Glauco Callia |
ENTREVISTA:
Conexão Literatura: Poderia contar para os nossos leitores como foi o seu início no meio literário?
Glauco Callia: Eu escrevo desde que me conheço por gente, ainda no colégio, era comum que os professores lessem minhas redações para a classe e que as meninas da sala tivessem minhas poesias em seus fichários, mas foi durante a faculdade que me percebi realmente como escritor, divulgando crônicas em blogs e jornais e finalmente sendo chamado para ser colaborador do Jornal Contato em Taubaté. Eu escrevia o dia inteiro e sobre tudo até que, em 2009, reuni meus melhores textos em meu primeiro livro “A Poeira do Armário” publicado pela editora Virtual Books. Em 2011 lancei a primeira edição de “A Corveta” que esgotou logo nos primeiros meses, após isso trabalhei alguns anos na revisão dos textos, mapas e fotos para lançar a versão definitiva que temos agora.
Conexão Literatura: Você é autor da obra "A Corveta" (Editora Manole, 2016). Poderia comentar?
Glauco Callia: Sendo um apaixonado por Jack London, Conrad e Julio Verne, era natural que ao fim da faculdade eu quisesse viver as aventuras descritas nos livros. Foi por isso que ao me formar médico em 2007 eu me alistei na Marinha do Brasil para servir como médico de bordo num navio hospital que realizava atendimentos à populações isoladas nos confins da Floresta amazônica. Mas o fato é que nada te prepara para a brutalidade da realidade brasileira e logo fui tragado para dentro dos problemas das comunidades ribeirinhas, encontros com índios isolados e conflitos com piratas. Dia a dia, após as missões, eu exorcizava a realidade das epidemias, da pobreza, da desnutrição e da perda de pacientes em textos que eu enviava para o meu pai, parentes e amigos. Deste diário de bordo nasceu “A Corveta” que relata os 200 dias de missão que realizei dentro do Navio Hospital Oswaldo Cruz, o combate a epidemia de Febre Negra de Lábrea, o encontro com os índios Korubo e a luta para salva-los das doenças dos brancos, resgates à vitimas de naufrágios e o choque de civilizações. Neste sentido, “A Corveta” é o testemunho de uma realidade desconhecida dos brasileiros, é o testemunho de um Brasil esquecido por todos, ela é o único relato da grande epidemia de Febre Negra que dizimou centenas de índios isolados no ano de 2008 e além de tudo é a historia de um desconhecido navio e de sua tripulação que arriscou tudo para combater a epidemia e salvar aquelas tribos da extinção. A Corveta poderia muito bem ser o relato de uma expedição da época dos descobrimentos, mas não é, ela é um relato atual de uma realidade que se desenrola neste exato momento.
Conexão Literatura: Poderia contar para os nossos leitores como foi o seu início no meio literário?
Glauco Callia: Eu escrevo desde que me conheço por gente, ainda no colégio, era comum que os professores lessem minhas redações para a classe e que as meninas da sala tivessem minhas poesias em seus fichários, mas foi durante a faculdade que me percebi realmente como escritor, divulgando crônicas em blogs e jornais e finalmente sendo chamado para ser colaborador do Jornal Contato em Taubaté. Eu escrevia o dia inteiro e sobre tudo até que, em 2009, reuni meus melhores textos em meu primeiro livro “A Poeira do Armário” publicado pela editora Virtual Books. Em 2011 lancei a primeira edição de “A Corveta” que esgotou logo nos primeiros meses, após isso trabalhei alguns anos na revisão dos textos, mapas e fotos para lançar a versão definitiva que temos agora.
Conexão Literatura: Você é autor da obra "A Corveta" (Editora Manole, 2016). Poderia comentar?
Glauco Callia: Sendo um apaixonado por Jack London, Conrad e Julio Verne, era natural que ao fim da faculdade eu quisesse viver as aventuras descritas nos livros. Foi por isso que ao me formar médico em 2007 eu me alistei na Marinha do Brasil para servir como médico de bordo num navio hospital que realizava atendimentos à populações isoladas nos confins da Floresta amazônica. Mas o fato é que nada te prepara para a brutalidade da realidade brasileira e logo fui tragado para dentro dos problemas das comunidades ribeirinhas, encontros com índios isolados e conflitos com piratas. Dia a dia, após as missões, eu exorcizava a realidade das epidemias, da pobreza, da desnutrição e da perda de pacientes em textos que eu enviava para o meu pai, parentes e amigos. Deste diário de bordo nasceu “A Corveta” que relata os 200 dias de missão que realizei dentro do Navio Hospital Oswaldo Cruz, o combate a epidemia de Febre Negra de Lábrea, o encontro com os índios Korubo e a luta para salva-los das doenças dos brancos, resgates à vitimas de naufrágios e o choque de civilizações. Neste sentido, “A Corveta” é o testemunho de uma realidade desconhecida dos brasileiros, é o testemunho de um Brasil esquecido por todos, ela é o único relato da grande epidemia de Febre Negra que dizimou centenas de índios isolados no ano de 2008 e além de tudo é a historia de um desconhecido navio e de sua tripulação que arriscou tudo para combater a epidemia e salvar aquelas tribos da extinção. A Corveta poderia muito bem ser o relato de uma expedição da época dos descobrimentos, mas não é, ela é um relato atual de uma realidade que se desenrola neste exato momento.
