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domingo, 7 de julho de 2019

O que é fascismo e outros ensaios - por Gian Danton



George Orwell é mais conhecido por seus livros de ficção, em especial A revolução dos bichos e 1984. Entretanto, ele era um grande ensaísta. Seus textos límpidos, com argumentação clara e rigorosa influenciaram muita gente, inclusive o maior articulista brasileiro, Paulo Francis. Durante muito tempo esses textos permaneceram inéditos no Brasil, mas agora estão sendo publicados pela Companhia das Letras. Entres eles se destaca O que é fascismo e outros ensaios, de grande relevância nos tempos atuais.
Um dos destaques do volume é o prefácio de Sérgio Augusto, organizador do volume. É leitura obrigatória para os que conhecem pouco de Orwell.
Muita gente que leu apenas seus livros mais famosos acha que Orwell era um aristocrata inglês que escrevia seus livros enquanto um mordomo lhe servia chá e, nos intervalos, conversava com empresários estratégias sobre como manter as engrenagens do capitalismo funcionando.
Nada mais falso. Orwell escreveu a maior parte de seus textos em um jornal socialista, o Tribune e foi inclusive mendigo (experiência que ele relata no livro Na pior em Paris e Londres). Seu objetivo era fazer do texto político uma arte. Era um pertinaz defensor das causas perdidas, como a defesa da liberdade de expressão, definida por ele como “O direito de dizer às pessoas aquio que elas não queriam ouvir” e, por tabela, contra o totalitarismo de qualquer matriz. Assim, em seu livro restam críticas severas tanto à esquerda quanto à direita.
Se tivesse vivido um pouco mais, Orwell teria visto os direitos do seu livro A revolução dos bichos ser comprado secretamente por um agente da CIA. Transformaram a poderosa alegoria política de Orwell em uma peça de propaganda anticomunista e chegaram ao ponto de introduzir-lhe um happy end. O desenho animado rodou o mundo com recursos patrocinados pelo Departamento de Estado americano. Enquanto isso, Orwell deveria estar se revirando na cova.
O artigo que dá título ao volume é um dos mais interessantes do livro. Orwell não explica o que é fascismo: ao contrário, mostra como essa palavra foi perdendo significado ao ser usada como ofensa a ponto de tudo e todos poderem ser classificados de fascistas (ele mesmo já foi chamado de fascista). Algo, aliás, que ocorre ainda nos dias atuais. Da mesma forma, outras palavras de uso político, como comunista ou esquerdista perderam seus significados ao serem usados como palavrões. Quando se vê alguém chamando o Estadão de esquerdista, percebe-se que a palavra perdeu completamente qualquer significação.
Uma das maiores críticas de Orwell é ao chamado “realismo político”, um ponto de vista utilitário. Assim, por exemplo, a direita liberal inglesa fechou completamente os olhos para a ascensão de Hitler e para a guerra iminente em decorrência da incapacidade da classe endinheirada inglesa de acreditar que havia qualquer “coisa de errado em campos de concentração, guetos, massacres (...)”. Por outro lado, a esquerda, em nome desse realismo, fez alianças as mais duvidosas possíveis. Um capítulo que exemplifica bem esse ponto de vista é a resenha de um livro sobre Mussolini. Ele é capturado pelos aliados e levado a julgamento. Mas pede testemunhas e segue-se toda a classe de elogios de políticos ingleses a ele antes do início a guerra.
Embora esteja falando da Europa, Orwell parece estar escrevendo sobre o Brasil quando declara: “Se há uma saída para a pocilga moral em que estamos vivendo, o primeiro passo nessa direção é provavelmente perceber que o realismo não compensa”.
De todo o volume o texto mais interessante e reflexivo é “Socialistas podem ser felizes?”. Nele, Orwell reflete sobre a questão das utopias. Uma das suas análises diz respeito ao livro As viagens de Gulliver, de Jonathan Swift, que ele admirava muito e serviu de base para A revolução dos bichos (ambos são alegorias políticas). Orwell argumenta que os primeiros capítulos são primorosos: “Cada uma de suas palavras é relevante hoje em dia; há trechos que contém profecias bem detalhadas dos horrores políticos de nosso tempo”. Swift, no entanto, fracassa ao tentar descrever uma raça de seres que ele realmente admira.
Dessa forma, tanto o céu quanto a utopia são fiascos, locais impossíveis de se descrever sem parecer enfadonho, chato – ao contrário do inferno, que sempre mereceu vívidas descrições de grande sucesso. A felicidade, argumenta Orwell, só funciona em contraste com a infelicidade. Quando ela se torna eterna, deixa de funcionar. Qualquer um que já tenha assistido um episódio da série clássica Jornada nas Estrelas sabe que essa discussão permeia boa parte dos episódios – o que mostra o quanto a discussão de Orwell ainda era atual na década de 1960 e continua atual hoje. Não por acaso, o autor ficou famoso não por uma utopia, mas por uma distopia, 1984.   

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