George
Orwell é mais conhecido por seus livros de ficção, em especial A revolução dos
bichos e 1984. Entretanto, ele era um grande ensaísta. Seus textos límpidos,
com argumentação clara e rigorosa influenciaram muita gente, inclusive o maior
articulista brasileiro, Paulo Francis. Durante muito tempo esses textos
permaneceram inéditos no Brasil, mas agora estão sendo publicados pela
Companhia das Letras. Entres eles se destaca O que é fascismo e outros ensaios,
de grande relevância nos tempos atuais.
Um
dos destaques do volume é o prefácio de Sérgio Augusto, organizador do volume.
É leitura obrigatória para os que conhecem pouco de Orwell.
Muita
gente que leu apenas seus livros mais famosos acha que Orwell era um
aristocrata inglês que escrevia seus livros enquanto um mordomo lhe servia chá
e, nos intervalos, conversava com empresários estratégias sobre como manter as
engrenagens do capitalismo funcionando.
Nada
mais falso. Orwell escreveu a maior parte de seus textos em um jornal
socialista, o Tribune e foi inclusive mendigo (experiência que ele relata no
livro Na pior em Paris e Londres). Seu objetivo era fazer do texto político uma
arte. Era um pertinaz defensor das causas perdidas, como a defesa da liberdade
de expressão, definida por ele como “O direito de dizer às pessoas aquio que
elas não queriam ouvir” e, por tabela, contra o totalitarismo de qualquer
matriz. Assim, em seu livro restam críticas severas tanto à esquerda quanto à
direita.
Se
tivesse vivido um pouco mais, Orwell teria visto os direitos do seu livro A
revolução dos bichos ser comprado secretamente por um agente da CIA.
Transformaram a poderosa alegoria política de Orwell em uma peça de propaganda
anticomunista e chegaram ao ponto de introduzir-lhe um happy end. O desenho
animado rodou o mundo com recursos patrocinados pelo Departamento de Estado
americano. Enquanto isso, Orwell deveria estar se revirando na cova.
O
artigo que dá título ao volume é um dos mais interessantes do livro. Orwell não
explica o que é fascismo: ao contrário, mostra como essa palavra foi perdendo
significado ao ser usada como ofensa a ponto de tudo e todos poderem ser
classificados de fascistas (ele mesmo já foi chamado de fascista). Algo, aliás,
que ocorre ainda nos dias atuais. Da mesma forma, outras palavras de uso
político, como comunista ou esquerdista perderam seus significados ao serem
usados como palavrões. Quando se vê alguém chamando o Estadão de esquerdista,
percebe-se que a palavra perdeu completamente qualquer significação.
Uma
das maiores críticas de Orwell é ao chamado “realismo político”, um ponto de
vista utilitário. Assim, por exemplo, a direita liberal inglesa fechou
completamente os olhos para a ascensão de Hitler e para a guerra iminente em
decorrência da incapacidade da classe endinheirada inglesa de acreditar que
havia qualquer “coisa de errado em campos de concentração, guetos, massacres
(...)”. Por outro lado, a esquerda, em nome desse realismo, fez alianças as
mais duvidosas possíveis. Um capítulo que exemplifica bem esse ponto de vista é
a resenha de um livro sobre Mussolini. Ele é capturado pelos aliados e levado a
julgamento. Mas pede testemunhas e segue-se toda a classe de elogios de políticos
ingleses a ele antes do início a guerra.
Embora
esteja falando da Europa, Orwell parece estar escrevendo sobre o Brasil quando
declara: “Se há uma saída para a pocilga moral em que estamos vivendo, o
primeiro passo nessa direção é provavelmente perceber que o realismo não
compensa”.
De
todo o volume o texto mais interessante e reflexivo é “Socialistas podem ser
felizes?”. Nele, Orwell reflete sobre a questão das utopias. Uma das suas
análises diz respeito ao livro As viagens de Gulliver, de Jonathan Swift, que
ele admirava muito e serviu de base para A revolução dos bichos (ambos são
alegorias políticas). Orwell argumenta que os primeiros capítulos são
primorosos: “Cada uma de suas palavras é relevante hoje em dia; há trechos que
contém profecias bem detalhadas dos horrores políticos de nosso tempo”. Swift,
no entanto, fracassa ao tentar descrever uma raça de seres que ele realmente
admira.
Dessa
forma, tanto o céu quanto a utopia são fiascos, locais impossíveis de se
descrever sem parecer enfadonho, chato – ao contrário do inferno, que sempre
mereceu vívidas descrições de grande sucesso. A felicidade, argumenta Orwell,
só funciona em contraste com a infelicidade. Quando ela se torna eterna, deixa
de funcionar. Qualquer um que já tenha assistido um episódio da série clássica
Jornada nas Estrelas sabe que essa discussão permeia boa parte dos episódios –
o que mostra o quanto a discussão de Orwell ainda era atual na década de 1960 e
continua atual hoje. Não por acaso, o autor ficou famoso não por uma utopia,
mas por uma distopia, 1984.
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