George
Orwell é mais conhecido pelos livros 1984 e Revolução dos bichos. Mas ele tem
uma ampla produção que inclui romances, ensaios, artigos e reportagens. Nessa
última categoria, uma boa dica é o volume Dentro da baleia e outros ensaios,
lançado este ano pela Principis.
O livro
reúne nove textos de Orwell sobre os mais variados temas, mas com algo em
comum: todos eles falam, de uma forma ou de outra de outra, de política.
Entre os
destaques está “O abate do elefante”. O texto narra um episódio da vida de
Orwell, quando ele fazia parte do exército colonial na Birmânia. Um elefante
enlouquecera numa crise de hormônios e matara um homem. Quando Orwell encontrou
o animal, ele, no entanto, pastava calmamente e não parecia mais perigoso que
uma vaca. No entanto, a população local o pressionava para matar o animal, o
que ele acabou fazendo. “Percebi naquele momento que, quando o homem branco se
torna um tirano, é a própria liberdade que ele destrói”. Ele se transformaria,
assim, numa marionete dos acontecimentos, pois, a cada crise, ele precisa fazer
exatamente o que se espera dele. O dominador se torna, assim, prisioneiro do
próprio papel que executa.
No campo do
jornalismo, o grande destaque do livro é “Mina abaixo” na qual Orwell relata o
cotidiano dos trabalhadores das minas de carvão.
Na época,
toda a civilização inglesa era baseada na energia provida pelo carvão, mas a
maioria dos ingleses não tinha a menor ideia de como ele era extraído. Ele
parecia surgir como mágica em sacos na frente das casas. Mas, por trás desse
produto que era a chave da comodidade da maioria das famílias escondia-se um
cotidiano que Orwell chama de infernal: “A maior parte das coisas que se
imagina existir no inferno está presente: calor, barulho, confusão, escuridão,
ar viciado e, acima de tudo, um espaço insuportavelmente apertado”.
O local era
tão quente que a maioria dos mineiros trabalhava de cueca, ou nus, durante sete
horas ou mais, parando apenas para comer uma refeição de pão encharcado em
gordura e chá gelado. Para mitigar a sede, a maioria dos mineiros mascava
tabaco.
Orwell, que
entrou de fato numa mina e experimentou trabalhar como mineiro, faz uma
verdadeira reportagem gonzo, a ponto de narrar até mesmo momentos
constrangedores: “Mas quando chega ao fim da sequencia de travas e tenta se
levantar de novo, descobre que seus joelhos estão temporariamente travados e se
recusam a sustentá-lo. Envergonhado, pede uma pausa e diz que gostaria de
descansar por um ou dois minutos”.
Mas, de todo
o livro, talvez o texto mais importante seja “A política e a língua inglesa”.
Como o próprio título sugere, Orwell se dedica a analisar como a linguagem pode
ser usada politicamente. O escritor analisa vários textos publicados em jornais
e revistas da época e percebe que todos sofrem dos mesmos males, sendo os
principais o mofo das imagens e a falta de precisão. Para a maioria dos autores
desses textos, “é totalmente indiferente o fato das palavras significarem
alguma coisa ou não”.
Segundo
Orwell, o texto moderno no que tem de pior não consite na escolha de palavras
com base no que significavam e na criação de imagens que tornem o significado
mais claro, mas consiste numa “colagem de longas filas de palavras que já foram
postas em ordem por outra pessoa e, em tornar os resultados apresentáveis por
meio do mais explícito embuste”.
Essa
linguagem empolada, mas totalmente desprovida de significado é uma forma de
manipulação política, pois é constantemente usada para defender o indefensável:
“Coisas como a continuidade do domínio britânico na Índia, os expurgos e
deportações na Rússia, o lançamento das bombas atômicas sobre o Japão”.
O curiso é
que, embora Orwell tivesse noção de como um discurso prolixo, empolado e sem
significado era a melhor forma de usar a linguagem como forma de dominação
política, Orwell escolheu o caminho oposto na distopia 1984, em que o domínio
acontece pela redução da linguagem.
A edição da
Principis peca pela falta de textos introdutórios, o que é compensado pela boa
qualidade gráfica e, principalmente pelo preço, extremamente popular (eu comprei
por R$ 9,90).
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