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terça-feira, 18 de abril de 2023

Ensaio crítico sobre Antonio Candido é lançado pela Cepe

 


Considerado um dos maiores críticos literários do século XX, o sociólogo e professor universitário Antonio Candido (1918-2017) e sua prolífica obra são objetos de estudo da professora da Universidade Federal Fluminense Anita Martins Rodrigues de Moraes. Ela  assina o título Contornos humanos: primitivos, rústicos e civilizados em Antonio Candido, da Cepe Editora. O livro de 208 páginas reúne mais de uma década de pesquisa. O lançamento acontece dia 19 de abril, às 17h, na Livraria Blooks de Niterói, no Rio de Janeiro. 


O objetivo da obra é analisar a teoria em que Candido defende a literatura como ferramenta de humanização do indivíduo. Para isso ela analisa cuidadosamente ensaios e livros do crítico. "Trata-se de atentar para os tipos humanos — o 'primitivo', o 'rústico', o 'civilizado' — que, em seus trabalhos, surgem associados a certas funções que a literatura poderia (ou deveria) desempenhar", escreve Anita, explicando como se desenvolve este ensaio. "Discuto os pressupostos antropológicos etapistas de Antonio Candido e trato de sua concepção de obra literária", escreve a professora de teoria da literatura. Em outra parte do livro, Anita investiga o diálogo de estudiosos das literaturas africana e de língua portuguesa com Candido, além de abordar como contraponto, os trabalhos de Luiz Costa Lima e a prosa do angolano Ruy Duarte de Carvalho (1941-2010). Neste último, ela explora a crítica ao chamado "paradigma humanista". 


Seria absurdo pensar que houvesse etapas a percorrer para o indivíduo se tornar mais ou menos humano. Não se trata disso. "Se a literatura humaniza as pessoas, o quão humanas eram as pessoas antes de terem contato com a literatura? Como também parece absurda a tese que a obra literária humanizava uma pessoa não humana, a descrição mais correta do que está em jogo quando falamos do poder de humanização parece ser outra: a ação pedagógica da literatura trabalharia com uma espécie de continuum da humanização, que iria de um humano mais primitivo e elementar a um humano mais sofisticado e civilizado", escreve o prefaciador Alfredo Cesar Melo, professor de teoria literária da Unicamp.


Civilização essa que Candido associa a um distanciamento da natureza e dos povos originários - indígenas e africanos -, e aproximação com a industrialização e, portanto, com o ocidentalismo e o nacionalismo como instrumentos para defesa de uma sociedade igualitária, onde pobreza e primitivismo andariam de mãos dadas. Hoje em dia se sabe, no entanto, que o senso comum não enxerga igualdade social na civilização ocidental pós-industrializada. "Mesmo reconhecendo a barbárie na modernidade, é apenas nela que encontra civilização também; fora dela, Candido vê somente barbárie e primitivismo — isto é, a servidão do homem diante da natureza e das necessidades básicas do corpo", critica a pesquisadora, que começou a estudar Antonio Candido sistematicamente em 2008, quando fez pós-doutorado na USP. Desde então a pesquisa sobre sua obra foi crescendo e resultou no livro Para além das palavras: Representação e realidade em Antonio Candido (Editora Unesp,2015), em que ela analisa o modo como o crítico teorizou o problema da representação da realidade.


Essa humanização estaria mais para, como escreve Anita, "superação de um estado de confusão: a literatura humaniza porque organiza, porque apresenta uma 'proposta de sentido'. É então que noto ambivalência: por um lado, a condição trágica de homem absorvido por forças da natureza, submetido por elas, leva ao desejo de sua integração ao mundo civilizado, à cultura urbana, como forma de emancipação, de lhe proporcionar desenvolvimento mais pleno de suas potencialidades humanas (ou espirituais); por outro, essa mesma cultura urbana, em permanente contato com 'influxo de civilização' estrangeiro, pode descambar em produções incaracterísticas e em artificialismo, para o que a estabilidade interiorana, alcançada em bases indígenas, serviria como contrapeso", analisa. 


Porém não deveria ser a humanização pela literatura o pivô de discordâncias, e sim a ausência de discussões sobre a tradição progressista no Brasil, da qual Candido fez parte, como chama atenção Alfredo Cesar. "O ruído gerado por esse debate advém de um ambiente pouco propenso à discussão teórica e de seus pressupostos, além de parca reflexão sobre a tradição progressista no Brasil". Até porque o nacionalismo de Candido sempre foi alvo de críticas ferrenhas. A proposta aqui é "analisar as bases do humanismo literário ocidentalizante de Antonio Candido."


Anita enxerga que, para Antonio Candido, tanto a literatura como o humano se fazem por transfiguração, transcendência e superação. "Temos homens mais próximos da condição natural ou animal (os chamados 'primitivos' e 'rústicos') e aqueles que dela se distanciaram (os 'civilizados'). Nessa produção paulatina do humano, a literatura — 'primitiva', 'rústica', 'civilizada' — parece desempenhar funções importantes, sendo que ela própria seria inicialmente rudimentar e colada à concretude, tornando-se gradativamente mais elaborada e livre. Da oralidade à escrita, do folclórico ao erudito, a literatura parece paulatinamente alçar a um nível superior, tornando-se capaz de transcender a realidade concreta e imediata".


Ler Antonio Candido continua a ser essencial para a formação do pensamento literário. "É como se, com o conjunto de textos reunidos nestas páginas, Anita Martins Rodrigues de Moraes nos mostrasse não exatamente que é preciso continuar a ler Antonio Candido, mas que de certa forma ainda estamos começando a lê-lo. E assim o livro acaba sendo também a exposição de uma ética da leitura, que volta a ser uma aventura do pensamento associada ao risco e uma prática pela qual ainda é possível sentir entusiasmo", escreve na orelha do livro o professor de teoria literária da USP Marcos Natali. 



Serviço:


Lançamento do livro Contornos humanos: primitivos, rústicos e civilizados em Antonio Candido (Cepe Editora)


Onde: Livraria Blooks de Niterói


Quando: 19 de abril


Horário: 17h às 20h


Preço: R$ 45 (livro impresso); R$ 18 (E-book)


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quinta-feira, 3 de setembro de 2020

