Uma revista é uma publicação periódica, de cunho informativo ou de entretenimento, é o que diz o dicionário. A revista Mosca (ed. Álbum de Família/16x23cm/60pag/R$ 149,) que lança seu 1º número, pode ser descrita assim, mas vai além. É uma 'revista de artista' que a cada número convida criadores e esses, a partir de uma 'palavra', desenvolvem um trabalho livremente. Só o tamanho dessas 'folhas' é estabelecido para formar o conjunto. O projeto é uma concepção dos artistas visuais Dods Martinelli e Edilson Rodrigues.
A palavra escolhida desse número é 'invisibilidade'. Participam, além dos idealizadores, artistas de diferentes formações, como Eliana Bianco, Estela Vilela, Giba Gomes, Ariana Assumpção e Dodi. Detalhe é que a revista é encadernada manualmente e foram feitos inicialmente 50 exemplares, com a costura 'longstitch buttonhole'. Nós conversamos com os organizadores, o paulista Edilson Rodrigues e o gaúcho, que vive em S. Paulo, Dods Martinelli.
Conexão Literatura - De onde
surgiu essa ideia de uma 'revista de artista'?
Edilson - Da nossa inquietação artística. No último ano estive ligado a 'livros de artista' e publicações afins. Criei a editora Álbum de Família depois de anos fazendo encadernação e fotografia. Dods, por outro lado, acompanhou tudo isso e com a vontade dele de se expressar, as idéias surgiram: exposições, zine, livro, até que rolou a 'revista de artista'. Pensamos em dar uma palavra/desafio para os artistas, que fariam parte do trabalho. A recepção desses artistas foi ótima.Todos se prontificaram a fazer os 50 trabalhos. Assim, apesar de iguais, como são feitos manualmente torna cada revista única.
Conexão Literatura - Como vocês decidem essa palavra com a qual os artistas serão 'estimulados'?
Dods - A palavra 'invisibilidade' já estava em nossas conversas pois para um artista entrar no circuito de arte continua difícil. São artistas incríveis sem espaço. O tema nasceu antes da revista. A palavra cria a unidade.
Conexão Literatura - No
caso dessa palavra 'invisibilidade', ela significa muita coisa hoje, num mundo repleto
de 'coisas visíveis'. Qual o motivo?
Dods/Edilson - A ideia foi pensar nessa 'invisibilidade' que os artistas enfrentam. Demos total liberdade para eles interpretarem e desenvolverem seus trabalhos. Assim surgiram criações completamente diferentes, até metalinguagem do processo artístico. Estas múltiplas interpretações tornaram a revista rica, visualmente e culturalmente.
Conexão Literatura - Como definem seus próprios trabalhos
para esse número? Falem sobre.
Dods - O meu chamei de 'Cegueira
Seletiva' e falo de guerras da qual as vítimas são os pretos. Racismo e
cegueira cobre toda a África, onde quase metade do povo vive em conflito armado
e não enxergamos. É como se pudesse acontecer, pois é com o 'povo negro'. É
seletivo, racista. Isso está no suporte do papel, no qual mexo com creme de
farinha, água, amido de milho etc, para materializar essa angústia. O mapa sem
a África também faz parte do trabalho, reitera a idéia de que esse continente
não é visto, é um fantasma...
Edilson - No de minha autoria, 'O meu não lugar', busquei um momento no qual me senti 'invisível'. Lancei a questão 'Você já se sentiu invisível?' para que cada um pudesse se identificar. Usei papel craft, que é considerado 'não nobre', fotos da época de quando este fato ocorreu e recortei minha imagem do ambiente. Bordei sobre uma delas deixando o verso do trabalho exposto fazendo uma alusão ao dito popular de que é 'pelo verso que se vê um bom trabalho'. Com isso conto da época em que fazia tricô e vendia blusas na empresa em que trabalhava dizendo que era minha mãe que fazia, pois não tinha coragem de contar que era eu, por causa do preconceito.
Trabalho de Edilson Rodrigues |
Conexão Literatura - Como
vocês escolheram os artistas desse
primeiro número?
Dods/Edilson - Já os conhecíamos por termos estudarmos juntos ou participarmos de algum grupo. Ariana Assumpção usa a palavra muito bem e é uma ótima designer. Giba tem um trabalho com xilogravura que adoramos e o convidamos para o logo e a capa, além do autoral. Estela Vilela é nossa consultora e faz um trabalho de encadernação primoroso. Eliana Bianco é uma incrível artista que trabalha com aquarela. Dodi fez Artes Visuais e trabalha principalmente com processos fotográficos. Procuramos a diversidade de técnicas.
Conexão Literatura - No
Brasil, temos tradição em publicar revistas de artista. Começa no Semana de
Arte Moderna (1922), passa pelo pessoal da poesia Concreta, por exemplo. A que
vocês creditam isso?
Dods/Edilson - Artistas têm esta vocação para o coletivo. Encontrarem ideias comuns, unirem forças e criarem algo maior. A Mosca não é um manifesto, veio para somar e fazer a diferença. Os artistas selecionados possuem vasto conhecimento em técnicas da arte e somados tornam a revista algo único.
Conexão Literatura: Quais
os próximos projetos da Álbum de Família?
Edilson - A ideia é ser um canal para a materialização de projetos. Pode ser qualquer gênero literário ou artístico como poesia, crônica e livro de artista. Biografias mais intimistas mais focadas numa família, por exemplo, são uma das vertentes. Dods tem projetos de livros infantis e foto-livro. Estimulo pessoas a darem andamentos em seus projetos e eu mesmo tenho ideias para livros de fotógrafos. Inclusive os meus.
Perguntas rápidas:
Edilson:
Um livro: "Não verás país nenhum (1981), de Ignácio
de Loyola Brandão. Iniciei uma fase de muitas descobertas literárias. Falei
isso para o autor quando tive oportunidade de encontrá-lo".
Uma autora: "A poeta
e cantora norte-americana Patti Smith. Depois de Só garotos (2010), li todos seus livros".
Uma atriz: "Marisa
Orth, incrível atriz e cantora".
Um filme: "O Baile (1983) de Ettore Scola. Quando
acabou foi difícil sair do cinema. Espetacular".
Um ator e atriz: "Fernanda Montenegro e Fernando
Torres".
Um filme: "Closer - Perto demais (2005), dirigido por Mike Nichols, com Julia Roberts e Jude Law".
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