Barbara Zampol, Isabella Veiga, Luana Alves, Robson Scobar e William Costa Lima. Graças ao auxilio de amigos como eles pude entender a importância das pessoas que dão a você aquele empurrãozinho de que precisa para seguir e crescer na área que ama. Com relação à literatura propriamente dita, demorei bem mais para entender quais eram os melhores caminhos a serem seguidos. Passei os últimos dez anos apenas participando vez por outra de concursos literários, pois enxergava neles uma oportunidade de escrever com algum objetivo. Meu pai via isso e dizia: “Se você quer ser escritora, precisa escrever sempre: não só quando aparece um concurso”. Infelizmente eu não sabia por onde começar para encontrar e praticar esse “sempre” e só fui entendê-lo melhor em 2018. Foi quando percebi que era possível brincar de fazer como o meu escritor favorito, Anton Tchekhov. Li naquele ano que ele dizia basicamente algo como “Deem-me um tema para um conto (ex: cachimbo) e amanhã vocês terão um conto intitulado ‘O cachimbo’.”. Comecei a fazer isso em 2018. Também fiz um curso de bioescritas com Ana Paula Ferraz em 2019 e a partir de então peguei o hábito de escrever todos os dias. E em 2020, descobri que existia a possibilidade de publicar contos, crônicas e poemas em diversas antologias literárias. Se não fossem esses pontos, eu jamais teria escrito “O sabiá carnívoro”.
Conexão Literatura: Você é autora do livro "O sabiá carnívoro”. Poderia comentar?
Daniela Terehoff Merino: O livro “O sabiá carnívoro” surgiu como uma pequena brincadeira que cresceu tanto, mas tanto, que acabou ganhando vida. Bem na época em que eu comecei a escrever todos os dias, especificamente em 2018, eu pedia que as pessoas contribuíssem comigo sugerindo temas sobre os quais eu pudesse escrever algo. Foi quando o meu cunhado Rennan Lopes sugeriu justamente o tema que dá título a esta obra. A princípio fiquei impactada, pois sozinha eu nunca teria pensado em nada parecido. Mas logo veio a imagem de um homem comum tentando derrotar um pássaro gigante que desejava devorá-lo e eu comecei a escrever acerca disso. Passei uma hora escrevendo sobre quem era este homem amargurado, suas motivações e a busca por derrotar o pássaro imenso. A seguir, li o pequeno texto para a minha irmã e o meu cunhado e eles gostaram tanto que eu percebi: “Aqui há algo de bom a ser trabalhado!”. Passei a mexer no texto com vigor e, para a minha surpresa, o texto foi se tornando uma espécie de um grande conto de fadas infanto-juvenil — gênero que inclui entre suas características principais o aprendizado do herói ou heroína, o seu ritual de iniciação. Também foi necessário começar a pensar: “O que, exatamente, eu quero dizer?”. Isso é fundamental! “Saiba o que você quer com a sua história”, conforme aprendi com a escritora Laura Arcas da Rabiscus. Com o tempo, fui entendendo que eu queria falar das pequenas coisas a que não damos importância e que se tornam grandes demais para suportarmos. Por que não as paramos quando ainda temos a chance? Por fim, quanto mais eu mexia no texto, mais e mais questões surgiam; e mais eu precisava buscar respostas. Uma questão importante, por exemplo, é que eu havia imaginado desde o início uma história de caráter medieval, com príncipes, princesas, castelos, espadas, etc. No entanto, o nome de meu texto era precisamente “O sabiá carnívoro”, e não “O fradinho” ou “O melro” carnívoro. Ou seja, estávamos falando de uma ave brasileira e não europeia. Uma ave imortalizada em poemas e canções do nosso país, um símbolo para nós. E como extrair disto algo positivo? Ou seja, como dar sentido a tudo o que eu já havia escrito e me aproveitar do fato de o sabiá ser uma ave tão nossa? Isso fez com que eu pensasse sobre o movimento de decolonialidade e sobre o seguinte ponto: o pobre animal foi parar do outro lado do mundo, em reinos fictícios desconhecidos, para se tornar algo que não era parte do destino normal de um sabiá. Um sabiá nasce para cantar, para ser livre, para ser “aquele que reza muito” e dá sorte e benção às crianças que o ouvem durante as madrugadas. Ainda assim, tiraram-no da sua terra onde tem palmeiras e fizeram dele o que bem entendiam até ele virar um monstro. No que será que isso poderia dar?