Vida e obra de Gilberto Freyre se confundem com história do Brasil

O Brasil de Gilberto Freyre: uma introdução à leitura de sua obra, de Mario Helio, ganha nova edição em comemoração aos 120 anos do sociólogo. Lançamento ocorre dentro da programação do Circuito Cultural de Pernambuco, em um bate-papo virtual entre o autor e o professor e escritor Anco Márcio Tenório Vieira, dia 10 de setembro, às 19h30
Aclamado como um dos mais importantes sociólogos do século XX, o também antropólogo, ensaísta, jornalista e poeta pernambucano Gilberto Freyre se dedicou a explicar a complexidade da formação do Brasil e da identidade do País a partir de estudos da miscigenação, desde a colonização. Conservador e tradicionalista, foi favorável ao golpe militar de 1964 e pagou com o ostracismo de mais de duas décadas por esse apoio. Somente após a redemocratização voltou a ser descoberto por suas teorias e metodologias inovadoras, ousadas e controversas, expressas em títulos famosos como Casa Grande & senzala (1933), Sobrados e Mucambos (1936), entre tantos outros. Defensor da formação mestiça do povo brasileiro, procurou mostrar o grande erro do pensamento elitista e arianista de que a mistura de raças seria a causa do subdesenvolvimento dos trópicos. Vida e obra de Gilberto Freyre se confundem com a história da formação do Brasil.  
Em comemoração aos 120 anos de Gilberto Freyre, a Cepe reedita o livro O Brasil de Gilberto Freyre: uma introdução à leitura de sua obra, do jornalista, escritor, poeta, historiador e antropólogo Mario Helio. Com a tarefa de oferecer uma visão ampla mas nada superficial de Freyre e de sua bibliografia para o conhecimento da história brasileira, o livro será lançado dentro da programação do Circuito Cultural de Pernambuco, dia 10 de setembro, às 19h30, em uma live com participação do autor e do professor e escritor Anco Márcio Tenório Vieira.
Com ilustrações do artista José Cláudio, a edição da Cepe é revisada e publicada 20 anos após a primeira, que saiu pela Comunigraf em 2000, ano do centenário do nascimento de Freyre. A primeira edição foi originada de um longo ensaio publicado no Jornal da Tarde, de São Paulo. "O jornalista Antônio Portella me sugeriu a expandir em livro aquela apresentação jornalística de Freyre. Aceitei a proposta e escrevi O Brasil de Gilberto Freyre, com o propósito modesto de que servisse de uma introdução à leitura de sua obra, uma espécie de Gilberto Freyre para iniciantes, não para iniciados. O caminho escolhido para pôr em linhas a narrativa foi a máxima clareza possível, num tom quase didático, tentando percorrer os labirintos de um dos mais ricos e complexos personagens da cultura brasileira", revela Mario Helio. "A reedição é uma uma introdução feliz para o pensamento de Gilberto Freyre, em suas complexidades, controvérsias, antevisões. Mais do que uma antevisão da obra do sociólogo pernambucano, é uma apresentação qualificada, feita por um profundo estudioso da obra freyriana", define o editor da Cepe, Diogo Guedes.  
A história do Brasil contada por Gilberto Freyre, como nos diz Mario Helio, nunca termina no relato dos acontecimentos apenas. Continua nas correlações que estabelece entre sociologia e biologia, psicologia e ecologia para compreender os fatos. Tanto é que Freyre analisa pioneiramente a gastronomia e a moda para explicar o comportamento social. É uma narrativa mais orgânica, que vasculha a intimidade para revelar a complexidade. "De um ponto de vista extremamente sintético e redutor, pode-se dizer que o Brasil como visto e recriado por Gilberto Freyre é uma invenção mais da religião que da raça. Mais da família que do indivíduo. O brasileiro, por sua vez, é chamado por Freyre de homem situado. Situado nos trópicos, onde espaço e tempo se confundem; clima e raça definem o idioma. "É uma escrita que fala, e não somente um desfile de fatos", define o autor. 
 Em vez de colocar na conta da formação mestiça da população brasileira o motivo das mazelas do País - ideia propagada pela elite do começo do século XX -, Freyre mostrou,  em Casa-grande & senzala, que o atraso vinha do sistema econômico e social, como revelam as palavras de Mario Helio: "da monocultura da cana-de-açúcar, da alimentação deficiente, da falta de higiene etc." A mestiçagem brasileira é para Gilberto Freyre um bem para a humanidade. O sociólogo nos oferece um Brasil tão humano que, "por vezes, chega a carregar nas tintas para mostrar uma fraternidade de convivência entre as classes maior do que provavelmente terá sido. Quando assim ocorre, o como deveria ser interfere no como realmente foi. O poeta vence o historiador". Vence, por exemplo, quando busca ver o que chama de "lado benigno" da escravidão, destacando "a relação de quase compadrio entre senhor e escravo no país", diz Mário Helio em trecho do livro.
Se há críticas aos métodos científicos de Freyre - muitas vezes acusado de se apoiar nas "testemunhas oculares" dos viajantes estrangeiros -, por outro lado o autor pernambucano é elogiado pela ousadia de experimentar novas metodologias e, assim, conseguir uma das interpretações mais originais e próximas do Brasil autêntico. "E numa capacidade de abrir-se à discussão, que foi bem destacada por Sérgio Buarque de Holanda, em Tentativas de mitologia: 'Uma das virtudes de Gilberto Freyre, e que contribui para singular importância de seus ensaios, está em que convida insistentemente ao debate e provoca, não raro, divergências fecundas'." 
Sua narrativa também é única e merece destaque, pois é considerada uma das melhores prosas da língua portuguesa. Foi também tido como "o mais brasileiro dos escritores" por nomes como Darcy Ribeiro e João Cabral de Melo Neto. "Escrevia como num aparente improviso. Esta é uma das razões de o seu estilo ser inimitável. (...) Não é difícil perceber que o seu modo de escrever não é exemplar, ou seja, não serve como modelo a ser seguido, pois a alguém dotado de menos talento se revelaria um desastre compor frases tão longas, cheias de orações interpoladas, tantas locuções adverbiais, tantos adjetivos, tantas repetições. E quase nenhuma conclusão", descreve Mario Helio.  
Formado nos Estados Unidos em Artes Liberais, com especialização em Ciências Políticas e Sociais, Gilberto Freyre fez o mestrado em Ciências Políticas, Jurídicas e Sociais também em solo norte-americano, país que chamava de Outra América. Sua dissertação de mestrado intitulou-se Social Life in Brazil in the Middle of the 19th Century (Vida social no Brasil nos meados do século XIX). "Gilberto Freyre descobriu o Brasil nos Estados Unidos", diz Mario Helio. Foi lá na Outra América que Freyre teve aula com o antropólogo Franz Boas, com quem aprendeu a distinguir raça e cultura,  "ideia fundamental para as futuras considerações sobre as relações entre as pessoas no Brasil".
Em breve a Cepe publicará outro livro, desta vez inédito, sobre a história íntima de Gilberto Freyre, também assinado por Mario Helio. 
Serviço:
Lançamento do livro O Brasil de Gilberto Freyre: uma introdução à leitura de sua obra (Cepe Editora), de Mario Helio
Quando: 10 de setembro
Horário: 19h30 
Onde: Canal virtual do Circuito Cultural de Pernambuco (www.circuitoculturaldepernambuco.com.br) , com participação de Mario Helio e Anco Márcio Tenório 
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quinta-feira, 30 de julho de 2020

Livro-reportagem: o fato revelado através da literatura


A Cepe, que possui diversos títulos do segmento em seu catálogo, convida alguns autores a refletir sobre o gênero literário e sobre o jornalismo 

A narrativa parte de um fato real, como a notícia contada em um jornal. Mas não se limita a responder apenas onde, quando, como e por que tal acontecimento ocorreu. O estilo do livro-reportagem segue a linguagem do jornalismo literário: não finda em seu desfecho; revela todas as suas ramificações; entra em outros contextos e aguça reflexões que tornam a obra atemporal. A Cepe tem em seu catálogo diversos livros-reportagem. Conversamos com os autores de três deles: a jornalista, socióloga e professora da UFPE, Fabiana Moraes, autora de Os Sertões; o jornalista Luiz Felipe Campos, autor de O massacre da granja São Bento; e o jornalista Homero Fonseca, autor de Tapacurá, para entrarmos no processo de construção do livro-reportagem e de sua relevância ao longo do tempo.

Para o jornalista e escritor Luiz Felipe Campos, a força do livro-reportagem vem de sua característica de narrativa não-ficcional. "O leitor pensa no livro-reportagem como uma modalidade mais prazerosa de não-ficção, de leitura mais ágil, quando comparado com livros de história, antropologia, sociologia e outras humanidades. O interesse em livros-reportagem é inerente a uma sociedade que, em maior ou menor grau, deseja complexificar e se aprofundar no exame da realidade. E a recíproca é verdadeira: a "vida real" é a matéria-prima do jornalismo, e por isso jornalistas e escritores vão continuar produzindo literatura de não-ficção", prevê Luiz Felipe. 

Infelizmente, parece que o leitor brasileiro não pensa da mesma forma que os de outros países, como os Estados Unidos, onde o jornalismo literário se popularizou desde os anos 1960 e 1970. "Aqui no Brasil a demanda por livros desse tipo é menor do que em outros países, como nos Estados Unidos, onde nasceu a tradição do new journalism nos anos 60, com Norman Mailer, Gay Talese, Lilian Ross, Tom Wolfe e outros", conta Luiz Felipe. É importante lembrar, como nos diz Fabiana, que o jornalismo "também é uma forma de literatura; também é um espaço de criação. Em muitos países, como nos Estados Unidos, os jornalistas são entendidos como escritores. Aqui no Brasil há uma separação, que tem a ver com hierarquia na qual o jornalista está em um posto mais baixo", lamenta. 