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Conexão Literatura: Muitas obras carregam um pouco da vida pessoal do autor. Isso aconteceu com o seu livro?
Glauco Callia: Acredito que toda obra literária carrega um pesado traço pessoal de seu autor, comigo não seria diferente. A Corveta é basicamente o relato de uma Missão militar que se tornou peça chave na resolução de uma grave crise humanitária e que com isso teve o poder de transformar a vida de todos que foram tragados para dentro de sua história. Agora a maneira como eu escrevo é claramente influenciada pela minha vida pessoal. Meu avô materno era caminhoneiro e sendo assim, um contador de histórias, é esta forma clara de narrativa oral que hoje eu encontro nos meus textos, por outro lado, meu avô paterno era um leitor voraz que me colocou, assim que eu aprendi a ler, em contato com autores como Jack London, Hemingway e James Joyce, logo toda vez que eu escrevo tenho as pessoas que fizeram parte de mim retratadas em minha escrita. Revelo um segredo dos escritores, todo beijo descrito sempre tem uma dona...
Conexão Literatura: Poderia destacar um trecho de "A Corveta" especialmente para os nossos leitores?
Glauco Callia: O trecho se chama Pambo Napén que em dialeto Mayuruna quer dizer “Dói Demais” .Acredito ser um trecho importante pois foi o momento onde nos deparamos com os primeiros enfermos, ele fala um pouco do choque cultural, da falta de remédios, da sensação de impotência e principalmente do envolvimento emocional que as missões humanitárias trazem a seus participantes.
“Minha angústia cresce a cada dia, e sou tomado por desespero cada vez que aqueles que para mim eram apenas nomes em uma lista – crianças de dois anos em uma lista impessoal de portadores de hepatite – se materializam na minha frente. Hoje, eu peguei uma menina no colo para colocá-la na maca para examinar, e ela me abraçou. Confesso que poucas experiências na vida foram tão reais e emocionantes como essa. Olhei seus olhos grandes e negros, o cabelo como nos livros de história, olhos amendoados e um sorriso que poucas vezes vi mais sincero. Sorriso torneado pela tatuagem circulando a boca e lançando uma linha pontilhada até a base da orelha, feita com óleo de jenipapo e bile de tambaqui. Ela olhava para mim como se eu fosse um ET, pegava com as mãozinhas meu cabelo, meu esteto. Coloquei-a na maca, e ela pulou novamente no meu colo. Confesso que tive até medo do abraço. Qual é o limite que eu, como médico, tenho ao me envolver nessa história? Descubro agora, sozinho e com febre, que já passei essa fronteira faz tempo. Mais uma vez na minha vida, de volta ao campo de batalha; mais uma vez contra os moinhos de vento.
Perdi a noção dos limites e agora pago com a insônia. Examinei a menina de dois anos, torcendo para não encontrar nada, mas o fígado era claramente palpável.
– Pambó napem (dói muito)?
– Napem (muito) – ela respondeu com olhos de súplica.
Fiquei sem atitude. Se ao menos tivesse o kit ques prometeram... Mas não posso fazer nada, nada, nada!
– Callia, é a menina da lista – me diz o Pandini, que me olha com aquele olhar que só os que lutam contra forças superiores dizem sem pronunciar. – O que a gente vai fazer? O irmão tá na lista também, o outro já foi pra biópsia em Tabatinga. O pai também tá?
– Tá... E a irmã?
– Morreu; morreu o filho também. Temos uma EVAM (evacuação aeromédica) para fazer de uma criança de oito meses da outra aldeia. Vai pra Tabatinga. O imediato destacou o Ryan, ele pediu o oxigênio portátil, que obviamente estava vazio. Soubemos agora que a criança morreu em Tabatinga.
A família inteira está com hepatite delta, com as enzimas hepáticas altíssimas, o que indica que a doença está em franca expansão. A situação é desesperadora, e meus remédios estão acabando...’
