Wallace William de Sousa - Foto divulgação |
Wallace William de Sousa é professor, tradutor e escritor. Como contista, participou de antologias de diversas editoras, sempre voltando seu trabalho para o Terror, Fantasia e Realismo Fantástico. Seu primeiro livro, “A Ponte Entre os Dois Mundos”, lançado pela Editora Pendragon, é uma fantasia moderna e com toques de terror, que trata de temas como juventude, tradição, família e a relação entre culturas estrangeiras e nativas. Também autor do blog “Óbvio e Não Tão Óbvio”, sobre literatura, cultura geek e música.
ENTREVISTA:
Conexão Literatura: Poderia contar para os nossos leitores como foi o seu início no meio literário?
Wallace: Boa tarde, agradeço muito à revista Conexão Literatura pela oportunidade. Eu escrevo desde sempre. Tive sorte de pertencer em uma família onde a leitura foi algo incentivado desde cedo pela minha mãe. Também tive primos e amigos que ajudaram bastante não apenas com o incentivo à leitura, mas também com a prática da criatividade, através de jogos e coisas assim. Assim, me tornei um leitor muito cedo e acho que descobri que queria ser escritor ainda cedo também. Mas, como também é comum, a vida me levou por outros caminhos profissionais e a ideia de ser escritor meio que ficou para trás, mesmo que nunca desaparecendo completamente da cabeça. Um dia, navegando pela internet, eu vi um edital sobre uma antologia de contos de terror pela Editora Pendragon e decidi participar. Foi o meu primeiro conto e o escrevi sem expectativa nenhuma, mas fiquei muito feliz quando ele foi escolhido. Naquele momento, comecei a participar de diversas antologias, ao mesmo tempo em que aprendia sobre o meio literário e o mercado. Fiz isso também para aprimorar a escrita, uma vez que tinha plena consciência de que precisava melhorar muito se quisesse ter alguma chance no mercado um dia. Após alguns contos que foram bem sucedidos o suficiente para serem elogiados (por editores ou leitores), eu decidi arriscar escrever meu primeiro livro, A Ponte Entre os Dois Mundos, lançado ano passado, novamente pela Editora Pendragon.
Conexão Literatura: Você é autor do livro “A Ponte Entre os Dois Mundos” (Editora Pendragon). Poderia comentar?
Wallace: É o meu primeiro livro e admito que estou bastante feliz com ele. É uma fantasia moderna com toques de terror, que trata de questões sobre identidade, cultura, representatividade e juventude. No livro, temos uma protagonista que começa a ser assombrada por criaturas que ela conhecia apenas dos contos de fadas contados por sua avó, uma idosa imigrante russa. Para pedir ajuda ela recorre aos seus amigos de origem indígena, buscando uma magia nativa para lutar contra eles. E o livro trata basicamente sobre isso, sobre como as culturas que vieram com os imigrantes interagem com as culturas nativas, sobre onde termina o "estrangeiro" e onde começa o "brasileiro". Apesar de ter uma protagonista adolescente, a leitura pode ser bem densa e dramática, dependendo do foco que o leitor der aos pontos de discussão ou à situação pessoal de Tatiana. E claro, é uma fantasia, trata de magia e criaturas fantásticas, além de eu ter feito o possível para deixar a atmosfera bastante onírica. Até o momento, pelas críticas recebidas, parece ter funcionado.
Conexão Literatura: Como foram as suas pesquisas e quanto tempo levou para concluir seu livro?
Wallace: As pesquisas seguiram duas linhas. Sobre o folclore e a imigração russa no Brasil e sobre a cultura dos povos indígenas Terena. No primeiro caso não foi difícil encontrar fontes, a questão dos povos que migraram para o Brasil é algo que possui uma documentação vasta, ainda que por vezes confusa. Sobre os indígenas, por outro lado, a situação foi bem mais difícil. Eu havia assistido uma excelente palestra sobre os Terena em um evento que participei anos atrás, sobre sua cultura, mitologia e cosmologia, e tentei utilizar as informações que ali absorvi como linha-guia para minha pesquisa. A cultura Terena, além de belíssima, é muito vasta e é triste pensar como são necessários documentos que compilem e tornem acessível esse tipo de informação. Aliás, não apenas sobre eles, mas sobre as mais diversas etnias indígenas do nosso país. Hoje temos muito mais informação do que anos atrás, mas isso ainda é um grão de areia perto do que precisamos e do que é justo para com os primeiros habitantes da nossa terra.
Conexão Literatura: Poderia destacar um trecho do qual você acha especial em seu livro?
Wallace: É muito difícil escolher um único momento, mas gosto muito de quando Tatiana conversa com a avó sobre sua partida da União Soviética:
Naquele dia até os soldados soviéticos beberam e festejaram com a gente. E eles eram nossos pais, filhos, sobrinhos, primos, vizinhos. Apesar das leis duras, sempre era possível conseguir uma rota de fuga. Com alguns documentos arranjados, e toda a bebida e cansaço do dia anterior, conseguimos entrar em um navio de cargas que nos levou até o Mar Negro. Apenas um punhado de famílias. Nós chorávamos enquanto víamos a costa e tudo aquilo o que éramos se afastando. Havia o temor de que os barcos militares nos parassem, mas não aconteceu. A viagem correu tranquila, quase como se fôssemos abençoados no caminho. Algumas crianças até diziam que viam as russalki, as mulheres d’água, nadando nas águas do Dniepre até chegarmos ao Mar Negro; outras diziam que viam o rosto de um severo, mas gentil, homem barbado nas águas. E acho que acreditávamos nisso tanto quanto elas.