Mas não foram os norte-americanos os criadores do livro-reportagem, como bem lembra Homero Fonseca, ao citar, por exemplo, o clássico Os sertões (1902), de Euclides da Cunha. "É uma obra literária, sociológica, geográfica, histórica, mas também é uma grande e excepcional reportagem. As chamadas 'crônicas' de João do Rio são estupendas reportagens. A grande reportagem impressa autonomamente ainda hoje é atraente, enquanto o livro e sua mística sobreviverem", defende Homero. 

PROCESSO DE ESCRITA

Ao contrário do que muitos propagam, não basta uma reportagem ser longa para que esteja apta a virar um livro, seja ele físico ou em formato e-book. E ainda há que se levar em conta a linguagem que é própria dos livros, independentemente de serem baseados em reportagens. "Mesmo com a internet, os suportes livro físico e e-book são espaços próprios. Independente de ser ou não uma grande reportagem, o que importa é o tipo de linguagem, que pode se encaixar em um suporte mais efêmero", explica Fabiana. Segundo ela, a linguagem de um livro, ao contrário, clama pela atemporalidade. "Nem toda reportagem pode virar um livro porque dizem muito sobre determinado momento, e isso obviamente a torna um produto mais datado. E não falo que isso seja negativo, mas é próprio de como o assunto foi abordado", explica Fabiana Moraes. 

Autora de grandes reportagens premiadas e de outros dois livros-reportagem, Nabuco em pretos e brancos (2012) e O nascimento de Joicy: Transexualidade, jornalismo e os limites entre repórter e personagem (2015), Fabiana exemplifica o que disse acima citando a reportagem 80 anos de Casa Grande e Senzala, publicada em 2013 no Jornal do Commercio, sobre denúncias de exploração sexual de mulheres e crianças em situação de rua, inclusive por parte de policiais. "A reportagem tem um caráter desse tempo específico, que é a característica da exoneração de um secretário (o então secretário de Segurança Pública Wilson Damázio foi exonerado por causa do que declarou em entrevista gravada à repórter, relacionando homossexuais à ideia de "desvio de conduta", e generalizando o gosto de mulheres por homens fardados). Isso num livro fica um tanto perdido. Claro, eu posso adaptar, recortar alguns elementos, dar outra roupagem para que ela fique mais própria para um livro, e é justamente esses elementos que são marcadores mais temporais, específicos do jornalismo, que não ganham tanto suporte como livro", explica.

Para que uma obra literária não fique datada, é preciso, portanto, pensar na forma como a narrativa será construída. "Grandes reportagens falam sobre fatos pontuais mas repercutem até hoje pela forma como foram abordadas. Se você pensar num clássico do jornalismo como Hiroshima (John Hersey, 1946),  existe um fato, e até hoje esse livro é um clássico pela questão como foi abordado. Você tem também O fim do homem soviético (2015), de Svetlana Aleksiévitch, e é a mesma coisa. Ela está falando sobre algo pontual mas que se propaga porque tem a ver como a abordagem e o tipo de jornalismo. É o tipo de construção histórica que se dá ao redor dos fatos jornalísticos", defende Fabiana.

"Temos muitos exemplos de reportagens contextualizadas e que fazem correlações inteligentes com dados históricos, econômicos, culturais, escritas numa linguagem rica, que permanecem. Para só ficar entre nós e citando os bons nesse campo, lembro Joel Silveira, Audálio Alves, Geneton Moraes Neto, Ricardo Noblat, Ricardo Leitão, Nagib Jorge Neto e tantos outros", acrescenta Homero.

SENSACIONALISMO X HUMANISMO

Humanizar um texto sem criar sensacionalismo, juízo de valor e propagar preconceitos, ajudando na formação do pensamento crítico do leitor são - ou deveriam ser - funções tanto do escritor de um livro-reportagem quanto do jornalista que escreve uma notícia. "Muita gente escreve com emoção e usa adjetivos e não tem nada a ver com sensacionalismo. Depende da forma como a emoção e os adjetivos e os pensamentos são colocados na construção do texto. A emoção é uma forma de informação; o adjetivo fala a respeito das coisas, das pessoas, permite construir cenas, personagens, impressões. Sensacionalismo tem a ver com a ordem ética", explica Fabiana.  Para ela, "o que falta a muitas mídias tradicionais que se acredita em crise, portanto, não é mudar a plataforma, mas repensar o tipo de jornalismo praticado. "O jornalista não pode contribuir para uma sociedade menos marcada por desigualdades não somente materiais, mas de ordem simbólica", analisa Fabiana. 

A ética também é, para Luiz Felipe, o que deixa o sensacionalismo bem longe do texto. O escritor tem a grande responsabilidade de fazer justiça à complexidade das pessoas tornadas personagens, e de suas histórias particulares. Já a escolha dos adjetivos deve ser um processo técnico que envolve a compreensão de que os sinônimos são muito menos comuns do que a gente pensa (Rubem Fonseca dizia que não existem sinônimos) e que, portanto, deve existir uma palavra exata para aquilo que você quer exprimir", ensina Luiz Felipe. Para ele  um dos melhores livros-reportagem de todos os tempos é Eichmann em Jerusalém (1963), da filósofa alemã Hannah Arendt (1906-1975). "Talvez muita gente não o considere um livro-reportagem, mas o caso é que Hannah Arendt foi enviada pela revista New Yorker para cobrir o julgamento de Adolf Eichmann. E honrou com essa que é a alma do livro-reportagem – ela complexificou. Enquanto todos esperavam um carrasco sádico, o homem sentado no banco dos réus se revelou um burocrata medíocre incapaz de pensar sobre as consequência de suas ações dentro da engrenagem maior do Holocausto. Hannah Arendt mostrou que não é preciso ser um 'monstro' para cometer atos monstruosos. Pelo contrário, cometer atos monstruosos é próprio da humanidade", explica.

"Creio que os bons repórteres, redatores e editores (e os leitores também) sabem perfeitamente distinguir um jornalismo que vá além da fria objetividade, mas se mantenha sempre fiel aos fatos, sem a apelação comercial que caracteriza o jornalismo marrom (como se dizia e o grande Millôr Fernandes associou à cor do cocô)", sugere Homero.

OS LIVROS

Os Sertões (Cepe, 2010), de Fabiana Moraes, é um livro-reportagem originado da matéria especial e vencedora do Prêmio Esso, publicada no Jornal do Commercio pelos 100 anos do jornalista e escritor Euclides da Cunha, autor da famosa obra homônima. Fabiana traz sertanejos contemporâneos, diferentes dos personagens estereotipados como originários daquela região árida. "Tanto Os Sertões quanto Nabuco em pretos e brancos surgiram de reportagens já escritas. Não foram pensados inicialmente para serem livros; se tornaram a partir do momento em que as reportagens se espraiaram para além delas mesmas. Em Os Sertões eu voltei às cidades, fui entrevistar as pessoas novamente, algumas não consegui, outras tinham morrido, como o beato. Foi quase um ano depois. Talvez tenha sido o livro que ficou com a linguagem mais jornalística, talvez por ter sido o primeiro. Mas não acho isso um defeito não. Há muito mais marcador jornalístico e está mais preso à linguagem de reportagem", analisa Fabiana, que está construindo seu primeiro livro-reportagem a partir de uma grande pesquisa de fôlego.  


O massacre da Granja São Bento alia pesquisa documental a jornalismo literário para contar as histórias dos seis militantes da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) e da emboscada para a qual foram atraídos no Nordeste brasileiro. Luiz Felipe conta que escreveu sobre o massacre da granja São Bento no formato de um romance policial/ espionagem. "Foi quase uma imposição da história. Desde quando fiquei conhecendo o caso, no final da faculdade de jornalismo, eu soube que, se fosse mesmo contar aquela história, esse seria o formato", recorda. Como o crime aconteceu em 1973 e o livro só foi publicado em 2017, muito material sobre o caso já existia, porém impregnado de sensacionalismo, como conta o autor. "Por exemplo, existe um (programa) Linha Direta, da Rede Globo, sobre esse caso. Soledad Barret é interpretada por Fernanda Paes Leme, numa espécie de femme fatale da revolução", revela Luiz Felipe. "Na época do crime, em 1973, a coisa toda foi noticiada de uma forma muito repulsiva pela imprensa sob censura. Mas dava para ver que aquela era uma grande história, no sentido de ser uma tragédia que a própria ficção dificilmente conceberia. Todas as pessoas envolvidas eram fascinantes". O livro foi resultado de pesquisa em cima de assuntos que conciliavam interesses do autor: literatura, crimes cometidos pela ditadura militar, e a necessidade de concluir o curso de jornalismo. "Meu TCC foi uma série de reportagens sobre o caso. Depois, nos anos seguintes, com mais tempo, fui fazendo mais entrevistas, acumulando pesquisa... Entrevistei amigos e familiares de todas as vítimas. Desde gente que tinha convivido com aquelas seis pessoas, até gente que conhecia só de vista", detalha. Em tempos de fascismo e de volta a práticas de repressão contra o pensamento livre e de deturpação dos fatos, o livro de Luiz Felipe é testemunha de que a história se repete. 

