Elena Vássina - Foto divulgação |
Sobre Elena Vássina:
Pesquisadora russa, atualmente trabalha como professora dos cursos de graduação e de pós-graduação da USP, participando nos projetos da pesquisa do Programa da Pós - graduação em Literatura e Cultura Russa e orientando mestrandos e doutorandos. Organizadora, autora e tradutora dos livros “Tipologia do simbolismo nas culturas russa e ocidental” (2005), “O cadáver vivo”, de L. Tolstói (2007), “Liev Tolstói: Os últimos dias”(2011), “Teatro russo: literatura e espetáculo” (2011), “Stanislávski: Vida, obra e Sistema” (2015), “Eugênio Onêguin”, de A. Púchkin (2019), entre outros. Em 2016, foi finalista do premio Jabuti e do premio Aplauso Brasil.
ENTREVISTA:
Conexão Literatura: Poderia contar para os nossos leitores como surgiu seu interesse em estudar a língua e a literatura russas e como foi sua vinda para trabalhar no Brasil?
Profª Elena Vássina: Não fui eu que escolhi, foi predestinação (risos...)
CL: Leonid Andrêiev foi escritor, dramaturgo, crítico, ensaísta, pintor e fotógrafo e considerado o pai do expressionismo russo. Sua obra também é representativa dos estilos do realismo e do naturalismo. Entretanto, para alguns estudiosos, ele é tido como um “autor menor”. Qual sua opinião sobre isso e qual a importância de Andrêiev para a literatura russa?
EV: Eu chamo Leonid Andrêiev de um “esquecido” entre os grandes escritores russos. E é verdade que ele, um dos incontestáveis clássicos da literatura russa, se tornou um grande esquecido no meio da avalanche das publicações dos escritores russos no Brasil nas duas últimas décadas.
CL: Andrêiev tem fama de autor soturno, trágico e pessimista. Este rótulo faz justiça à sua obra como um todo?
EV: Leonid Andrêiev entrou na literatura no final de século XIX quando, em 1898, foi publicado seu primeiro “conto natalino”, “Bargamot e Garaska”, e logo chamou atenção dos leitores que sentiram na criação do jovem escritor sua proximidade à obra de Tchekhov e Górki. Este último, ao perceber “revoltas dentro da alma humana” como o tema central de Andrêiev, ajudaria muito a ascensão rápida da carreira literária do jovem colega, admirando este “homem de raros originalidade e talento e muito corajoso na sua busca de verdade”. Porém, o leitmotiv de “revolta”, tão importante também na criação de Górki, é tratado por Andrêiev de maneira diferente: fortemente marcado pelo pessimismo social, o escritor não vê nenhuma possibilidade de resolver as profundas angústias existenciais que, ao seu ver, fazem parte integrante da trágica condição de vida humana. E nesse sentido, Andrêiev foi um filho fiel do novo Século XX com todas as suas crises humanísticas e metafísicas. Talvez por causa dessa consonância com a atmosfera da nova era, ele se virou um dos contistas russos mais lidos no início do Século XX.
CL: Embora muito famoso e popular em seu tempo, Andrêiev é um autor pouco divulgado em língua portuguesa. Em sua opinião, o que justifica essa situação?
EV: O processo de “descobrimento” da literatura russa no mundo lusófono está ligado com as traduções diretas para o português que tem começado faz pouco tempo e por isso ainda foi impossível apresentar toda a riqueza e diversidade que nossa literatura tem. Antes de mais nada, as editoras brasileiras ficaram interessadas na publicação das obras mais conhecidas – como, por exemplo, as de Dostoiévski ou de Tolstói ou de Tchekhov.
CL: A Editora Orel Books está lançando o importante livro “Conversa noturna e outras histórias”, de Leonid Andrêiev, cujo centenário da morte completa-se neste ano de 2019. Como a Srª avalia a importância deste lançamento para o público brasileiro?
EV: Certamente essa publicação é muito importante, ela abre para os leitores brasileiros novo e fascinante universo literário russo apresentando diferentes facetas da criação de Leonid Andrêiev na tradução direta e cuidadosa de Helena Kardash.
CL: O que os leitores podem encontrar na obra de Andrêiev?
EV: Ao meu ver, Andrêiev, como nenhum outro escritor russo do início do Século XX, conseguiu refletir todas as “questões malditas” da existência humana, revelando irracionalidade do mal dentro da natureza humana e abrindo as feridas doloridas da alma humana. E tudo isso por meio da linguagem literária expressiva, plena de trágicos contrastes e das imagens simbólicas. Interpretando as ideias filosóficas de Schopenhauer e mergulhando nos abismos do “homem subterrâneo” de Dostoiévski, o escritor é veemente em sua crítica da solidão humana na sociedade e na cultura urbana. Seu universo literário é tão intenso e denso que não deixa ninguém impassível: sua obras provocam e tiram os leitores da zona de conforto. Em uma das suas últimas obras, “SOS”, Andréiev escreve: “Assim como um telegrafista no navio que no meio de escuridão está afundando, manda o ultimo pedido: “Socorro! Rápido! Estamos afundando! Salvem-nos!”, eu, movido pela fé na bondade do homem, lanço ao espaço e à escuridão meu clamor sobre as pessoas que estão afundando... A noite é escura... E o mar está assustador! Mas o telegrafista acredita e, teimoso, chama, chama até o ultimo minuto, até o ultimo fogo apagar e até seu telégrafo ficar mudo para sempre”.
CL: Poderia destacar um trecho que você considera especial no livro “Conversa noturna e outras histórias”?
EV: “Uma inflexível e enigmática fatalidade pairou sobre Vassíli Fivéiski durante toda a sua vida. Como se amaldiçoado por um feitiço desconhecido, desde a juventude ele carregou um pesado fardo de tristeza, doença e pesar, e as feridas que sangravam em seu coração jamais cicatrizavam. Ele se sentia solitário em meio às pessoas, como um planeta em meio aos outros planetas, e parecia que um ar peculiar, destrutivo e pernicioso, rodeava-o como uma nuvem invisível e transparente.” (A vida de Vassíli Fivéiski (1904) p.273)
CL: Perguntas rápidas:
Um livro: “O idiota”, de F. Dostoiévski.
Um autor ou autora: Lev Tolstói
Um ator ou atriz: Daniel Day-Lewis
Um filme: tantos… não posso escolher apenas um
Um dia especial: 21 de março – início do novo ano astrológico, energias renovadas
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