João Barone, autor e membro da banda Os Paralamas do Sucesso, é destaque da nova edição da Revista Conexão Literatura – Setembro/nº 111

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quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020

Marcus Maia e o livro Psicolinguística e metacognição na escola, por Cida Simka e Sérgio Simka

Marcus Maia - Foto divulgação
Marcus Maia é professor titular de Linguística da Universidade Federal do Rio de Janeiro e pesquisador 1B do CNPq. Coordena desde 2001 o Laboratório de Psicolinguística Experimental do Departamento de Linguística da UFRJ (https://pt.wikipedia.org/wiki/Laborat%C3%B3rio_de_Psicolingu%C3%ADstica_Experimental_(LAPEX/UFRJ) e foi membro fundador da Rede Nacional de Ciência para a Educação (http://cienciaparaeducacao.org/sobre/). Seus interesses de pesquisa incluem o estudo de línguas indígenas brasileiras e a translação da Linguística para a Educação básica, principalmente a aplicação de tecnologias psicolinguísticas de ponta, como a técnica de rastreamento ocular  para o desenvolvimento da competência leitora de alunos nos níveis fundamental e médio.  (https://pt-br.facebook.com/RedeCpE/videos/rastreamento-da-leitura-marcus-maia-por-dentro-da-rede-cpe/2248035145413324/?__so__=permalink&__rv__=related_videos)

ENTREVISTA:

Fale-nos sobre o livro. O que o motivou organizá-lo?
  

O livro "Psicolinguística e Metacognição na Escola" resultou de um projeto integrado que foi desenvolvido junto a uma escola pública do Rio de Janeiro durante os anos de 2017 e 2018 por uma equipe de professores e alunos da UFRJ e da UERJ, com vistas a diagnosticar a competência leitora de alunos de oitavo e nono anos do ensino fundamental, para em seguida promover oficinas com base nas evidências obtidas. Esse é o paradigma da Rede Nacional de Ciência para a Educação: promover ações de melhoria da educação com base em evidências científicas. Parece óbvio que essa é a boa prática que pode nos tirar do atraso de mais de dois séculos que a OCDE diagnosticou na formação de leitores na educação brasileira, embora o que se tem visto são, infelizmente, políticas públicas completamente equivocadas na educação, que nos levam a acreditar na avaliação de Darcy Ribeiro de que "a crise na educação no Brasil, não é crise e sim projeto".
         As oficinas utilizaram, entre outras metodologias, a técnica de rastreamento ocular (eye-tracking)  de que o laboratório que coordeno na UFRJ é pioneiro no Brasil. O eye-tracker é uma espécie de microscópio dos processos visuais, permitindo que se tenha uma análise precisa de onde as fixações oculares estão durante a leitura e para onde voltam, em caso de dúvida que requeira releitura. Como a técnica é bastante intuitiva, decidimos no LAPEX utilizá-la com os alunos de oitavo e nono anos do fundamental, mostrando e discutindo com eles seus padrões de fixação e movimentação ocular na leitura de períodos. Como explicamos no livro, trata-se de procedimento metacognitivo muito eficiente que, de fato, contribuiu significativamente para o desenvolvimento da capacidade de leitura dos alunos. E isso não foi nossa opinião, mas foi demonstrado nos retestes no  último semestre do projeto, após as oficinas. Se houver vontade política, garantimos que a proposta do livro poderia impactar o ensino de leitura nas escolas brasileiras e alçar os alunos para um patamar elevado em pouco tempo.

Como analisa a competência leitora do brasileiro? 


Infelizmente, nas últimas décadas, o ensino de português parece ter se perdido completamente em políticas públicas na base do "achismo". Como comentou recentemente a Profa. Leonor Scliar-Cabral, acreditou-se que conhecendo e diferenciando gêneros textuais, os alunos passariam a ler e escrever com proficiência. Conhecer os diferentes gêneros é sem dúvida importante, mas é preciso inicialmente desenvolver a competência leitora no nível do período. O período é a unidade fundamental de praticamente qualquer texto. Começa com uma letra maiúscula e termina com um ponto. Como se poderia esperar que os alunos extraiam as ideias centrais de um texto inteiro se nem mesmo conseguem extrair as ideias de cada período apropriadamente? Assim, nossa metodologia está centrada na leitura e escrita de períodos, como explicado em detalhes no livro. O grande problema é que os alunos, de modo geral, leem mecanicamente, mas não atingem a literacia plena. E o período é a unidade natural básica em que se pode desenvolver eficazmente a competência leitora que lhes permitirá não só extrair as ideias centrais, mas também ler "nas entrelinhas", sendo capazes de estratégias de montagem e remontagem das ideias contidas no período. Com a técnica de rastreamento ocular, os alunos passam a poder monitorar microscopicamente a sua leitura, sendo motivados a se tornarem verdadeiros pesquisadores, participando ativamente do processo metacognitivo, desenvolvendo autorreflexividade e superando dificuldades que, de outro modo, poderiam nunca ser superadas. Nossa metodologia está fundada no despertar da capacidade de formação científica. Ser um bom leitor é também se tornar um cidadão pleno, capaz de ler, pensar e criar com autonomia.