Já Tapacurá: viagem ao planeta dos boatos (2011), nos faz refletir sobre os efeitos devastadores das fake news. Nesse período de pandemia pela Covid-19, ainda há quem acredite que o vírus sequer existe. No entanto, em 1975, quando uma grande cheia acometeu o Recife, muita gente entrou em pânico ao acreditar piamente nos rumores de que a barragem de Tapacurá havia estourado e iria invadir a cidade. "Naquela época, eu trabalhava na sucursal do Estadão, na Boa Vista. Era uma segunda-feira e estávamos em reunião de pauta para tratar do rescaldo da grande enchente que tinha inundado boa parte do Recife, na sexta e no sábado, com consequências muito danosas. De repente, ouvimos uma gritaria. Fomos pra rua e parecia um estouro de boiada: gente correndo desembestada. Uma senhora, com os olhos esbugalhados, nos informou: 'Tapacurá estourou e o rolo d'água já vem no Derby'. Pânico geral na cidade por cerca de uma hora. Fiquei encarregado do texto. No dia seguinte, achei que o jornal não dera o destaque merecido para um fato raro como aquele, Afinal o Nordeste é longe... Era época da ditadura e o governo anunciou logo que o boato fora um plano terrorista. Aquilo não convencia ninguém. Comecei a cascavilhar para escrever um artigo esclarecendo como aquilo tudo aconteceu. Entrevistei um monte de gente que vivenciou o pânico, psiquiatras, delegados; fucei documentos do Exército e do Governo Estadual; pedi a amigos e amigas que moravam no exterior pra me mandarem livros, artigos e material acadêmico e jornalístico sobre eventos semelhantes e psicologia social (não havia ainda a internet). Ao juntar tudo e começar a escrever, vi que o material daria pra uns 100 artigos. E tive que fazer pesquisas históricas para contextualizar as cheias do Recife, um trauma recorrente, cujo conhecimento era fundamental para entender os fatos", relata Homero Fonseca. O livro foi publicado pela primeira vez em 1996, pela Editora Record. Em 2011, quando já estávamos todos conectados ás redes sociais, houve o que Homero chamou de remake de Tapacurá. "Só que com dimensão menor, embora muitas instituições e comércios tenham fechado as portas, e o trânsito, enlouquecido, como há mais de 35 anos", conta. Foi quando a Cepe convidou o autor a publicar uma nova edição acrescida de um novo capítulo.  

Os livros estão à venda na loja virtual da Cepe: https://www.cepe.com.br/lojacepe/

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Literatura e ciência na contramão do obscurantismo


Suplemento Pernambuco, editado pela Cepe, e o Instituto Serrapilheira, lançam o projeto Botão Vermelho, que publicará, no jornal literário, contos de seis autores inspirados em pesquisas científicas

Em um mundo que está dando largos passos para trás ao negar o conhecimento científico e depredar a cultura, surge um projeto que alia justamente esses dois campos tão atacados atualmente. Botão Vermelho nasce de uma parceria entre o Suplemento Pernambuco, editado pela Cepe, e o Instituto Serrapilheira. Lançada em 2017 com sede no Rio de Janeiro, trata-se de uma instituição privada, sem fins lucrativos, criada para valorizar a pesquisa e divulgar o  conhecimento científico nas áreas de ciências naturais, ciências da computação e matemática. Diante também da proposta de construir uma cultura de ciência no país que atravesse o âmbito acadêmico, o instituto firmou parceria com o jornal literário da Cepe com a proposta de que seis escritores criem seis contos de ficção baseados em pesquisas científicas apoiadas pelo instituto. Os contos serão publicados mensalmente no suplemento literário da Cepe assim que ele voltar a circular em versão impressa - suspensa devido à pandemia -, o que está previsto para setembro. 

"Trazemos a união das duas áreas mais atacadas pelos governantes neste momento. E a militância pela cultura é uma marca do Suplemento Pernambuco. Além disso, ter uma parceria com o Serrapilheira é muito importante", declara o editor do jornal literário da Cepe, Schneider Carpeggiani. 

"Parte da nossa missão é fomentar uma cultura científica no Brasil, ou seja, que a ciência esteja presente no debate público não só como notícia e comunicação de resultados, mas também como um elemento da imaginação e do repertório cultural da sociedade", afirma Natasha Felizi, diretora de Divulgação Científica do Serrapilheira. "A ideia é, junto ao Suplemento Pernambuco, aproximar escritores - que, por definição, trabalham com imaginação e cultura - da produção científica de qualidade que temos no país", complementa Natasha.

Botão Vermelho dá ideia de urgência, de algo que está para acontecer, como explica a curadoria do projeto e pesquisadora Carol Almeida, que selecionou os nomes dos autores - Socorro Acioli, Fábio Kabral, Ana Rüsche, Itamar Vieira Júnior, Antônio Xerxenesky e Eliana Alves Cruz -, e as pesquisas científicas que eles podem utilizar como pano de fundo para suas narrativas ficcionais.  "Esse projeto é um exercício de fabulação que ressalta a importância da ciência. Procuro nas pesquisas científicas faíscas poéticas que sirvam de pano de fundo para a construção de uma ficção e as sugiro aos autores.Há aqueles mais ligados em ficção científica, outros flertam com o realismo mágico, uns ainda adicionam dados históricos", exemplifica Carol. 
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sábado, 25 de abril de 2020

Ilustração retrata realidade com pitadas de ficção e vice-versa

Hana Luzia - Foto divulgação
Cepe Editora tem recorrido à técnica em suas publicações mensais e literárias para expressar conceitos densos e abstratos

Dizia o filósofo chinês Confúcio: "uma imagem vale mais do que mil palavras". Nem sempre. Às vezes a imagem funciona como um complemento das palavras, um respiro dentro do texto jornalístico ou literário, algo que comunica mais rapidamente, somente para se ter ideia do que o texto nos irá apresentar. É um preview, um trailer. Quantas pessoas não julgam o livro pela capa? Seja uma fotografia ou uma ilustração, o recurso gráfico é o primeiro a atrair o olhar. Não nos enganemos. Julgamos, sim, pela aparência. Mas enquanto a fotografia é recurso mais utilizado para mostrar a vida como ela é, a ilustração materializa em desenhos realidades mais subjetivas, menos palpáveis. Nas publicações da Companhia Editora de Pernambuco (Cepe) é comum o uso de ilustrações, não apenas nos livros infantis, mas também nas capas das obras literárias, e nas duas publicações mensais, a Revista Continente e o jornal literário Suplemento Pernambuco.  

Este último é basicamente ilustrado, como nos explica a coordenadora de arte Hana Luzia: "O Suplemento Pernambuco, por ser um veículo que trata majoritariamente sobre literatura, necessita de uma abordagem mais poética, focada em ilustrar os conceitos das obras. As fotografias são mais utilizadas quando o foco da matéria é sobre o autor ou autora, ou nas capas dos livros nas resenhas. Portanto, para não haver desgaste imagético a partir do uso de retratos de rostos, sempre optamos por usar mais ilustrações que fotografias", explica.  

