ATENÇÃO: não danifiquem estas formações rochosas! Levaram milhões de anos para se formarem e não se deve tirar um pedaço delas, somente por divertimento. Um rapaz confessou que arrancou um pedaço de pedra purpurina da caverna, mas ela só brilhava dentro da caverna, não no exterior. |
Uma
centelha de luz na escuridão. Um zumbido grave de uma mamangaba algures no teto.
Impossibilitado de me mexer ou de sentir qualquer objeto, animal ou pessoa,
buscava conforto no constante frio do ar de onde eu estava. Ecoou uma porta se
fechando, além. Lembrei-me da faísca, única fonte de luz no ambiente
dissimulado pelas trevas.
Eu
podia, porventura, tentar mover algum sólido pousado na mesinha em frente.
Apertei os olhos e vi. Uma vela, de quando em quando, soltava pequenas
labaredas de luz e calor, no centro da mesa. Concentrei-me, de uma forma
diferente de quando o fizera, dezenas ou centenas de vezes antes. Consegui
fazer a chama bruxulear. Mas era momentânea sensação de liberdade, que senti
como euforia de uma ansiedade fortalecedora. Sem poder calcular as dimensões do
recinto onde estava, fechei os olhos. Respirei calmo e relaxado e deixei minha
mente completar o trabalho. E vi.
Em
algum lugar daquele ambiente, seres humanos aguardavam. Remexeram-se, como se
soubessem que aquilo aconteceria, o bruxulear da vela. Interessante... captei,
como se sintonizasse as frequências de um antigo aparelho de rádio, vibrações
das mentes agitadas daqueles homens. Eu podia
sentir, mas sem compreender a linguagem daquelas criaturas. Eram
primitivas, brutas. Uma delas apontou para a mesa. Um jarro em formato curvo
tombou, derramando água. A vela tremeluziu e senti suor escorrer de minha
testa.
Mas,
testa? Seria meu corpo, mas eu estava sem poder movê-lo, vê-lo, ou mesmo
fazê-lo responder a meus impulsos mentais. Senti o esforço descomunal que fazia
com minhas costas e meu pescoço, mas imóveis, apesar disso. Desmesurada foi a
tensão que transmitia aos nervos de minhas mãos e pés. Porém, sabia que o ápice
daquele esforço estava por vir.
Os
músculos de meus malares, minhas mandíbulas em repouso até aquele momento,
forçaram minha boca a se abrir. O rosnado de uma fera se fez ouvir. Vinha de
distâncias imensas, ou era o produto da vibração de minhas cordas vocais? Minha
cabeça tremia. Os dedos das mãos enclavinharam-se, torcendo para formar punhos
fechados.
A
mesa voou por aquele local, lançando a vela, pratos de metal, copos e outra
jarra de barro pelo espaço. Burburinho baixo. Um grito. Uma frase indecifrável dita
para ser transformada em algo possível de ser compreendido. Eram Homo Habilis,
Homens de Neandertal, Homens de Cro-Magnon ou Homo sapiens? Pela estrutura
craniana, o mais provável seria Cro-Magnons, a vertente mais antiga dos Homo
sapiens que habitou a Europa. E seus rostos não eram por demais primitivos.
Possuíam características que seriam levadas pelos Homo sapiens e terminariam no
homem moderno, os Homo sapiens sapiens.
Estes
eram pacíficos, os que me rodeavam. Comecei a sentir todo o meu corpo. Estava deitado
em uma mesa de pedra lisa, lixada antes e tornada confortável. Sem ranhuras,
trincas, fendas, buracos. Construída como um altar religioso. Puxei meus
braços. Os Cro-Magnons gritaram e puseram-se de joelhos. Empurrei meu corpo
endurecido pela imobilidade de dias para cima, usando as mãos. Sentei-me. Um
zumbido diferente do de um inseto inundou o local. Os homens rezavam ou, pelo
menos, tartamudeavam em voz alta, as sílabas arcaicas se atropelando.
Minha
garganta estava seca. Levantei-me e contornei o grupo de dez ou quinze homens
sem necessidade de luz para enxergar. Minha mente me fornecia um mapa daquele
complexo subterrâneo de salas, em que uma série de corredores levavam a sala ao
restante dos ambientes.
