Além de pesquisadora e escritora, Viviane é fotógrafa e sommelier de cerveja por diversão.
ENTREVISTA:
Conexão Literatura: Poderia contar para os nossos leitores como foi o seu início no meio literário?
Viviane Gouvêa: Sempre gostei de ler e escrever, mas nunca tinha me aventurado na redação de um livro. Mas a exacerbação da violência no governo Bolsonaro - tanto a privada, incentivada por ele e seus asseclas, com a oficial, com as polícias de todo o país sentindo-se muito confortáveis com suas práticas ilegais - me compeliu a contribuir, de alguma forma, com toda a discussão sobre a violência na sociedade brasileira. Eu já trabalhava há muito tempo no Arquivo Nacional, no setor de pesquisa e difusão, então eu tinha muito material e muitas ideias acumuladas, muito a dizer. Chegou a pandemia, uma tragédia mundial, mas por fim o ficar em casa me permitiu produzir um livro sobre o assunto. Apresentei a algumas agências e editoras, e acabei me juntado ao time da agência VBM, através de quem assinei com a editora Planeta.
Conexão Literatura: Você é autora do livro "Extermínio - Duzentos anos de um Estado genocida" (Editora Planeta). Poderia comentar?
Viviane Gouvêa: Extermínio: 200 anos de um Estado genocida conta com oito capítulos, cada um deles dedicado a alguma atuação específica das nossas instituições no sentido de fazer uso ilegal do aparato policial e militar para reprimir demandas e movimentos sociais, em diferentes regiões do Brasil, em diferentes épocas desde a Independência, contra diferentes grupos. O livro busca mostrar o quanto essa violência ilegal, sistemática e seletiva – em geral contra pobres, não-brancos, trabalhadores _ foi fundamental na formação do nosso Estado e como é crucial, até hoje, para manter os níveis de exclusão e desigualdade absurdos com os quais convivemos, aliás, únicos em democracias. O livro se concentra em períodos liberais ou democráticos justamente para mostrar como os mecanismos de repressão ilegal e seletiva não apenas sobrevivem mas mantêm sua utilidade fora de períodos de ditadura.
Da cabanagem, nos anos 1830, às chacinas nas favelas
como as de Jacarezinho e Vigário Geral, no Brasil contemporâneo, Extermínio
levanta questões acerca dos reflexos dessa violência oficial nos nossos ódios
cotidianos.
O livro traz documentos de várias origens, em geral produzidos na época em que ocorreram os eventos narrados, como forma de apresentar a um público leigo e talvez mais inexperiente em termos de pesquisa o que são fontes de informação, e o que há por trás dessas fontes: a dor de seres humanos comuns.
Conexão Literatura: Como é o seu processo de criação? Quais são as suas inspirações?
Viviane Gouvêa: Quando eu era adolescente eu li um livro chamado Brasil Nunca Mais, lançado em 1985. A obra é resultado de um projeto exaustivo e corajoso, organizado por religiosos de três agremiações distintas, uma compilação de casos de tortura e morte perpetrados pelas autoridades durante o governo militar, casos pesquisados e documentados, inclusive no próprio Superior Tribunal Militar. Duas coisas me impressionaram no livro: a violência desmedida de agentes oficiais, e os registros, a documentação dessas violências, os casos individuais, as tragédias pessoais. Acho que ter contato com esse tipo de documentação em primeira mão ajuda a transformar números em pessoas.
Eu tento escrever um pouco como se estivesse conversando. O livro não é de forma alguma acadêmico, é um livro de popularização da nossa história, então não tenho compromisso com uma estrutura rígida que um trabalho acadêmico exigiria. Mas tenho um compromisso com a verdade possível, e através dos registros encontrados em várias instituições de guarda (além do Arquivo Nacional, Museu do Índio e Casa Rui são alguns outros exemplos) busco contar a história que arrasou com a vida de tantas pessoas.
Conexão Literatura: Poderia destacar um trecho do seu livro especialmente para os nossos leitores?
Viviane Gouvêa: Nenhum aparato estatal no mundo funciona sem violência _ o monopólio do seu uso (legítimo), na verdade, é considerado por muitos um caráter definidor do Estado. Mas o nível de violência oficial discricionária e ilegal é historicamente elevado em determinadas regiões do globo, e no Brasil esse nível não apenas é elevado, mas apoiado por camadas da sociedade que não se beneficiam dela.
É preciso tirar o chapéu para uma elite mesquinha e perversa como a nossa (como muitas delas, planeta afora) que conseguiu incendiar o país várias vezes com o apoio ativo de cidadãos que não tinham como escapar da fumaça ou das chamas. Foi com frequência prodigiosa que elas (nossas elites perversas e mesquinhas) convenceram uma maioria ainda mais surpreendente de que há brasileiros contra os quais toda e qualquer violência é legítima, e deve ser colocada em prática por agentes do Estado, sem necessidade de respeito pelas leis criadas por este mesmo Estado.
Conexão Literatura: Como o leitor interessado deverá proceder para adquirir o seu livro e saber um pouco mais sobre você e o seu trabalho?
Viviane Gouvêa: Há links para compra do livro a partir do link da editora Planeta: https://www.planetadelivros.com.br/livro-exterminio/359272
A Livraria da Travessa, aqui no Rio de Janeiro, e
outras livrarias Brasil afora estão vendendo em suas lojas físicas.
Para quem se interessar, no Instagram sou @viviane_gouvea_28, e meu e-mail é vgfoto71@gmail.com
Conexão Literatura: Quais dicas daria para os autores em início de carreira?
Viviane Gouvêa: Em primeiro lugar, não há idade para começar. Quinze ou 80 anos, depende do que temos a dizer.
E mesmo quando achar que o texto está uma bagunça ou sem sentido, continue escrevendo. Uma hora tudo se encaixa.
Conexão Literatura: Existem novos projetos em pauta?
Viviane Gouvêa: Ainda não. Mas venho pensando cada vez mais em escrever sobre essa era de ódio e mentira em que vivemos, misturando fato e ficção.
Perguntas rápidas:
Um livro: Ópera dos Mortos, de Autran Dourado
Um ator ou atriz: Jane Fonda, diva da geração da minha mãe
Um filme: A eternidade e um dia, de Angelopoulos
Um hobby: Fotografia
Um dia especial: Aquele em que nasci
Conexão Literatura: Deseja encerrar com mais algum comentário?
Viviane Gouvêa: O mais óbvio de todos: leiam. Leiam livros, presenteiem livros, estudem livros. Lê-se muito pouco no Brasil, as pessoas compram poucos livros aqui. Ler é diversão, aprendizado, poesia. É alimento para a mente e o espírito, como dizem por aí.
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