Conexão Literatura: Como é o seu processo de criação? Quais são as suas inspirações?
Daniela Terehoff Merino: Minhas maiores inspirações vêm, sem dúvida, da literatura russa — sobretudo de Anton Tchekhov e Liev Tolstói. Não poderia ser muito diferente, já que na faculdade eu cursei russo e fiquei encantada com estes dois autores. Também tenho como grandes inspirações os contos de fadas, sobretudo os de Andersen, que eu amo desde pequena; os contos de Oscar Wilde e a literatura fantástica e de fantasia, que gerou livros pelos quais sou apaixonada, como “As crônicas de Nárnia”, “A história sem fim”, “Momo e o senhor do tempo”, “Harry Potter” e “O senhor dos anéis”. Nutro ainda grande apreço por Clarice Lispector e Marina Colasanti (minhas brasileiras favoritas) e pelo livro “O pequeno príncipe”, que é uma grande referência para mim. Sobre o meu processo de criação, costumo escrever algo todos os dias de manhã ou à noite. Sento e penso: “O que vi, li ou ouvi que me inspirou ontem e hoje?”, e vou pondo sobre o papel. Quando percebo que algo pode ser interessante, passo o texto para o computador e trabalho nele. O meu conto “O louco dos relógios”, publicado na edição 74 da “Conexão literatura”, por exemplo, foi fruto desse processo. Outro procedimento muito usado por mim: pego imagens ou objetos que me inspiram e escrevo algo sobre o que estou vendo, como no caso do meu microconto “Os três bules”, postado no instagram no ano passado e dos diversos poemas, contos, crônicas e microcontos criados a partir dos desenhos inspiradores feitos por minha irmã Cláudia.
Conexão Literatura: Poderia comentar sobre o trabalho de ilustração elaborado por Cláudia Andréia Terehoff Merino?
Daniela Terehoff Merino: O trabalho dela foi absolutamente fundamental para o livro. Tanto que eu fiz questão de pedir para a editora que a ilustradora aparecesse como coautora (se vocês entrarem no site da editora Dialética verão o nome dela como autora ao lado do meu). De fato, ela foi exatamente essa pessoa: uma parceira de criação. Dei-lhe o texto ainda em processo (com começo, meio e fim, mas ainda bem “verde”) e ela não apenas leu todo o texto, como deu sugestões e fez diversos rascunhos dos desenhos a mão, pensando em cada personagem. Com o tempo, ela foi refazendo cada um deles até encontrar a melhor técnica possível; fez cursos de ilustração (na época, ela já trabalhava como professora de desenho na EMARP, mas ainda assim buscou se aprimorar para encontrar a melhor forma de fazer os desenhos), foi atrás de referências de capa e de como os desenhos representariam melhor o texto, e acabou escolhendo fazê-los em preto e branco por achar que um tom sombrio estava mais de acordo com a história — no que, creio, ela acertou. Foi a ilustradora também quem optou por fazer um desenho por início de cada capítulo. Diante de toda a nossa trajetória em conjunto, hoje eu digo e repito que o livro é impensável sem as ilustrações elaboradas por ela. Primeiramente porque seus desenhos agregam muito para o leitor: são belos, melancólicos, suaves, sombrios e capazes de iluminar a leitura e situar muito bem o tom, o tempo, as personagens e o espaço. Desde o desenho da capa, o leitor já consegue começar a imaginar de que se trata o texto. Também há um ponto muito importante: a ilustradora foi no cerne, no detalhe; ela foi naquilo que poderia ter passado despercebido em uma leitura desatenta, mas que era ponto crucial da história e nem eu mesma havia me atentado. E, claro, o ponto mais importante e que eu não posso deixar de comentar: as ilustrações dela me iluminaram a tal ponto que eu cheguei a mexer na história por conta delas. Por exemplo, havia no conto a princesa chamada por todos de feia. Quando eu vi o desenho, percebi que ela não era nada feia: era apenas diferente. E isso mudou tudo! Entendi que Olina apenas se achava feia por aquilo que ouvia dos outros, mas ela era bonita. Na minha opinião, a partir daqueles desenhos, até mais bonita do que as duas irmãs.
Conexão Literatura: Poderia destacar um trecho do seu livro especialmente para os nossos leitores?