Apesar de utilizar menos a ilustração, a Revista Continente tem feito uso do recurso com mais frequência nos últimos anos.  "As ilustrações exploram realidades que as fotografias não alcançariam. É também uma releitura do texto, sob os olhos de quem está ilustrando. É um recurso que valoriza a publicação, em tempos de constantes crises no mercado editorial", opina o designer da Revista Continente, Jânio Santos. O superintendente de produção editorial, Luiz Arrais, explica que a maior densidade dos textos tem colocado a revista nesse caminho. Assim como as capas dos livros da editora. Mas também não descarta como justificativa para o boom da ilustração um movimento de retorno ao uso dos traços, como nos tempos em que não havia fotografia. "Enquanto há sites que disponibilizam fotos gratuitamente, o custo de encomendar ilustrações é alto e tem um caráter de exclusividade, o que agrega valor ao produto editorial", pontua Arrais. 

Mesma opinião tem a designer Hallina Beltrão. Ela acredita em uma predominância da ilustração em relação à fotografia não somente dentro dos periódicos literários, mas como a volta de uma tendência. "Na literatura, uma área que tem temas predominantemente abstratos, é muito mais fácil recorrer a uma ilustração, onde 'tudo é possível' e os recursos são ilimitados. Mas vejo esse movimento de retorno também em outras áreas como a música e o cinema. Muitas capas de livros, de discos e cartazes de filmes estão fazendo esse caminho de volta às ilustrações e isso é maravilhoso", comemora a designer. 

Já a também designer Karina Freitas concorda que há atualmente um aquecimento do mercado de ilustração. "Mas não de uma linguagem em detrimento da outra", esclarece. Karina está fazendo as ilustrações da série Viagem ao país do futuro, projeto de parceria entre a Cepe e o jornal português O Público, que consiste em 12 reportagens sobre o Brasil visto através da literatura. A autoria das matérias é da jornalista portuguesa Isabel Lucas. Ao final, as matérias serão transformadas em livro. "É um projeto desafiador", resume a designer, que alia fotografias e ilustrações, em um processo de colagem digital. Karina também usou a mesma técnica para criar as capas dos livros da série Ficcionais, que narra o processo criativo de autores, bem como suas referências, inspirações e toda a mudança emocional e física que a escrita proporciona. "Mexeu muito comigo, foi quando comecei a me questionar como ilustradora. A técnica me permitiu falar do real sem ser literal. Era uma maneira de também fazer ficção, com uso de imagens que existem muito na esfera do impossível, do impensável", explica Karina. Para ela, a colagem pode ser lida de várias formas, disposta em várias camadas, brincando com o espaço/tempo.  

ILUSTRANDO

Como expressar em imagens um ensaio de uma psicanalista sobre cartas de suicidas? A matéria de capa da Revista Continente de setembro 2018 trazia o título Ponto Final, com o belo traço da artista visual Clara Moreira. "Optamos por ilustrar toda a matéria, não só a capa, simplesmente porque o tema não possibilitava uso de outra coisa que não fosse ilustração. Então nem chegamos a avaliar se usaríamos fotos ou ilustrações", recorda Jânio.

Outra capa e conteúdo da Revista Continente, a de março, sobre o uso de smartphones, foi ilustrada por Hallina Beltrão. "O recurso da ilustração traz desenhos pensados para o próprio texto, dando mais destaque ao produto que iremos ofertar. Daí, ao definirmos pela ilustração, contactamos a ilustradora e conversamos sobre nossas ideias e objetivos, como um briefing (importante acrescentar também como se dá a seleção de ilustradores, já que são infindáveis estilos de desenhos). Neste caso, definimos por Hallina pois é uma ilustradora que tem um estilo que achamos ser o mais adequado para o que a matéria pedia",explica Jânio. 

Hallina diz não saber se existe uma definição para o estilo dos seus desenhos. "Mas os meus trabalhos têm muito da minha personalidade e muito da minha intuição também. As cores saturadas, a alegria e os traços mais femininos, que são detalhes bem marcados do meu estilo, sempre saíram naturalmente. Acho que é uma coisa que sempre tive", declara a designer, que ilustrou também a capa do livro Condenados à Vida, de Raimundo Carrero, seu trabalho mais desafiador para a Cepe. "Por ser um livro que reunia quatro livros da obra do autor, precisei pensar bastante em como poderia representar aqueles quatro títulos em uma só imagem".

Também leva a assinatura de Hallina a capa do infantil lançado recentemente, A domadora de palíndromos, de Fred Bellintani. O processo criativo dos desenhos começa com algumas leituras do texto do livro. "Geralmente leio entre duas e três vezes a história para começar a imaginar os personagens, cenários, cores. Para esse livro específico, também procurei inspiração vendo cartazes antigos de circo, filmes e tentando resgatar minhas memórias pessoais sobre a vida circense, que é um tema que sempre me encantou, desde criança", reflete. 

A leitura do texto que se vai ilustrar, claro, é primordial para o trabalho. "Muito difícil trabalhar com literatura sem querer ou gostar de ler. Muitas vezes a ideia sai de uma frase, uma palavra e até uma entonação do autor. Não podemos também ser literais, principalmente em temas mais abstratos como emoções. Como somos uma publicação mensal, temos tempo para ler, discutir, pesquisar referências, ou seja, trabalhar o texto visualmente, muitas vezes através de figuras de linguagens visuais (retórica visual)", explica Hana. Segundo ela, não há um estilo definido para as ilustrações do Suplemento Pernambuco. E é melhor que não haja, para não incorrer em repetição. "Sendo o Pernambuco um grande espaço livre para expressão gráfica, trabalhamos com uma equipe diversa (tanto na equipe fixa quanto nos colaboradores externos), de estilos e técnicas diferentes. Já tivemos ilustrações com bordado, pintura digital, colagem manual e digital, códigos aleatórios em javascript, entre outros", enumera Hana.

PRÊMIO

Ano passado, o Pernambuco recebeu três prêmios Brasil Design Awards, maior e mais importante premiação do design nacional. O jornal literário foi premiado na categoria Design Editorial com três capas. Uma delas, Vidas Secas, de setembro de 2018, assinada por Hana com colaboração de Maria Júlia Monteiro, lembrou os 80 anos do livro homônimo de Graciliano Ramos, conectando ao tempo atual, quando o Brasil voltou ao mapa da fome. "Para esta edição a ideia principal foi trazer a memória da (cadela) Baleia, personagem marcante da obra, assim como uma homenagem e releitura do sol de Aldemir Martins (primeira edição de 1938) que é um marco na memória visual da obra. A cor vermelha, principal cor da edição, é uma metáfora ao calor e à violência, mas desta vez a violência da pobreza. As linhas brancas que delineiam o título da capa, assim como as variações de sol e as rachaduras (internas), representam a claridade, reforçando, por meio do contraste, uma incandescência. Também é uma alusão à caatinga e terra avermelhada descrita por Graciliano por 'um vermelho indeciso salpicado de manchas brancas que eram ossadas'. As cabeças de Baleia e Graciliano também remontam às carcaças de animais que costumam figurar em paisagem de seca", detalha Hana. 
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quarta-feira, 22 de abril de 2020

Cepe Editora lança coletânea que reúne obra do pernambucano Augusto Rodrigues


O pernambucano Augusto Rodrigues (1913- 1993) foi um homem múltiplo e intenso. Educador, pintor, caricaturista, desenhista, ilustrador, gravador, fotógrafo, jornalista e poeta, legou ao Brasil um acervo único em todas as linguagens artísticas em que transitou. Foi o mais importante caricaturista brasileiro da 2ª Guerra Mundial e teve Adolf Hitler como principal alvo de seus traços no combate à tirania. Liderou um movimento nacional que permitiu a inclusão da Arte no ensino público em proposta baseada na liberdade. Criou, e ajudou a fundar, mais de uma centena de Escolinhas de Arte no Brasil e na América Latina, tendo sua preocupação com a educação para além dos quadros-negros reconhecida mundialmente. Incentivador da cultura popular, revelou para o país expoentes como o Mestre Vitalino de Caruaru. Suas muitas contribuições e significativa obra são agora apresentadas em coletânea  lançada pela Cepe Editora na próxima sexta-feira (24).