Logo chegamos à Bulgária, onde parte da carga foi descarregada e mais famílias surgiram, mais famílias desesperadas que deixavam suas vidas em troca da esperança em um novo mundo. Nem sempre nos entendíamos e nem falávamos a mesma língua, mas cantávamos nossas canções, eles cantavam as deles, partilhávamos nossas histórias. Apesar da dificuldade com o idioma, sempre havia algum viajante ou pessoa estudada que falava a língua do outro. E logo as crianças, tanto de origem russa, ucraniana ou búlgara, estavam falando das mulheres d’água que nos acompanhavam da costa.
Então veio a passagem pela Turquia e a Macedônia. Famílias turcas se juntaram a nós, ainda mais diferentes que as búlgaras, com religião diferente, mas que também tinham esperanças e também cantavam. E naquele momento as noites no navio eram recheadas de canções em russo, ucraniano, búlgaro e turco, cada um no seu canto, mas todos com as mesmas esperanças. As crianças se davam melhor umas com as outras, e não era incomum voltarem contando histórias de espíritos da areia que eram feitos de fogo, bem como de gênios nos quais os antigos navegadores punham confiança para ter vento, mesmo que nosso barco não fosse à vela. Quando finalmente chegamos ao Egeu, recebemos famílias gregas. Naquele momento, o barco finalmente estava ficando cheio. Gregos e turcos não se gostavam, e o clima ficou mais azedo. Ainda assim, as crianças continuavam se misturando e falando sobre mulheres d’água na costa, bem como agora surgiam histórias de cavalos formados pelas ondas do mar.
Então entramos para o Mediterrâneo e a viagem finalmente começou a ficar longa. Já não tentávamos mais conversar uns com os outros, apenas entre os nossos, e olhávamos uns aos outros com desconfiança. Eu não entendia o porquê. Pelo que todos diziam, já estávamos fora do território soviético, não corríamos mais risco. Mas o medo e o receio deram lugar à desconfiança e ao preconceito. Não cantávamos mais, a não ser as crianças. Adoecemos. Muitos, de todos os povos amontoados naquele navio, não sobreviveram à travessia do Atlântico. Mas as crianças sempre voltavam a nós, lembrando-nos de nossas canções e cantando novas, muitas vezes em idiomas que nem elas entendiam direito.
Acho que tudo o que passamos no navio foi uma preparação para quando chegássemos ao Brasil. Se não conseguíssemos viver com um punhado de famílias de três, quatro povos diferentes, como viveríamos aqui, com centenas deles? Estávamos tão preocupados com ‘nós e eles’ e esquecemos que todos ali queriam as mesmas coisas, sonhavam sonhos semelhantes. Estávamos tão preocupados em manter nossas canções que nem nos preocupamos em saber se as canções deles eram belas. Acho que as crianças deram o melhor exemplo naquela viagem. Quer dizer, não esquecer nossas canções não significava que não poderíamos aprender novas, não é?
Conexão Literatura: Como o leitor interessado deverá proceder para adquirir um exemplar do seu livro e saber um pouco mais sobre você e o seu trabalho literário?
Wallace: O livro físico pode ser encontrado na página da Editora Pendragon (https://www.editorapendragon.com.br) ou diretamente comigo, na minha página do Facebook (https://www.facebook.com/wallacewilliamdesousa) ou do Instagram (https://www.instagram.com/wallacewilliamdesousa), que também são os veículos que mais uso para a divulgação de novidades sobre meu trabalho. O e-book, por sua vez, pode ser encontrado na Amazon. Ainda não tenho um site próprio disponível na internet, mas está nos planos para breve. E também tenho um blog onde por vezes posto sobre literatura, música e cultura geek, chamado Óbvio e Não Tão Óbvio (obviomasnaotaoobvio.wordpress.com)
Conexão Literatura: Existem novos projetos em pauta?
Wallace: Muitos, mas a maioria ainda em estado embrionário. Posso dizer que, de mais adiantado, tenho uma fantasia Steampunk ambientada nos últimos dias do Brasil Império, onde subverto alguns dos clichês do estilo em nome da ambientação nacional; e uma fantasia histórica ambientada na Grã-Bretanha Pós-Romana, quando as legiões já haviam partido e a ilha enfrentava ataques constantes ataques de Pictos e Escotos, vendo a civilização que os romanos ali construíram ruir dia-a-dia. Além de outras ideias, já sendo trabalhadas, ou no mínimo pensadas, inclusive uma continuação para "A Ponte Entre os Dois Mundos".
Perguntas rápidas:
Um livro: "O Velho e o Mar", de Ernest Hemingway
Um (a) autor (a): Neil Gaiman
Um ator ou atriz: Tilda Swinton
Um filme: O Labirinto do Fauno
Um dia especial: muitos, mas espero que o melhor ainda esteja por vir
Conexão Literatura: Deseja encerrar com mais algum comentário?
Wallace: Gostaria de agradecer a oportunidade à Revista Conexão Literatura, pelo apoio a autores nacionais em início de carreira, e a todos os meus leitores, atuais e futuros, pela chance que deram ao meu trabalho. Sei que não é fácil apoiar a cultura no Brasil, mas o apoio é essencial para que os artistas continuem a evoluir a consigam apresentar trabalhos cada vez melhores no futuro.
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