Conexão Literatura: Para quem você indicaria a leitura do seu livro?
Glauco Callia: Eu recomendo meu livro para todos aqueles que sonham em mudar o mundo, mas até o momento não encontraram uma maneira de fazê-lo, para quem tem um sonho escondido no mais profundo cantinho de seu intimo e busca força e coragem para realiza-los. Eu recomendo meu livro também para quem quer conhecer melhor a realidade de seu país. Eu acho que somos todos criados com uma severa pressão social do que você deve ou não fazer de sua vida e às vezes a única coisa que mudaria o sentido de sua existência é simplesmente ouvir alguém te dizer: Siga sua felicidade.
Conexão Literatura: Como você se sente ao falar de seu livro?
Glauco Callia: Evidentemente, quando seu dia se resume a acordar em um navio militar, pegar seu helicóptero e voar pela Amazônia para fazer medicina em lugares em que um médico nunca pisou, a sua relação com a vida toma um caráter singular, um tema sobre o qual até hoje é difícil expressar. Se você me perguntar o que foi para mim aquilo tudo, o que foi lidar durante um ano com a miséria e toda a forma de sofrimento; se você me perguntar, passados alguns anos daqueles insólitos acontecimentos, o que eu penso sobre tudo aquilo, eu responderei que dói demais; cada lembrança é forte demais, é um murro na boca do estômago. No entanto, tentar intervir naquela situação foi uma experiência sublime.
Conexão Literatura: Como os interessados deverão proceder para adquirir um exemplar do seu livro?
Glauco Callia: Eu recomendo que as pessoas que puderem comprem o livro na Livraria Zaccara em São Paulo ou na Palavraria em Porto Alegre, pois são espaços de incentivo à arte e o passeio até lá por si só é uma experiência literária a parte. O livro conta também com distribuição nacional pela Editora Manole, logo você poderá acha-lo na Cultura, FENAC, Saraiva, Livraria da Vila, Nobel, Martins Fontes e até mesmo no Buscapé.
Conexão Literatura: Existem novos projetos em pauta?
Glauco Callia: Sim, estou escrevendo a história de meu Tio Avô que foi forçado a lutar na segunda guerra mundial, foi mandado para um campo de concentração alemão e que após sobreviver a tudo isso ainda teve que tentar encontrar sua família na Itália arrasada pela guerra, busca esta que acaba no Brasil. Lançamento está previsto para o ano que vem.
Perguntas rápidas:
Um livro: No Coração das Trevas
Um (a) autor (a):Amos Oz
Um ator ou atriz: Al Pacino
Um filme: A Grande Beleza
Um dia especial: O dia em que ela me ligou.
Conexão Literatura: Deseja encerrar com mais algum comentário?
Glauco Callia: Saúde onde houver vida!
Glauco Callia: Acredito que toda obra literária carrega um pesado traço pessoal de seu autor, comigo não seria diferente. A Corveta é basicamente o relato de uma Missão militar que se tornou peça chave na resolução de uma grave crise humanitária e que com isso teve o poder de transformar a vida de todos que foram tragados para dentro de sua história. Agora a maneira como eu escrevo é claramente influenciada pela minha vida pessoal. Meu avô materno era caminhoneiro e sendo assim, um contador de histórias, é esta forma clara de narrativa oral que hoje eu encontro nos meus textos, por outro lado, meu avô paterno era um leitor voraz que me colocou, assim que eu aprendi a ler, em contato com autores como Jack London, Hemingway e James Joyce, logo toda vez que eu escrevo tenho as pessoas que fizeram parte de mim retratadas em minha escrita. Revelo um segredo dos escritores, todo beijo descrito sempre tem uma dona...
Conexão Literatura: Poderia destacar um trecho de "A Corveta" especialmente para os nossos leitores?
Glauco Callia: O trecho se chama Pambo Napén que em dialeto Mayuruna quer dizer “Dói Demais” .Acredito ser um trecho importante pois foi o momento onde nos deparamos com os primeiros enfermos, ele fala um pouco do choque cultural, da falta de remédios, da sensação de impotência e principalmente do envolvimento emocional que as missões humanitárias trazem a seus participantes.
