Os
neurônios do cérebro da nave sobrecarregar-se-iam de energia mortal, se
tivessem a mínima noção do que é o infinito. O que causa ilusões tresloucadas. O
que transforma homens em zombies sem consciência. Mas, o que é a consciência de
um homem, em comparação com o inconsciente coletivo de uma astronave classe M?
Naves
que podiam tudo, graças a seu centro de controle organometálico. Os únicos objetos sem vida que podiam pensar
e gerar feixes de energia quântica, transportando-se para uma enésima dimensão
sem descrição possível.
Estou
no caminho para um Universo Paralelo, o único até agora descoberto, e que é um
espelho de tudo o que o nosso Cosmos é. Segundo o cérebro da nave, conteria o
oposto a tudo o que conhecíamos. Fico pensando nisso... e odeio a forma pela
qual chego a certas conclusões. Violência, depravação, sentimentos de raiva
insana e uma farta dose de sadismo...
Pouso
o braço na concavidade da poltrona e um líquido azul-claro penetra em uma veia
de meu pulso. Muda o meu ânimo para o de um homem revigorado, satisfeito, um
explorador do infinito, sem medo de qualquer coisa que se mexa. É claro que,
sem o fator tempo, tempo da Terra, é impossível estabelecer comparações e
conclusões acertadas. Por isso, é que há cinco relógios atômicos, regulados
para o tempo terrestre, no painel de controle, para o qual meu tronco se
inclina.
A imobilidade de uma nota soada única
é o requisito para a imutabilidade de uma viagem sem destino... é
o que está escrito no monitor do supercomputador que controla toda a viagem.
Ignoro tal absurdo. Como notas musicais se comparariam à escuridão sem
movimento na qual nos encontramos? Mas, de fato, se você pensar bem, uma viagem
absurda e ilógica poderia ser comparada ao soar de um Dó ou um Fá sustenido,
repetido sem interrupção ao longo da Eternidade.
Luz!
Finalmente, luz! Na matéria sem consistência que nos tornamos podemos
estabelecer, por fim, uma comparação entre o que há ao nosso redor e o que
conseguimos enxergar. Um som de maquinaria voltando à vida me alcança. Pisco os
olhos, secos de tão abertos que se encontravam. Mexo meus braços, tirando o
pulso da concavidade na qual descansa. Sem necessidade de drogas para recuperar
o ânimo perdido, retorno à realidade sem ilusões. Pisco os olhos e
movimento-me. Ativo os controles de descida, os motores de empuxo reduzidos a
jatos de vapor, faço contato com o cérebro da nave e vejo o mundo-Terra no qual
descerei.
Alcanço
o Equador. Uma ilhota pouco maior que a astronave se aproxima. Um quilômetro,
quinhentos metros, trezentos metros, cem metros, cinquenta metros... pousei!
Nada melhor que pisar em ambiente de gravidade, após centenas de anos
terrestres passados em velocidade c
e 0 Gs.
Levanto
a proteção do comando de abertura da comporta de saída e pressiono o
interruptor. Sem nenhuma necessidade de uma roupa especial, pois sei o que vou
encontrar, saio de meu assento de Comandante e me dirijo à saída. Inspiro
fundo. Aromas de flores e plantas desconhecidas. Não há mares ou oceanos,
apenas desertos e ilhotas situadas acima das areias escaldantes... Na
atmosfera, corvos negros e urubus buscando carniça. Levanto meu binóculo
telescópico e dou um giro. Nada! Absoluta ausência de água ou vegetação, quanto
mais de habitantes! Mas, de onde vêm esses aromas?
Um
buraco no chão, a dez metros da nave, atrai minha atenção. Vapores sobem do
poço. Aproximo-me e vejo lama em ebulição, que lança perfumes de rosas e
hibiscos, em dado momento. Em seguida, aromas de pinheiros e nozes. A seguir,
cheiro de amores-perfeitos e dicotiledôneas. Consigo discernir um rosto, na matéria
quente.
—
Saia! Saia! Saia! Saia...
Minha
mente entra em colapso. Estou preparado para o que vier. Imobilizo-me, com toda
a força de vontade que tenho.
—
Fora daqui! Ou morrerá... Fora daqui! Ou morrerá... Fora! Fora! Fora!...
Um
fio de saliva corre do canto de minha boca. Alcanço minha pistola de raios com
a mão. Destravo a trava de segurança da arma. Levanto-a e disparo. Continuo
disparando. O buraco se abre e lodo negro se espalha. Devo ir...
Dou
meio passo para trás. Viro-me e ando trôpego até a astronave. Com supremo
esforço, passo pela comporta aberta. Sento-me esgotado na poltrona dos
passageiros, a mais próxima de mim. Sem olhar para os controles auxiliares da
mesa de comando da poltrona, ativo a comporta, que se fecha. Digito, o pescoço
torto, olhando para o vazio, as coordenadas de volta.
Estou
bem, deixando ao esquecimento a forma de vida que me levaria para a não
existência. Sem aplicar-me o soro da imobilidade, durmo. A viagem será curta.
Foram dez trilhões de anos-luz, deste planeta até a Terra. Sei que estou
seguro, agora.
Volto
em paz. É o que procuro, há muito. Alcançar a paz de Cristo, Buda e Maomé.
Atingir o Nirvana e o Céu. Tocar as Valquírias. Dedilhar o infinito e
compreendê-lo, de uma só vez.
Sim.
É.. A vida é uma viagem mesmo.
ResponderExcluirÉ um ir e vir na imaginação. Fizestes uma emocionante viagem. 👏👏👏
Muito obrigado. Billy. Nem sempre podemos estar certos, mas cruzar 10 trilhões de anos-luz nao e tarefa para um hercules qualquer...
Excluir