Eu gosto de
narrações em off. Mal feitas, elas se tornam muletas narrativas, contando o que
as imagens já estão narrando, mas bem feitas, elas ajudam a dar significados às
imagens e aprofundar a trama, a ambientação e os personagens. Ótimo exemplo
desse segundo caso é O tigre branco, filme do indiano Ramin Bahrani, de 2021.
O filme
conta a história de Balram Halwai, um garoto prodígio de um pequeno vilarejo da
Índia, que, apesar dos ótimos resultados na escola, é obrigado pela família a
parar os estudos para trabalhar em uma loja de chás.
Mas a vida
de Balram começa a mudar quando o filho mais novo da família de mafiosos volta
dos EUA e ele vê a possibilidade de se tornar motorista do mesmo. O filme
começa no meio da história, quando a esposa do rapaz pega o carro e Balram
assiste do banco de trás, prevendo que algo errado irá acontecer. Então começa
a narrativa em off, segundo a qual aquela era a maneira errada de começar uma
história, já que na Índia sempre se começa com um oferecimento aos deuses.
A narrativa
aqui funciona como desconstrução tanto dos filmes indianos (há outros momentos
de desconstrução, inclusive com quebra da quarta parede, no final), quanto da
imagem que se tem da Índia. A índia paradisíaca e turística não combina com a
Índia real, em que um emprego de motorista é disputado de todas as formas e o
sistema de castas parece subsistir até os dias atuais – com possibilidades
mínimas de ascenção social. É também uma desconstrução do discurso de
empreendedorismo. À certa altura, o personagem diz: Só existem duas formas de
um pobre subir na vida em meu país: através do crime e da política. No seu país
também é assim?
O tom
sociológico pode dar a entender que se trata de um filme modorrento, chato, mas
é exatamente o oposto disso que vemos em O tigre branco. Tanto a primeira
parte, dominada pelo otimismo e com pegadas de humor, quando a segunda e
sombria parte funcionam muito bem como narrativa envolvente.
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