João Barone, autor e membro da banda Os Paralamas do Sucesso, é destaque da nova edição da Revista Conexão Literatura – Setembro/nº 111

  Querido(a) leitor(a)! Nossa nova edição está novamente megaespecial e destaca João Barone, baterista da banda Os Paralamas do Sucesso. Bar...

sexta-feira, 13 de maio de 2022

Conto "Luta na Arena", por Roberto Fiori

O Coliseu, suas ruínas: palco de lutas entre homens e animais, gladiadores, escravos e feras, tornou-se sinônimo do “pão e circo”, que desviou a atenção do povo de Roma das despesas exorbitantes do Império Romano e o satisfez por décadas, enquanto o  Império expandia suas fronteiras.

De todos os confins desse Universo, justo eu fui escolhido para lutar com espada, escudo e machado, justo eu??, Aramin pensava com uma boa dose de frustração, olhando para as arquibancadas lotadas de alienígenas. O espaço aberto, cercado por assentos narco-plásticos, tinha no mínimo um quilômetro de comprimento por quinhentos metros de largura. Os alienígenas ocupavam o centro desportivo de Terenth em arquibancadas que desenhavam uma elipse no estádio, até cem metros de altura.

Aramin adquirira raiva extrema de todo e qualquer viajante do espaço, quando se deparara com uma flotilha de espaçonaves piratas nos anéis de um planeta gigante a cinco anos-luz. Escapara usando uma dobra temporal e acabara em Terenth, um ano no futuro. E com sua linda nave de combate desfeita, caída e espalhada por uma larga porção de terreno na superfície. Entrincheirara-se em um amontoado de rochas, armado com um fuzil e uma pistola laser, que poderia calcinar todo o estádio onde estava prestes a encarar a morte.

— Renda-se, terráqueo! — vociferara o chefe da turba de selvagens, ao seu comando. — Renda-se ou será comida de canibais... huá, huá, sim, estes aqui, incluindo a mim!”

O primeiro terenthiano a morrer foi de cara o chefe deles. Um tiro certeiro no peito abriu um buraco calcinado de meio metro de diâmetro. Isso não podia continuar daquela maneira, murmuravam os selvagens, que haviam cercado os afloramentos rochosos onde Aramin se protegera. Eles avançaram em correria, levantando poeira do deserto quente e berrando como trogloditas, com quem, na realidade, pareciam muito.

O terráqueo subiu nos rochedos e, do alto, disparou dezenas de tiros. Porém, quando um dos trogloditas lançou com precisão um boomerang, acertando-o na testa, a escuridão caiu sobre ele.

E, agora, estava prestes a encarar a morte.

--//--

— Ele não sobreviverá, general. 

— Claro que sim, é sangue do meu sangue, terrestre como eu e você. Continue a subir o valor da aposta.

— Subi para dez mil capitâneos terrestres, senhor. Mas tem certeza de que é uma boa aposta?

— Escute, Zen — argumentou o general, os olhos colados na tela do monitor de computador, na mesa no centro do salão recreativo dos oficiais —, Aramin foi treinado por mim, pessoalmente. Liquidou uma armada pirata em Jovennes-5, para a seguir criar uma dobra no tempo e emergir justo próximo a este planeta selvagem. Eles ainda possuem arenas romanas, veja!

O terráqueo olhava para os lados e não via como alguma coisa poderia entrar na arena. O muro de dez metros de altura, separando os terenthianos do pátio de combate, não possuía uma única entrada. Na verdade, que maldito azar caíra sobre ele, quando acabara naquela arena de areia e seixos, era coisa para se pensar. Muito.

Mas havia uma entrada. Vindo das dimensões abertas do céu, algo parecido com pássaros-roca trazia coisas, que se debatiam. Vinham enrodilhadas nas enormes garras das aves e, quando o grupo de seres alados passou pela arena, abriu suas garras e deixou cair as feras que se puseram de pé e trataram de dar cabeçadas no muro que cercava o pátio.

Aramin olhou para suas armas e concluiu que o melhor seria se ele lutasse com sua faca, pois o peso da espada, do escudo e do machado de dois gumes que carregava o atrasaria. Esperou que um animal semelhante a um rinoceronte com cinco chifres na cauda e outros tantos na testa percebesse sua presença. Era, na verdade, um rinoceronte, com exceção dos dez chifres. Então, quando ele galopou rumo a Aramin, este jogou o escudo e a espada para atingir o bicho, que nem tomou conhecimento da defesa do terráqueo. As armas resvalaram em sua pele coriácea e ele continuou a galopar. 