Daniela Terehoff Merino: “ — Você é macho ou fêmea, hein?
Dizendo isso, a princesa pôs-se a olhar a ave mais de perto, abaixando-se e entortando o pescoço como que na tentativa de obter uma resposta para esta questão que se apresentava subitamente. ‘Se bem que...’ pôs-se a pensar em seguida ‘...bom, se isso não vai fazer nenhuma diferença, então... Ou será que vai? Quer dizer, se for macho, estará condenado a galantear as fêmeas, fazer-lhes a corte, etc. Enquanto que se for fêmea, estará condenada a... Ah, quanta bobagem você pensa, Pariã! Esse pássaro está engaiolado e talvez nunca venha a saber o que é um par ou um amigo. Sua única condenação é a existência...’.”
Conexão Literatura: Como o leitor interessado deverá proceder para adquirir o livro e saber um pouco mais sobre você e sobre a ilustradora Andréia Terehoff Merino?
Daniela Terehoff Merino: Para adquirir o livro, basta comprá-lo pelo site da Dialética ou conosco, entrando em contato pelas redes @daniterehoff e @caucauilustra. Em breve o livro estará na Amazon, no Extra, no Submarino, entre outras lojas. Para saber mais sobre nós, estamos sempre divulgando nossos trabalhos nas redes. Também publicamos em conjunto na Conexão Literatura (tem um texto nosso nesta mesma edição, aliás) e a cada duas semanas postamos no site masticadoresbrasil. Basta digitar nossos nomes na busca para nos achar. Por fim, é possível acessar o meu lattes ou entrar no Goodreads, digitar meu nome e ir em “My books” para ver os livros em que tenho participações.
Conexão Literatura: Quais dicas daria para os autores em início de carreira?
Daniela Terehoff Merino: Primeiramente, tenham metas literárias. Pequenas ou grandes, mas não deixem de tê-las. Pode ser algo como “Participar da antologia x”, ou “escrever um poema para o insta por semana”, ou qualquer outra. As metas nos ajudam a vermos resultados em prazos determinados. Neste sentido, indico frequentarem o site que mudou a minha vida literária no início de 2021 (indicação da amiga e escritora Priscila Monteiro): https://selecoesliterarias.com.br/ Aqui, o escritor encontrará milhares de editais disponíveis, separados de forma bem organizada por mês e por temas. Foi onde eu descobri várias editoras como a Editorial Independente, A arte da palavra, Ao vento editorial, Delicatta, Pé de Jambo, Tenhalivros... E escritores que organizam coletâneas, como Gabriela Resende. Todos estes estão constantemente recebendo textos para antologias e, como já ouvi certa vez, a participação em antologias é o “barzinho” do escritor. Outra dica é: não se preocupem com o que os outros vão dizer, é impossível agradar a todos. Apenas escrevam.
Conexão Literatura: Existem novos projetos em pauta?
Daniela Terehoff Merino: E como! Estamos planejando um livro de contos natalinos ilustrados para o fim deste ano. Fora este, temos em mente os “365 microcontos – um para cada dia do ano”, e a finalização de “A melodia do inverno quente” e de outros infanto-juvenis. Também pretendo inaugurar meu blog ainda este ano e terminar a tradução direta do russo de “Para a América com os dukhobors” e de “O caminho do ator”.
Perguntas rápidas:
Um livro: “Longe como o meu querer”, de Marina Colasanti.
Um ator ou atriz: Will Smith.
Um filme: “Sociedade dos poetas mortos”
Um hobby: Jogos como Magic, Carcassone, Dixit, SummonerWars, Coup...
Um dia especial: Quando vi “A invenção de Hugo Cabret” no cinema com meu marido.
Conexão Literatura: Deseja encerrar com mais algum comentário?
Daniela Terehoff Merino: Durante o evento “Conaler” realizado online em 2020, assisti a uma entrevista com um escritor que eu li muito na juventude: Pedro Bandeira. Ali, ele falou de modo muito emotivo sobre o quanto um escritor ama o seu leitor e a humanidade. Falou sobre a importância de darmos esperança a quem nos lê, de mostrarmos que um personagem pode errar e cair, mas seguir em frente. Acredito muito nisso: na literatura como uma missão, um modo de inspirar, de mostrar que errar é humano, de dar esperança, de se conectar com o outro e mostrar que o mundo é incrível: basta saber para onde olhar.