Com projeto, pesquisa e organização do jornalista, desenhista e fotógrafo Antônio Carlos Rodrigues, filho de Augusto Rodrigues, a coletânea reúne em quatro livros (capa dura e papel couché) as ideias, ideais, história de vida e acervo do multiartista nos campos da caricatura/charge, educação, fotografia e pintura. Um trabalho iniciado há mais de duas décadas por Antônio e que também se revelou uma jornada pessoal significativa. “Revisitar de forma tão intensa a sua obra foi uma das experiências fundamentais de minha vida. Redescobri meu pai, que no final ressurgiu como uma pessoa ainda mais genial do que considerava antes. Continua sendo um mistério como ele encontrou tempo para realizar uma obra tão ampla, numerosa e significativa”, assegura.

Recifense, Augusto cresceu em uma família (os Rodrigues) de jornalistas, escritores e artistas. Aos 13 anos de idade, com o primo Nelson (que se tornaria o mais importante dramaturgo brasileiro), dava os primeiros passos no jornalismo com o ácido tabloide Alma Infantil. Aos 16 anos, com Hélio Feijó, Percy Lau e Nestor Silva, criou o Grupo dos Independentes, célula que mais tarde daria origem ao I Salão de Arte Moderna de Pernambuco. Aos 20 anos, começou a trabalhar como caricaturista no Diario de Pernambuco, revelando nos desenhos sua predileção à crítica aos poderosos. Aos 21, ao lado de  Guignard e Portinari participou de exposição da Associação dos Artistas Brasileiros, no Rio de Janeiro (então capital do Brasil), para onde se mudaria em definitivo no ano seguinte (1935).

Suas charges e caricaturas estamparam as páginas dos principais veículos da imprensa brasileira, como a revista O Cruzeiro, O Estado de São Paulo e os Diários Associados de Assis Chateaubriand, tornado-se o primeiro caricaturista a sair em rede nacional de jornais. Acreditava ser a caricatura um “instrumento direto para atingir fins políticos e humanos, ajudando a preservar a dignidade do homem e a liberdade da arte”. Também teve participação efetiva na fundação de outros veículos, como a Revista Diretrizes (que tinha entre seus colaboradores Graciliano Ramos, Érico Veríssimo, Jorge Amado, José Lins do Rego e Manuel Bandeira) e o Última Hora, de Samuel Wainer, que o considerava o melhor chargista da história da imprensa brasileira.

No prefácio do livro Augusto Rodrigues, Caricaturista (245 páginas, mais de 150 imagens entre fotos, registros jornalísticos e desenhos produzidos entre 1931 e 1993), o jornalista José Hamilton Ribeiro destaca que o trabalho de Augusto permitiu ao brasileiro compreender os desdobramentos da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), o maior conflito armado da história.  “O primeiro lance genial de Augusto foi ver que a Humanidade dependia, naquele momento, do que iria acontecer com um homem que, por ventura, era quase uma caricatura viva: Adolf Hitler. E pegou no pé dessa figura, com talento e humor, até vê-la desaparecer da guerra — mas não da História.[...] E o lance de fazer de Hitler seu personagem-símbolo revela o quão bom jornalista ele era: seguindo o Fuehrer, a pessoa acabava triando o mais importante da guerra.”

Assim como no desenho (são clássicas as caricaturas de ícones da cultura e da política nacional), sua pintura tinha fascínio pela figura humana, sobretudo, a feminina. Ao recifense, o mineiro Carlos Drummond de Andrade dedicou o poema Pintor de Mulheres (Este pintor/sabe o corpo feminino e seus possíveis/de linha e de volume reinventados./Sabe a melodia do corpo em variações entrecruzadas./Lê o código do corpo, de A ao infinito/dos signos e das curvas que dão vontade de morrer/de santo orgasmo e de beleza). E são as mulheres que essencialmente se apresentam em intensidade e lirismo no livro Augusto Rodrigues, Artista (181 páginas, 187 imagens entre fotos, singelos bilhetes como os de Cora Coralina, Drummond, Fernanda Montenegro e reproduções de trabalhos em diversas técnicas).

O livro revela ainda sua grande preocupação com os rumos da arte no Brasil. Em iniciativas coletivas (ao lado de nomes como Cícero Dias, Di Cavalcanti, Segall, Portinari, Francisco Brennand e Lula Cardoso Ayres) ou individuais esteve presente em todos os movimentos plásticos (populares ou de vanguarda) que abriram novos fronts culturais no país. Começou a se interessar por arte popular logo após participar do I Congresso Afro-Brasileiro (1934), passando a ser uma das mais ativas vozes de defesa. Em 1942, levou o grupo Pás Douradas, do Recife, para se apresentar no Museu de Belas Artes (RJ) em uma de suas exposições. Em 1947, organizou a Exposição de Cerâmica Popular Pernambucana, na Biblioteca Castro Alves do Instituto Nacional do Livro (RJ), impactando a elite intelectual com a arte de Vitalino de Caruaru.

Educação - Para Augusto Rodrigues, que como jornalista acompanhou os horrores provocados pelas guerras, a educação era o único caminho possível  para a cultura de paz. Acreditava que apenas assegurando às crianças ambientes de liberdade, diálogo e estímulo criativo é que se poderia conquistar bases para sociedades estruturalmente solidárias. Convicção espelhada em sua própria experiência de vida:  Augusto Rodrigues foi expulso de todas as escolas que passou (escolas tristes e sombrias, como dizia) por não concordar com a prática educacional. “Na escola primária, pude observar que tentavam nos ensinar tudo aquilo que não estávamos interessados em aprender e retirar de nós o direito inalienável de nos exprimirmos livremente, impedindo o desenvolvimento de nossa criatividade, coisa fundamental para a nossa sobrevivência”, destacou certa vez em entrevista.

A semente desta transformação foi plantada em 1948, ano de fundação da primeira Escolinha de Arte do Brasil, que funcionava em um pequeno espaço na Biblioteca Castro Alves (RJ). O que começou com alguns papéis e pincéis e empenho de  Augusto Rodrigues, da artista americana Margaret Spencer e da professora Lúcia Alencastro Valentim, logo se transformou em um movimento nacional apoiado por artistas, intelectuais e educadores.

A experiência exitosa das Escolinhas de Artes, que estimulou intercâmbios entre países, formação de professores e reconhecimento internacional, é contada no livro Augusto Rodrigues, Educador (109 páginas, 63 imagens entre fotos, reportagens e trabalhos de alunos)através de entrevistas concedidas pelo próprio Augusto, reportagens, depoimentos e textos assinados por nomes como Anísio Teixeira (jurista, escritor e um dos mais importantes nomes da educação no Brasil), Aníbal Machado (professor e ensaísta), Artur da Távola (escritor e jornalista), Rubem Braga (escritor e jornalista) e Noêmia Varela, que ao lado de Augusto Rodrigues, Paulo Freire, Francisco Brennand, Aloísio Magalhães, Hermilo Borba Filho e Lula Cardoso Ayres criou a Escolinha de Arte do Recife, em 1953.

Fotógrafo - Entre maio de 1968 e outubro de 1969, a escritora Clarice Lispector manteve a seção Diálogos Possíveis, na Revista Manchete, espaço para entrevistas com nomes importantes da cultura nacional. Entre as 42 selecionadas que foram reunidas no livro Entrevistas (Rocco, 2007), estava a de Augusto Rodrigues. Sobre ele Clarice escreveu: “Era uma vez um homem bom, muito inteligente, cheio de talento para desenho e fotografia, e cheio de amor ao próximo. Este homem se chama Augusto Rodrigues e mora num dos lugares mais bonitos do Brasil, o Largo do Boticário, entre árvores e pássaros e borboletas.”

O livro Augusto Rodrigues, Fotógrafo (149 páginas e 125 imagens) aborda muito dessa relação do artista com o Largo do Boticário - recanto histórico e natural localizado no bairro do Cosme Velho, no Rio de Janeiro, para onde ele se mudou nos anos 1950.