“Minha angústia cresce a cada dia, e sou tomado por desespero cada vez que aqueles que para mim eram apenas nomes em uma lista – crianças de dois anos em uma lista impessoal de portadores de hepatite – se materializam na minha frente. Hoje, eu peguei uma menina no colo para colocá-la na maca para examinar, e ela me abraçou. Confesso que poucas experiências na vida foram tão reais e emocionantes como essa. Olhei seus olhos grandes e negros, o cabelo como nos livros de história, olhos amendoados e um sorriso que poucas vezes vi mais sincero. Sorriso torneado pela tatuagem circulando a boca e lançando uma linha pontilhada até a base da orelha, feita com óleo de jenipapo e bile de tambaqui. Ela olhava para mim como se eu fosse um ET, pegava com as mãozinhas meu cabelo, meu esteto. Coloquei-a na maca, e ela pulou novamente no meu colo. Confesso que tive até medo do abraço. Qual é o limite que eu, como médico, tenho ao me envolver nessa história? Descubro agora, sozinho e com febre, que já passei essa fronteira faz tempo. Mais uma vez na minha vida, de volta ao campo de batalha; mais uma vez contra os moinhos de vento.
Perdi a noção dos limites e agora pago com a insônia. Examinei a menina de dois anos, torcendo para não encontrar nada, mas o fígado era claramente palpável.
– Pambó napem (dói muito)?
– Napem (muito) – ela respondeu com olhos de súplica.
Fiquei sem atitude. Se ao menos tivesse o kit ques prometeram... Mas não posso fazer nada, nada, nada!
– Callia, é a menina da lista – me diz o Pandini, que me olha com aquele olhar que só os que lutam contra forças superiores dizem sem pronunciar. – O que a gente vai fazer? O irmão tá na lista também, o outro já foi pra biópsia em Tabatinga. O pai também tá?
– Tá... E a irmã?
– Morreu; morreu o filho também. Temos uma EVAM (evacuação aeromédica) para fazer de uma criança de oito meses da outra aldeia. Vai pra Tabatinga. O imediato destacou o Ryan, ele pediu o oxigênio portátil, que obviamente estava vazio. Soubemos agora que a criança morreu em Tabatinga.
A família inteira está com hepatite delta, com as enzimas hepáticas altíssimas, o que indica que a doença está em franca expansão. A situação é desesperadora, e meus remédios estão acabando...’
Conexão Literatura: Para quem você indicaria a leitura do seu livro?
Glauco Callia: Eu recomendo meu livro para todos aqueles que sonham em mudar o mundo, mas até o momento não encontraram uma maneira de fazê-lo, para quem tem um sonho escondido no mais profundo cantinho de seu intimo e busca força e coragem para realiza-los. Eu recomendo meu livro também para quem quer conhecer melhor a realidade de seu país. Eu acho que somos todos criados com uma severa pressão social do que você deve ou não fazer de sua vida e às vezes a única coisa que mudaria o sentido de sua existência é simplesmente ouvir alguém te dizer: Siga sua felicidade.
Conexão Literatura: Como você se sente ao falar de seu livro?
Glauco Callia: Evidentemente, quando seu dia se resume a acordar em um navio militar, pegar seu helicóptero e voar pela Amazônia para fazer medicina em lugares em que um médico nunca pisou, a sua relação com a vida toma um caráter singular, um tema sobre o qual até hoje é difícil expressar. Se você me perguntar o que foi para mim aquilo tudo, o que foi lidar durante um ano com a miséria e toda a forma de sofrimento; se você me perguntar, passados alguns anos daqueles insólitos acontecimentos, o que eu penso sobre tudo aquilo, eu responderei que dói demais; cada lembrança é forte demais, é um murro na boca do estômago. No entanto, tentar intervir naquela situação foi uma experiência sublime.
Conexão Literatura: Como os interessados deverão proceder para adquirir um exemplar do seu livro?
Glauco Callia: Eu recomendo que as pessoas que puderem comprem o livro na Livraria Zaccara em São Paulo ou na Palavraria em Porto Alegre, pois são espaços de incentivo à arte e o passeio até lá por si só é uma experiência literária a parte. O livro conta também com distribuição nacional pela Editora Manole, logo você poderá acha-lo na Cultura, FENAC, Saraiva, Livraria da Vila, Nobel, Martins Fontes e até mesmo no Buscapé.
Conexão Literatura: Existem novos projetos em pauta?
Glauco Callia: Sim, estou escrevendo a história de meu Tio Avô que foi forçado a lutar na segunda guerra mundial, foi mandado para um campo de concentração alemão e que após sobreviver a tudo isso ainda teve que tentar encontrar sua família na Itália arrasada pela guerra, busca esta que acaba no Brasil. Lançamento está previsto para o ano que vem.
Perguntas rápidas:
Um livro: No Coração das Trevas
Um (a) autor (a):Amos Oz
Um ator ou atriz: Al Pacino
Um filme: A Grande Beleza
Um dia especial: O dia em que ela me ligou.
Conexão Literatura: Deseja encerrar com mais algum comentário?
Glauco Callia: Saúde onde houver vida!