O terráqueo sopesou o machado e viu que poderia combater com ele, agora que não carregava tanto peso. Pulou, no instante em que o rinoceronte sacudia a cabeça para estraçalhar com os chifres da testa o terráqueo. Aramin caiu virado ao contrário sobre as costas feitas de placas ósseas do animal. Desceu o machado contra a pele, uma verdadeira armadura de cavaleiro medieval. O machado resvalou várias vezes, à medida em que Aramin golpeava as costas do rinoceronte. Este escoiceou, ameaçando lançar o terrestre no chão, onde poderia pisoteá-lo com facilidade.

Aramin agarrou-se a uma das placas coriáceas da fera e aguentou firme os trancos a que era submetido. Sacou sua faca feita de iriodímio, um metal raro e duríssimo fabricado em Beta-Carinae-14, o único planeta a escapar, pelo menos por enquanto, dos efeitos da explosão da estrela Beta-Carinae, distante três anos-luz do centro do Sol de Terenth.

Ele enterrou a lâmina entre duas placas das costas do animal que cavalgava. Este jogou o homem à distância. Sacudindo-se, dando pinotes e caindo, por fim, no solo, morto. A plateia urrou, em êxtase. Uma parte da turba gritava por sangue, outro grupo falava para matarem Aramin e uma terceira leva de alienígenas lançou ondas acústicas cerebrais que deixaram o terráqueo surdo por alguns minutos.

A coisa que veio a seguir era humanoide, mas ninguém a chamaria de humana, em sã consciência. Dois metros e cinquenta de altura, um metro e meio de largura e pernas compridas. Um tórax de maratonista, sem um grama de gordura, e uma face que era tão repugnante, que Aramin teve ímpetos de cortar a cabeça da criatura, na primeira vez que a viu.

A coisa carregava uma espada, um machado e um escudo. O homem se perguntou por que cargas-d’água tinham de ter dado o mesmo armamento para o hominídeo que deram para ele. Não teve de esperar para saber. 

A criatura volteou a espada no ar, girando-a, para ceifar o que estivesse em seu caminho. Aramin olhou para seu machado e concluiu que fizera a melhor escolha. Correu, esgrimindo com sua arma o ar, para decepar seu inimigo. Este ergueu o escudo e aparou com facilidade o golpe dado com o machado de Aramin. Mas este enganou o monstro. Era aparente a força que imprimira ao machado. Sua lâmina bateu no escudo da coisa e Aramin girou no ar com tal rapidez, que se colocou às costas do hominídeo. E cortou seu pescoço, com facilidade tal, que um silêncio sepulcral tomou conta da arquibancada. 

E quase fez parar de bater o coração do general.

— Quem mais? Quem mais quer lutar comigo, agora? — gritou o terrestre.

De uma abertura camuflada, saíram três dúzias de soldados de Terenth, armados com espadas, escudos, lanças e arbaletas. Marcharam em uma formação retangular de três combatentes por uma dúzia de soldados.

Pararam a três metros de Aramin. O soldado do lado frontal da formação retangular, situado na fileira do meio, avançou. Disse:

— Jamais o reino de Terenth viu tal demonstração de coragem. Está convidado a participar do jantar de gala na corte de nosso Excelentíssimo Senhor da Luz, Acturbar VII, hoje, exatamente às sete horas da noite, no Palácio de Aço e Bronze!

Os alienígenas nas arquibancadas saudaram o campeão daquele dia. Urros amplificados pela acústica da arena ensurdeciam e entusiasmavam.

— Agora, sou dez milhões de capitâneos terrestres mais rico, Zen. Veja como isso me deixa contente — em órbita de Terenth, em um cruzador interestelar de guerra, o general bateu em sua barriga proeminente com as duas mãos. E virou-se para Zen. — Foi fácil, rápido e sem demoras. É assim que resolvemos as coisas, lá na Terra.

— Agora os laços de comércio renderão bilhões para os dois sistemas...

— Não, Zen, para o Sistema Solar. Para este aqui sobrarão milhões, somente. Mas não fale isso para ninguém, Ok? — o general passou o polegar e o indicador pelos lábios, selando-os.

— Isso não poderá ser arriscado, general?