Morador da casa de número 1, que tinha jardins de Burle Marx, Augusto Rodrigues foi um aguerrido defensor do reduto secular, que escapou de ser totalmente destruído nos anos 1960 exclusivamente pela resistência de seus moradores. As fotos são uma narrativa do cotidiano acolhedor do espaço, com seus casarões, Mata Atlântica, personagens anônimos e as mulheres, que nunca deixaram de preencher o universo criador do artista. “Augusto Rodrigues vivenciou tudo com um pincel numa mão e uma máquina fotográfica na outra. Suas fotografias têm importância por vários motivos. Primeiro, porque retratam, com a sensibilidade de um grande artista, um dos momentos áureos da vida carioca, quando com vigor reinaram na cidade a esperança, a alegria, a criatividade e a sensualidade de seu povo. Depois, porque revelam mais um aspecto da vasta obra do artista que, além de fotografar, desenhou, pintou, fez esculturas, caricaturas, ilustrações, foi figurativo e abstrato”, afirma em texto Antônio Carlos Rodrigues.

Devido a pandemia do coronavírus, o lançamento será virtual. Todos os títulos podem ser encontrados na loja online da Cepe Editora.

Serviço:

Preço dos livros:

Augusto Rodrigues, Artista : R$ 80,00
Augusto Rodrigues, Caricaturista: R$ 100,00
Augusto Rodrigues, Fotógrafo: R$ 70,00
Augusto Rodrigues, Educador: R$ 50,00
Box com os quatro livros: R$ 250,00

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terça-feira, 14 de abril de 2020

Amor pela língua portuguesa

A ilustradora pernambucana Hallina Beltrão - Foto divulgação
Cepe lança A domadora de palíndromos, título infantojuvenil escrito pelo advogado, jornalista e músico carioca, Fred Bellintani

A paixão pela gramática e pelo que denominou de leões léxicos, inspirou o carioca Fred Bellintani a escrever A domadora de palíndromos, sua estreia na literatura infantojuvenil. A obra é um lançamento da Cepe Editora, e traz ilustrações da pernambucana Hallina Beltrão. O autor brinca com o desafio de encontrar sentido em palavras e frases escritas de trás para frente, como radar, Roma ou arara rara. Revela-se na determinação da personagem, cujo nome é palíndrômico, anunciado ao final da história, que começa com o clássico Era uma vez.

A formação musical de Bellintani, associada à sua habilidade com as palavras, o fez optar por uma narrativa enriquecida pelas rimas. O recurso tornou o texto didático e lúdico ao mesmo tempo. Nele, o autor mostra como a heroína se diverte com ditados, caligrafia, interpretação de textos e o seu forte, que é soletrar palavras, até as mais complicadas.

Quando começou a ficar entediada, a menina buscou outros desafios, aí passou a ler tudo de trás pra frente. O exercício virou passatempo. E assim tornou-se domadora de leões léxicos, conta o autor, que fez escolhas emotivas e autorreferentes na construção da história.

Embora este seja seu primeiro livro, Bellintani diz que possui outros trabalhos. Todos engavetados, à espera de redenção. Confessa que só conseguiu lançar A domadora de palíndromos porque foi pressionado por prazos estabelecidos pela Cepe Editora. O doloroso exercício de afrouxar no perfeccionismo e libertar seus escritos encontra inspiração  numa frase do escritor Nelson Rodrigues: "O trabalho deve ser abandonado, senão nunca vai terminar".

AUTOR

Fred Bellintani Falcão nasceu no Rio de Janeiro, em 1968, filho de advogado pernambucano e professora mineira. Advogado formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, é músico, jornalista pós-graduado na Universidade de São Paulo e publicitário. Atua há 20 anos como profissional de comunicação da Petrobras. Tem apresentado seus frevos inéditos nas Rodas de Frevo do maestro Spok. É pai de Pietro e Francesco, e bisneto de Leovigildo Júnior, escritor e poeta pernambucano.

ILUSTRADORA

Hallina Beltrão nasceu no Recife, em 1980. Graduada em Design pela Universidade Federal de Pernambuco, é mestra em Design Gráfico Editorial pela Elisava (Universitat Pompeu Fabra — Barcelona, Espanha) e especializada em Ilustração Criativa (Universitat Autònoma de Barcelona). Há 20 anos, atua como designer gráfica e ilustradora de diversos projetos gráficos editoriais e identidades visuais de festivais, livros, jornais, revistas, televisão e plataformas digitais no Brasil, na Espanha e na Itália. A domadora de palíndromos é o seu sétimo livro infantil.

ENTREVISTA COM FRED BELLINTANI

O que o inspirou a escrever seu primeiro livro infantojuvenil?

A história é inspirada exatamente na minha relação de intimidade com a língua portuguesa. Sempre gostei de ler e escrever. Até que, num dia, por diversão, experimentei ler ao contrário e, aí, um novo mundo foi descortinado diante de meus olhos. Mais tarde, após descobrir os palíndromos, comecei minha adorável odisseia em busca deles, tão /difíceis e raros de serem encontrados quanto uma trufa italiana! Tão difíceis de serem domados quanto um leão léxico! Assim, fui criando meus palíndromos ao longo dos anos até encontrar, na história da domadora, o lugar perfeito para morarem.  

Você começou a narrativa com o clássico Era uma vez. Há uma razão que valha a pena elocubrar sobre o sentido dessa referência?

Não consigo imaginar uma história infantil que não tenha "era uma vez". É uma forma de acolher o ouvinte e, ao mesmo tempo, reverenciar as clássicas histórias infantis que me foram contadas na infância. Era uma vez sempre foi música pros meus ouvidos. Era a hora boa do dia.

Qual foi o propósito ao trabalhar rimas?

Foi a última parte do processo de criação. Depois da história pronta, reparei que exatamente os trechos mais inspirados eram aqueles que tinham rima. Sou músico, sempre penso em música, em métrica. Pensei nos cantadores do Nordeste e em como a linguagem deles prende e acolhe as crianças. Aí, saí à caça das "trufas rímicas", o que não foi nada fácil. Mas, ao final, encontrei pérolas poéticas das quais muito me orgulho.  

Como justificaria suas escolhas na concepção do projeto?

Costurei a narrativa buscando ressaltar as qualidades da protagonista e seu universo psicológico, porém sem revelar-lhe o nome. Para isso, deixei a terceira pessoa nas mãos do locutor. Provoquei a curiosidade do leitor até o gran finale, antes do qual ainda coube um inusitado e divertido diálogo entre locutor e leitor. Sabe por que uma menina tão esperta não despertou pro seu palíndromo mais íntimo, que era o próprio nome? Porque, como diz o ditado, "casa de ferreiro, espeto de pau". Ninguém é perfeito. Mesmo os seres mais brilhantes, às vezes se descuidam do óbvio ululante. Como dizia Nelson Rodrigues...

SERVIÇO
Lançamento virtual de A domadora de palíndromos

Data: 14 de abril, quando o livro estará disponivel na loja virtual da Cepe Editora (https://www.cepe.com.br/lojacepe/) e a partir do próximo dia 17 estará disponível nas principais plataformas digitais: Amazon, Apple, Google, Livraria Cultura, Saraiva, Kindle, Novo, Leve

Preço: Livro impresso R$ 35,00, e-book R$ 11,50
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HQ da Cepe entre as top 10 de 2020


O obscuro fichário dos artistas mundanos ficou entre as vencedoras do Prêmio Grampo

A Companhia Editora de Pernambuco (Cepe) emplaca uma HQ em prêmio especializado no segmento. O obscuro fichário dos artistas mundanos - roteirizado por Clarice Hoffmann e Abel Alencar e ilustrado pelos artistas Maurício Castro, Paulo do Amparo, Greg e Clara Moreira -  ficou na lista dos dez melhores quadrinhos, segundo o Prêmio Grampo 2020, conferido por jornalistas e críticos especializados no segmento literário. 

Lançada em 2019, a obra inaugurou o selo Cepe HQ e fez da editora pública a primeira pernambucana especializada em quadrinhos. "Estamos radiantes com a notícia. É incrível ficar entre os dez melhores quadrinhos, estrangeiros e nacionais, lançados no Brasil ano passado. Acho que o prêmio é o reconhecimento a um trabalho feito com muito cuidado, muito amor. Um trabalho motivado especialmente pela paixão aos personagens, nossos resistentes artistas, e pelo desejo de contar um pouquinho da história de luta dos artistas deste país", declara Clarice, que já pensa em editar outros trabalhos com a mesma linguagem. "Esse foi meu primeiro trabalho. Espero fazer muitos outros". 

