João Barone, autor e membro da banda Os Paralamas do Sucesso, é destaque da nova edição da Revista Conexão Literatura – Setembro/nº 111

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quarta-feira, 16 de março de 2022

Dentro da baleia e outros ensaios

 



George Orwell é mais conhecido pelos livros 1984 e Revolução dos bichos. Mas ele tem uma ampla produção que inclui romances, ensaios, artigos e reportagens. Nessa última categoria, uma boa dica é o volume Dentro da baleia e outros ensaios, lançado este ano pela Principis.

O livro reúne nove textos de Orwell sobre os mais variados temas, mas com algo em comum: todos eles falam, de uma forma ou de outra de outra, de política.

Entre os destaques está “O abate do elefante”. O texto narra um episódio da vida de Orwell, quando ele fazia parte do exército colonial na Birmânia. Um elefante enlouquecera numa crise de hormônios e matara um homem. Quando Orwell encontrou o animal, ele, no entanto, pastava calmamente e não parecia mais perigoso que uma vaca. No entanto, a população local o pressionava para matar o animal, o que ele acabou fazendo. “Percebi naquele momento que, quando o homem branco se torna um tirano, é a própria liberdade que ele destrói”. Ele se transformaria, assim, numa marionete dos acontecimentos, pois, a cada crise, ele precisa fazer exatamente o que se espera dele. O dominador se torna, assim, prisioneiro do próprio papel que executa.

No campo do jornalismo, o grande destaque do livro é “Mina abaixo” na qual Orwell relata o cotidiano dos trabalhadores das minas de carvão.

Na época, toda a civilização inglesa era baseada na energia provida pelo carvão, mas a maioria dos ingleses não tinha a menor ideia de como ele era extraído. Ele parecia surgir como mágica em sacos na frente das casas. Mas, por trás desse produto que era a chave da comodidade da maioria das famílias escondia-se um cotidiano que Orwell chama de infernal: “A maior parte das coisas que se imagina existir no inferno está presente: calor, barulho, confusão, escuridão, ar viciado e, acima de tudo, um espaço insuportavelmente apertado”.

O local era tão quente que a maioria dos mineiros trabalhava de cueca, ou nus, durante sete horas ou mais, parando apenas para comer uma refeição de pão encharcado em gordura e chá gelado. Para mitigar a sede, a maioria dos mineiros mascava tabaco.

Orwell, que entrou de fato numa mina e experimentou trabalhar como mineiro, faz uma verdadeira reportagem gonzo, a ponto de narrar até mesmo momentos constrangedores: “Mas quando chega ao fim da sequencia de travas e tenta se levantar de novo, descobre que seus joelhos estão temporariamente travados e se recusam a sustentá-lo. Envergonhado, pede uma pausa e diz que gostaria de descansar por um ou dois minutos”.

Mas, de todo o livro, talvez o texto mais importante seja “A política e a língua inglesa”. Como o próprio título sugere, Orwell se dedica a analisar como a linguagem pode ser usada politicamente. O escritor analisa vários textos publicados em jornais e revistas da época e percebe que todos sofrem dos mesmos males, sendo os principais o mofo das imagens e a falta de precisão. Para a maioria dos autores desses textos, “é totalmente indiferente o fato das palavras significarem alguma coisa ou não”.

Segundo Orwell, o texto moderno no que tem de pior não consite na escolha de palavras com base no que significavam e na criação de imagens que tornem o significado mais claro, mas consiste numa “colagem de longas filas de palavras que já foram postas em ordem por outra pessoa e, em tornar os resultados apresentáveis por meio do mais explícito embuste”.

Essa linguagem empolada, mas totalmente desprovida de significado é uma forma de manipulação política, pois é constantemente usada para defender o indefensável: “Coisas como a continuidade do domínio britânico na Índia, os expurgos e deportações na Rússia, o lançamento das bombas atômicas sobre o Japão”.

O curiso é que, embora Orwell tivesse noção de como um discurso prolixo, empolado e sem significado era a melhor forma de usar a linguagem como forma de dominação política, Orwell escolheu o caminho oposto na distopia 1984, em que o domínio acontece pela redução da linguagem.

A edição da Principis peca pela falta de textos introdutórios, o que é compensado pela boa qualidade gráfica e, principalmente pelo preço, extremamente popular (eu comprei por R$ 9,90).

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