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sexta-feira, 26 de março de 2021

Os trabalhadores do mar, de Victor Hugo


O herói romântico impávido e abnegado, lutando contra o destino e a natureza selvagem em uma empreitada impossível. Esse é o tema de Os trabalhadores do mar, de Victor Hugo.

O livro conta a história, fictícia, de um dos primeiros navios a vapor da Inglaterra, um prodígio de tecnologia que espanta a muitos, apavora a outros, e traz a riqueza para seu dono. Esse navio é vítima de um naufrágio, mas o motor, sua parte mais valiosa, resiste, intacto, junto com que sobrou do navio, no alto de duas torres na costa pedregosa.

O dono do navio oferece a mão da sobrinha para quem fosse capaz de resgatar tal engenho.

É quando um rapaz, pária na vila, e apaixonado pela sobrinha do armador, se dedica ao desafio. Sozinho e quase sem recursos além da própria habilidade e obstinação, ele se encaminha ao local, mas para retirar o motor de dentro do navio, terá de enfrentar todo tipo de obstáculo, incluindo tempestades pavorosas, fome e sede. Como se vê, o título, “Trabalhadores do mar”, é mais do que equivocado, uma vez que é um livro de um herói só – e praticamente um só personagem.

A narrativa de Victor Hugo é arrastada (o gancho que puxa a história, o naufrágio do navio, acontece praticamente na metade do livro), mas o livro até aí se sustenta pelo texto envolvente de Hugo pela tradução de Machado de Assis. Um gênio traduzindo outro gênio.

A narrativa, especialmente da cena da tempestade, é grandiosa, dramática. O senso comum hoje associa romantismo a histórias água com açúcar, de final feliz. Mas o romantismo original é trágico, intenso. Quem já viu o quadro A barca da Medusa, de Gericault, certamente se lembrará do quadro ao ler esse capítulo. 

Algo que espanta ao leitor moderno é perceber que Victor Hugo foi um dos primeiros, senão o primeiro, a retratar um psicopata em sua obra. E com uma precisão impressionante. Alguns trechos: “Odiava a virtude com um ódio de mal-casado. Teve sempre uma premeditação malvada; desde que se fizera homem trazia aquela armadura rígida, a aparência. Era monstro internamente; vivia em uma pele de homem de bem com coração de bandido (...) Passar-se por homem honrado é duro! Manter constante equilíbrio, pensar mal e falar bem, que labutação! (...) Arrancar a máscara, que livramento!”.

Espanta mais ainda que o livro tenha sido escrito em 1866, quando ainda nem existia a psicologia e quase 100 anos antes das primeiras pesquisas sobre psicopatas. Nesse sentido, o livro lembra a fala de Edgar Morin sobre como a literatura conseguiu adentrar na alma humana muito mais que a ciência.

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