O editor da Cepe, Diogo Guedes, enxerga com alegria o reconhecimento e a circulação de um dos primeiros trabalhos do selo Cepe HQ no mercado editorial. "O obscuro fichário dos artistas mundanos é uma obra forte porque sabe extrair do passado, dos documentos que demonstram a perseguição a artistas e estrangeiros na ditadura de Vargas, as resistências e aprendizados necessários para o presente", opina Diogo.

O jornalista e crítico de quadrinhos Paulo Floro, editor do site O grito!, que participou da votação do prêmio, acha que o reconhecimento corrobora o bom momento que vive o quadrinho atual em Pernambuco. "Fazer parte das dez melhores obras lançadas no ano passado, em um período de um mercado editorial com tantos lançamentos, é um feito e tanto", constata Paulo, acrescentando a característica inovadora da obra como relevante na inclusão do prêmio. "É um livro inovador dentro da linguagem das histórias em quadrinho ao trazer uma abordagem experimental para o meio ao mesmo tempo em que traz novos olhares para a história do Brasil" completa o crítico. 

A OBRA

A publicação é inspirada no projeto de pesquisa O obscuro fichário dos artistas mundanos, realizado entre os anos de 2014 e 2017. Os resultados do projeto de pesquisa, que inspirou a obra, estão no endereço eletrônico obscurofichario.com.br. São indícios da vida de mulheres e homens, brasileiros e estrangeiros, protagonistas de uma movimentação ocorrida no campo da arte e do entretenimento da cidade do Recife, entre as décadas de 1930 e 1950, que lançam luz sobre uma potente história cultural e política do estado e do país. Um mundo habitado por bailarinas acrobatas e sapateadores excêntricos, cantores de rádio e cossacos russos, pugilistas e ilusionistas, artistas teatrais e enciclopédicos.

Para a polícia de Vargas todos que estivessem de alguma forma ligados à cena do entretenimento eram considerados artistas e, portanto, fichados com prontuário na Delegacia de Ordem Política e Social. Nesse rolo entravam prostitutas, pugilistas e até espaços suspeitos, por serem lugares onde havia muita rotatividade a exemplo de hotéis, pensões, teatros, cabarés, agremiações carnavalescas, vigiados pela polícia.  O livro custa R$ 35 e está à venda na loja virtual da Cepe: https://www.cepe.com.br/lojacepe/. 
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domingo, 12 de abril de 2020

O teórico Jack Halberstam é publicado pela primeira vez no Brasil pela Cepe Editora


A arte queer do fracasso investiga alternativas e rotas de fuga a estruturas hegemônicas que relacionam sucesso a ascensão social e estilos de vida produtivos

Numa sociedade capitalista e heteronormativa o sucesso é recompensa natural para quem segue o padrão dominante. Já o insucesso pesa sobre os que não se enquadram, os losers. Mas e se o fracasso for apenas o reflexo de uma forma diferente de pensar, uma via paralela que se contrapõe a estratégias de manipulação de massa? O selo Suplemento Pernambuco, da Cepe Editora, lança no Brasil o primeiro livro do escritor e teórico norte-americano, Jack Halberstam, traduzido para o português: A arte queer do fracasso. Neste ensaio fundamental para os estudos queer, o autor transita por obras artísticas e produtos midiáticos, contrariando a lógica comum do sucesso. A obra pode ser encontrada nas principais livrarias do Brasil.

Publicado originalmente nos Estados Unidos em 2011, o título de Halberstam, que é professor titular no Departamento de Inglês e diretor do Instituto de Pesquisa sobre Mulheres, Gênero e Sexualidade na Universidade de Columbia, Nova Iorque, chega ao Brasil com atraso de quase uma década. Gap compensado pelo Suplemento Pernambuco com a iniciativa de editá-lo.

"O autor parte de animações como Bob Esponja Calça Quadrada, Toy Story e filmes de apelo popular, como Cara, cadê meu carro?, passando ainda por Sigmund Freud, Michel Foucault, W. G. Sebald e pelas imagens eróticas de Tom of Finland. Parece que nada escapa ao seu desejo de nos fazer enxergar a rigidez das normas do capitalismo ao redor. Halberstam propõe que praticar o fracasso talvez nos incite a nos distrairmos, a nos desviarmos, a nos perdermos e ao reconhecimento benjaminiano de que a empatia com o vencedor acaba sempre beneficiando o dominador", destaca o editor do Suplemento Pernambuco, Schneider Carpeggiani.

Para o prefaciador Denilson Lopes, escritor e pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro, esta edição representa a oportunidade do brasileiro conhecer um dos autores mais peculiares e influentes na relação com os estudos queer, os estudos trans e o debate sobre a cultura e a arte nos Estados Unidos. "O fracasso remete a uma ética para aqueles que não optaram pelo sucesso ou não conseguem estar no lugar dos bem-sucedidos, no centro do poder", diz.

Logo nas primeiras páginas o leitor se depara com a provocação de Halberstam ao dedicar a obra a todas as pessoas fracassadas da história. E no desenvolvimento do ensaio desmantela a lógica do sucesso lembrando que o fracasso anda acompanhado de toda sorte de emoções negativas, mas proporciona a oportunidade de usar essas emoções para espetar e fazer furos na positividade tóxica da vida contemporânea.

Para fundamentar seu raciocínio o teórico analisa obras produzidas pela indústria do entretenimento, desde a Pequena Miss Sunshine, Oscar de Melhor Roteiro Original em 2006, até o clássico romance punk de Irvine Welch, Trainspotting (1996), com um romance incontestavelmente não queer sobre fracasso, decepção, vício e violência que se passa em um bairro pobre de Edinburgh.

Um dos pilares do sucesso é o incansável mantra do pensamento positivo. O autor cita teóricos como a escritora feminista Barbara Ehrenreich que em seu título Sorria comprova como esse ideal enfraqueceu a América (2013). "O pensamento positivo é um sofrimento estadunidense, uma ilusão em massa que emerge de uma combinação do excepcionalismo estadunidense e um desejo de acreditar que o sucesso acontece a pessoas boas e o fracasso é apenas uma consequência de um comportamento ruim e não de condições estruturais. Pensamento positivo é oferecido nos Estados Unidos como cura para câncer, um caminho para riquezas incalculáveis e uma forma infalível de engendrar nosso próprio sucesso", analisa.

Para Halberstam do ponto de vista do feminismo, apostar no fracasso tem sido melhor do que apostar no sucesso. Ele avalia que no contexto em que o sucesso da mulher é sempre medido a partir de padrões masculinos, e o fracasso do gênero com frequência significa estar livre da pressão de se igualar aos ideais patriarcais, não ser bem-sucedida pode oferecer prazeres inesperados. "De várias formas, essa tem sido a mensagem de muitas feministas renegadas no passado. Monique Wittig (1992) defendia, na década de 1970, que se a mulheridade depender de padrões heterossexuais, então lésbicas não são mulheres, e se lésbicas não são mulheres, elas então ficam fora das normas patriarcais e podem recriar um pouco do sentido que há no gênero delas", diz.

Os estudos queer apresentados pelo autor mostram o fracasso como alternativa existente a sistemas hegemônicos, que convencionaram associar fracasso a não conformidade, às práticas anticapitalistas, estilos de vida não reprodutivos, negatividade e crítica.

Portanto, diz, fracassar é algo que pessoas queer fazem e sempre fizeram excepcionalmente bem. "Para pessoas queer, o fracasso pode ser estilo, citando Quentin Crisp, ou um modo de vida, citando Foucault, e pode contrastar com os cenários sombrios de sucesso que dependem de tentar e tentar novamente. Aliás, se o sucesso exige tanto esforço, talvez, em longo prazo, o fracasso seja mais fácil e ofereça recompensas diferentes."

O autor

É autor de obras como Skin Shows: Gothic Horror and the Technology of Monsters (Duke University Press, 1995), Female Masculinity (Duke University Press, 1998), Gaga Feminism (Beacon Press, 2012) e Trans: A Quick and Quirky Account of Gender Variability (University of California Press, 2018). A arte queer do fracasso, lançado originalmente em 2011, é seu primeiro livro traduzido para o português.
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