Em época de redes sociais, o brasileiro está escrevendo mais?

Sem dúvida. Daí a importância das novas tecnologias serem incorporadas ao ensino e não afastadas. Técnicas modernas como as que utilizamos no projeto reportado no livro têm o potencial de provocar a capacidade de formação científica e desenvolver rapidamente as competências leitora e redatora dos alunos. Se houvesse vontade política, poderíamos promover uma verdadeira revolução no ensino. Recentemente, participei de uma mostra de realidade virtual. É fabuloso o potencial desta técnica, seria transformador se fosse disponibilizada amplamente para a escola! Além da técnica de rastreamento ocular que permite ao aluno analisar diretamente e transformar sua leitura rapidamente, pense, por exemplo, no potencial que jogos eletrônicos, realidade virtual, metodologias ativas teriam de impactar profundamente o ensino. Principalmente, a leitura que é a base de praticamente todos os aprendizados. Há estudos de colegas psicolinguistas que mostram que frequentemente o aluno não resolve um problema matemático não por que não tenha entendido a matemática, mas porque não consegue ler adequadamente o enunciado. As universidades e seus pesquisadores estão à disposição para abrirem seus laboratórios e translacionarem as pesquisas para as salas de aula, mas infelizmente no Brasil atual somos vistos como inimigos e não como aliados. Mas acredito que a ignorância e a ignorantização em curso serão superadas. Não tem como a escuridão impedir a luz do saber.

De maneira geral, como vê o ensino de produção de textos nas escolas e universidades?

Como disse acima, há diagnósticos terríveis que preveem que para chegar nos níveis de leitura dos países desenvolvidos, o Brasil precisaria cerca de 260 anos!  Entretanto, como demonstramos no livro, é possível impactar a competência leitora rapidamente, usando-se metodologias ativas, oficinas do período e técnicas de ponta como o rastreamento ocular. O ensino de gramática, por exemplo, foi banido dos currículos. Pesquisadores de excelência acadêmica,  como a professora Eloisa Pilati da UnB, têm demonstrado que o ensino de gramática em bases científicas, com participação ativa dos alunos, tem um potencial transformador. O ensino baseado em gêneros textuais deveria vir em um segundo momento, após o trabalho produtivo no nível do período. Costumo dizer que, do modo como estão as coisas hoje, seria como lançar o aluno em diferentes estradas, freeways, avenidas, sem que nem mesmo ele tenha apreendido como usar a embreagem para passar as marchas... Isso para nem falar do ensino baseado em repetição e decoreba que ainda predomina em muitas escolas. O desafio é imenso, temos competência científica para enfrentá-lo, mas...


CIDA SIMKA
É licenciada em Letras pelas Faculdades Integradas de Ribeirão Pires (FIRP). Autora, dentre outros, dos livros O enigma da velha casa (Editora Uirapuru, 2016), Prática de escrita: atividades para pensar e escrever (Wak Editora, 2019) e O enigma da biblioteca (Editora Verlidelas, 2020). Organizadora dos livros: Uma noite no castelo (Editora Selo Jovem, 2019), Contos para um mundo melhor (Editora Xeque-Matte, 2019), Aquela casa (Editora Verlidelas, 2020) e Um fantasma ronda o campus (Editora Verlidelas, 2020). Integrante do Núcleo de Escritores do Grande ABC e colunista da Revista Conexão Literatura.

SÉRGIO SIMKA
É professor universitário desde 1999. Autor de mais de seis dezenas de livros publicados nas áreas de gramática, literatura, produção textual, literatura infantil e infantojuvenil. Idealizou, com Cida Simka, a série Mistério, publicada pela Editora Uirapuru. Membro do Conselho Editorial da Editora Pumpkin, integrante do Núcleo de Escritores do Grande ABC e colunista da Revista Conexão Literatura.
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