A arte queer do fracasso investiga alternativas e rotas de fuga a estruturas hegemônicas que relacionam sucesso a ascensão social e estilos de vida produtivos
Numa sociedade capitalista e heteronormativa o sucesso é recompensa natural para quem segue o padrão dominante. Já o insucesso pesa sobre os que não se enquadram, os losers. Mas e se o fracasso for apenas o reflexo de uma forma diferente de pensar, uma via paralela que se contrapõe a estratégias de manipulação de massa? O selo Suplemento Pernambuco, da Cepe Editora, lança no Brasil o primeiro livro do escritor e teórico norte-americano, Jack Halberstam, traduzido para o português: A arte queer do fracasso. Neste ensaio fundamental para os estudos queer, o autor transita por obras artísticas e produtos midiáticos, contrariando a lógica comum do sucesso. A obra pode ser encontrada nas principais livrarias do Brasil.
Publicado originalmente nos Estados Unidos em 2011, o título de Halberstam, que é professor titular no Departamento de Inglês e diretor do Instituto de Pesquisa sobre Mulheres, Gênero e Sexualidade na Universidade de Columbia, Nova Iorque, chega ao Brasil com atraso de quase uma década. Gap compensado pelo Suplemento Pernambuco com a iniciativa de editá-lo.
"O autor parte de animações como Bob Esponja Calça Quadrada, Toy Story e filmes de apelo popular, como Cara, cadê meu carro?, passando ainda por Sigmund Freud, Michel Foucault, W. G. Sebald e pelas imagens eróticas de Tom of Finland. Parece que nada escapa ao seu desejo de nos fazer enxergar a rigidez das normas do capitalismo ao redor. Halberstam propõe que praticar o fracasso talvez nos incite a nos distrairmos, a nos desviarmos, a nos perdermos e ao reconhecimento benjaminiano de que a empatia com o vencedor acaba sempre beneficiando o dominador", destaca o editor do Suplemento Pernambuco, Schneider Carpeggiani.
Para o prefaciador Denilson Lopes, escritor e pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro, esta edição representa a oportunidade do brasileiro conhecer um dos autores mais peculiares e influentes na relação com os estudos queer, os estudos trans e o debate sobre a cultura e a arte nos Estados Unidos. "O fracasso remete a uma ética para aqueles que não optaram pelo sucesso ou não conseguem estar no lugar dos bem-sucedidos, no centro do poder", diz.
Logo nas primeiras páginas o leitor se depara com a provocação de Halberstam ao dedicar a obra a todas as pessoas fracassadas da história. E no desenvolvimento do ensaio desmantela a lógica do sucesso lembrando que o fracasso anda acompanhado de toda sorte de emoções negativas, mas proporciona a oportunidade de usar essas emoções para espetar e fazer furos na positividade tóxica da vida contemporânea.
Para fundamentar seu raciocínio o teórico analisa obras produzidas pela indústria do entretenimento, desde a Pequena Miss Sunshine, Oscar de Melhor Roteiro Original em 2006, até o clássico romance punk de Irvine Welch, Trainspotting (1996), com um romance incontestavelmente não queer sobre fracasso, decepção, vício e violência que se passa em um bairro pobre de Edinburgh.
Um dos pilares do sucesso é o incansável mantra do pensamento positivo. O autor cita teóricos como a escritora feminista Barbara Ehrenreich que em seu título Sorria comprova como esse ideal enfraqueceu a América (2013). "O pensamento positivo é um sofrimento estadunidense, uma ilusão em massa que emerge de uma combinação do excepcionalismo estadunidense e um desejo de acreditar que o sucesso acontece a pessoas boas e o fracasso é apenas uma consequência de um comportamento ruim e não de condições estruturais. Pensamento positivo é oferecido nos Estados Unidos como cura para câncer, um caminho para riquezas incalculáveis e uma forma infalível de engendrar nosso próprio sucesso", analisa.
Para Halberstam do ponto de vista do feminismo, apostar no fracasso tem sido melhor do que apostar no sucesso. Ele avalia que no contexto em que o sucesso da mulher é sempre medido a partir de padrões masculinos, e o fracasso do gênero com frequência significa estar livre da pressão de se igualar aos ideais patriarcais, não ser bem-sucedida pode oferecer prazeres inesperados. "De várias formas, essa tem sido a mensagem de muitas feministas renegadas no passado. Monique Wittig (1992) defendia, na década de 1970, que se a mulheridade depender de padrões heterossexuais, então lésbicas não são mulheres, e se lésbicas não são mulheres, elas então ficam fora das normas patriarcais e podem recriar um pouco do sentido que há no gênero delas", diz.
Os estudos queer apresentados pelo autor mostram o fracasso como alternativa existente a sistemas hegemônicos, que convencionaram associar fracasso a não conformidade, às práticas anticapitalistas, estilos de vida não reprodutivos, negatividade e crítica.
Portanto, diz, fracassar é algo que pessoas queer fazem e sempre fizeram excepcionalmente bem. "Para pessoas queer, o fracasso pode ser estilo, citando Quentin Crisp, ou um modo de vida, citando Foucault, e pode contrastar com os cenários sombrios de sucesso que dependem de tentar e tentar novamente. Aliás, se o sucesso exige tanto esforço, talvez, em longo prazo, o fracasso seja mais fácil e ofereça recompensas diferentes."
O autor
É autor de obras como Skin Shows: Gothic Horror and the Technology of Monsters (Duke University Press, 1995), Female Masculinity (Duke University Press, 1998), Gaga Feminism (Beacon Press, 2012) e Trans: A Quick and Quirky Account of Gender Variability (University of California Press, 2018). A arte queer do fracasso, lançado originalmente em 2011, é seu primeiro livro traduzido para o português.
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