— Olhe, somente este cruzador de batalha poderia transformar Terenth em uma bola em chamas, e ainda por cima, lançá-lo para fora da órbita ao redor de sua estrela, Zen! Há milhões de naves mais poderosas do que esta, circulando a própria Terra e o restante dos Sistemas em que somos a mola-mestra de tudo o que ocorre. Terenth possui tecnologia da Idade Média. Faça as contas, sim?

Zen não poderia estar mais errado, ou não? De qualquer maneira, o general estava convicto da vitória e isso bastava para manter o ambiente do cruzador alegre.

Era dia de comemoração, não de pêsames.




SOBRE  O AUTOR:
Roberto Fiori é um escritor de Literatura Fantástica. Natural de São Paulo, reside atualmente em Vargem Grande Paulista, no Estado de São Paulo. Graduou-se na FATEC – SP e trabalhou por anos como free-lancer em Informática. Estudou pintura a óleo. Hoje, dedica-se somente à literatura, tendo como hobby sua guitarra elétrica. Estudou literatura com o escritor, poeta, cineasta e pintor André Carneiro, na Oficina da Palavra, em São Paulo. Mas Roberto não é somente aficionado por Ficção Científica, Fantasia e Horror. Admira toda forma de arte, arte que, segundo o escritor, quando realizada com bom gosto e técnica apurada, torna-se uma manifestação do espírito elevada e extremamente valiosa.

Roberto Fiori sempre foi uma pessoa que teve aptidão para escrever. Desde o ginásio, passando pelo antigo 2º Grau, suas notas na matéria de redação eram altas, muito acima da média. O que o motivava a escrever eram suas leituras, principalmente Ficção Científica e Fantasia. Descobriu cedo, pelo mestre da Fantasia Ray Bradbury, que era a Literatura Fantástica que admirava acima de qualquer outro gênero literário.

Em 1989, sob a indicação de uma grande amiga sua, Loreta, que o escritor conheceu a Oficina da Palavra, na Barra Funda, em São Paulo. E fez uma boa amizade com o maior professor de literatura que já tive, André Carneiro. Sem dúvida alguma, se não fosse pelo André, Roberto nos diz que jamais saberia o que sabe hoje, sobre a arte da escrita. Nos cursos que ele ministrava, o autor aprendeu na prática a escrever, as bases de como tornar uma mera história de ficção em uma obra que atraísse a atenção das pessoas.

“Futuro! – Contos fantásticos de outros lugares e outros tempos” é uma obra parte Fantasia, parte Ficção Científica, parte Horror, e que poderá vir a se tornar realidade, quer em outra época, no futuro, quer em outra dimensão paralela à nossa. Vivemos em um Cosmos que não é o único, nessa teia multidimensional chamada Multiverso. Ele existe, segundo as mais avançadas teorias da cosmologia. São Universos Paralelos, interligados por caminhos ou “wormholes” – buracos de minhoca. Um “wormhole” conecta dois buracos negros, ou singularidades, em que a gravidade é tão elevada que nada pode escapar de sua atração gravitacional, nem mesmo a luz. Em tais “wormholes”, o tempo e o espaço perdem suas características, tornam-se algo que somente pode-se especular e deduzir matematicamente.

“Futuro! – Contos fantásticos de outros lugares e outros tempos” é uma coletânea de treze contos e noveletas. Invasões alienígenas por seres implacáveis, ameaças vindas dos confins da Via Láctea por entidades invencíveis, a luta do Homem contra uma raça peculiar e destrutiva ao extremo, terrível e que odeia o ser humano sem motivo algum. Esses são exemplos de contos em que o leitor poderá não enxergar qualquer possibilidade de sobrevivência para o Homem. Mas, ao lado de relatos de pesadelo, surgem contos que nos falam de emoções. Uma máquina pode apresentar emoções? Ela poderia sentir, se emocionar? Nosso povo já esteve à beira da catástrofe nuclear, em 1962. Isso é realidade. Mas e se nossa sobrevivência tivesse sido conseguida com uma pequena ajuda de uma raça semelhante à nossa em tudo, na aparência, na língua, nos costumes? E que desejaria viver na Terra, ao lado de seus irmãos humanos? Há histórias neste livro que trazem ao leitor uma guerra milenar, que poderá bem ser interrompida por um casal, cada indivíduo situado em cada lado da contenda. E há histórias de terror, como uma presença, não mais que uma forma, que mata, destrói e não deixa rastros. 
Enfim, é uma obra de ficção, mas que poderá vir a se revelar algo palpável para o Homem, como na narrativa profética da destruição de um planeta inteiro.

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