Subi
uma rampa de pedriscos e cascalho grosso. Vi-me acima de um salão, onde mil
Cro-Magnons armados de lanças com pontas de sílex e facas de pedra esculpidas e
afiadas por dias de trabalho árduo, gritavam e levantavam as lanças. Percorri
as margens próximas ao teto, que delimitavam o imenso recinto e, ao chegar logo
acima dos líderes dos homens primitivos, gritei:
—
Não escutem o que eles estão dizendo. São impostores!
A
algazarra cessou e olharam para cima. Um homem tremeu e pôs-se de joelhos,
seguido por outros. Em breve, os mil Cro-Magnons estavam ajoelhados, esperando
que as ordens fossem ditas. Mas esperavam pelas minhas ordens ou por ordens dos
sacerdotes?
Eles
berraram, e entendi que queriam que a horda ajoelhada investisse sobre a minha
pessoa. Surpreendi-os, causando uma queda de parte do caminho que rodeava o
salão. Parecia fácil mover e esfacelar objetos, após o repouso na sala da
caverna. Os homens puseram-se de bruços, enquanto os sacerdotes os ameaçavam.
Mas com o quê? Sobrevoei — eu podia
planar! — o imenso espaço e pousei no lado mais afastado da multidão. Continuei
a ouvir os líderes assustando seus discípulos, com uma palavra. Olhando para o
chão, vi pequenas nuvens de fumaça subindo até se dissiparem, a dois metros de
altura.
Lava!
Perguntei:
—
O que é essa lava, em comparação com meus poderes, chefetes de uma quadrilha? —
Os seres deitados de bruços olhavam ora para seus sacerdotes, ora para mim. Fiz
os líderes daquele grupo subirem no ar. Eles gesticulavam e gritavam,
agressivos. Mas outros berros foram ouvidos, eram gritos de horror...
Deixei
os sacerdotes caírem de uma altura de trinta metros.
--//--
Os
homens viram-me levitar até o teto do salão. Raios azuis rodearam-me, partindo
da ponta de meus dedos. O medo, se é que aquele sentimento de terror profundo
podia ser chamado assim, foi absorvido por completo, meu cérebro era uma
esponja que extraía as sensações de cada homem.
Ordenei
com minha mente que a multidão se mantivesse de costas contra as paredes do
salão. Relâmpagos de cem mil MW de potência irromperam de minha testa e iluminaram
as sombras. Contra a luminosidade, que sobressaía através de uma abertura no
topo da caverna, a noite se tornou feérica, e a escuridão transformou-se em
luz.
Como
uma perfuratriz colossal, os raios de eletricidade cavaram com estrépito um
poço no centro do enorme salão. A areia, a terra, o granito e o cristal de
rocha voaram para o alto e fumaça desprendeu-se do buraco, obrigando aqueles
homens primitivos a se abaixarem. Em cinco minutos, um ruído borbulhante de
líquido em alta temperatura levou-me a descer. Pousei entre os sacerdotes
mortos e a cratera aberta, de onde o magma das profundezas subiu à superfície e
começou a se espalhar pelo salão.
Converti
a energia térmica da lava em energia elétrica. Concentrando-me, fiz com que a
lava fervente esfriasse, e fosse transformada em rocha. Transferi o potencial
elétrico da massa rochosa para o solo. Olhei em torno e me decidi. Fiz com que
meu poder eletromagnético modificasse a mente daqueles homens. Seus neurônios
passaram a captar um valor superior a um bilhão de vezes o que a realidade lhes
fornecia, até o momento. Um Cro-Magnon afastou-se do grupo e desenhou com sua
faca na areia, diagramas de máquinas a vapor. Outro, escreveu equações de
caráter bioquímico no solo. Em um frenesi, todos se ajoelharam e transformaram
a terra e a camada de pedriscos que havia no chão em dezenas de equações
matemáticas e físico-químicas.
Eu
havia pousado na trilha que circundava o salão e observara os homens que, nesse
momento, demonstravam pouco ou nenhum indício de ignorância. Sorri, satisfeito.
Emiti uma esfera pulsante de energia elétrica, que abrangeu todo o planeta.
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