Incêndio, formando uma linha incandescente sobre a terra, e focos de queimadas pelo solo seco. |
Passadas largas pela calçada, nessa madrugada de Inverno, faziam-me lembrar de pinhas caindo maduras pelo solo de uma floresta temperada, algures ao Norte ou ao Sul. Pensava que aquilo no céu, a estranha formação de cristais em órbita da Terra, disposta no espaço por uma série de naves de transporte, cairia em algumas horas. Era impossível que se mantivesse coesa e unida por tempo indefinido.
Meus pés chutavam pedriscos pelo chão e sementinhas de árvores plantadas ao longo da alameda. O vento frio de antes da alvorada penetrava em minhas roupas grossas de lã e algodão, mas eu nem o sentia, divagando sobre como se chegara a tal ponto, uma ameaça que tinha origem na salvação da Humanidade e, agora, significava sua destruição.
Passei pela guarita de vigilância em uma delegacia de polícia e resolvi entrar. Levantei o rosto para que os identificadores faciais pudessem me reconhecer e eu tivesse permissão para adentrar o edifício. Parei na porta blindada e esperei. Em alguns segundos, ela se abriu e eu pude entrar no nicho. Sensores laser permitiram que eu entrasse na delegacia, liberando a porta interna. Pensei que a tecnologia era simples, na teoria, mas complexa, na medida em que se progredia e se alcançava os cumes das montanhas de conhecimento.
A última palavra em sabedoria surgira há cinco anos, quando se inventara o conceito de cristais monoclimais. Controlariam o clima, de uma altitude orbital de trinta mil quilômetros. No início, funcionaram, unidos e compactados em uma esfera de quinhentos metros de raio. Mas, há um ano, detectara-se anomalias na estrutura da formação. Os elementos cristalinos constituintes da esfera perderam sua estabilidade, começando a separar-se uns dos outros. Calculara-se que levariam de três a cinco horas para se desintegrar nas camadas que antecederiam a sua entrada na atmosfera e, quando isso ocorresse, gases existentes no interior dos cristais interagiriam com o vento solar.
O apocalipse seria libertado.
O oxigênio seria separado do restante dos constituintes da atmosfera. Um cataclisma ocorreria, quando tal gás entrasse em combustão, devido ao contato do oxigênio com elementos que o incendiassem, existentes em refinarias e indústrias em que combustíveis eram utilizados na fabricação de insumos.
E eu, o responsável pela construção dos cristais que controlariam o aquecimento climático, era o único a conhecer este segredo.
Caminhei até a recepção e falei:
— Tragam-me um policial, um juiz, um carcereiro e um executor.
Tal foi feito e fui conduzido a uma sala, onde tudo o que aconteceria foi registrado por um gravador de pen-drive. Algemado, fui conduzido a uma cela destinada aos criminosos de altíssima periculosidade. Dispensei a presença de um advogado, na sessão extraordinária do tribunal, que se seguiu. O júri declarou-me culpado.
— Tem algo a dizer em sua defesa, doutor Lottimer?
— Não. Mas não há necessidade de gastar dólares em injeções letais. Pelo meu relógio, faltam dez minutos para que a crosta terrestre se transforme em um Inferno de Dante.
— Sabe — perguntou-me Sua Excelência — de algum modo de evitarmos isso?
— Quem puder, se esconda em bunkers. Ou em túneis dos metrôs.
— E... — começou a falar o juiz. Eu completei:
— ... quem não puder, meta uma bala na cabeça. Não será agradável respirar a atmosfera incandescente que tomará conta do planeta, no futuro próximo.
— Levem-no — disse o juiz aos policiais que faziam a segurança da sala do tribunal — e deixem-no sob escolta policial, no meio da rua. Se isso não for o sonho de um lunático, terá sua execução em dez minutos.
Ele bateu com o martelo de madeira no suporte de sua mesa e deu por encerrada a sessão.
A Terra se tornou um amálgama de pontos de luz, que se aglutinaram e formaram uma única mancha branca e brilhante, vista da Lua. Na superfície do satélite natural, cinco domos haviam sido construídos, abrigando vinte pessoas. Vinte astronautas que acompanharam por vídeo a desgraça que se abatera sobre o planeta natal.
Ficaram intrigados, quando foi impossível contatar a Nasa, a Space X, a Europa, a China. Entregaram-se ao horror, ao perscrutarem, de seus telescópios montados sobre os domos, o fogo mortal que cobrira a atmosfera da Terra.
Levariam alguns dias, até constatarem que teriam de sobreviver sem o auxílio terrestre. Sabiam que isso era possível, mas jamais tentado.
Porém, como dizia o ditado: para tudo há uma primeira vez.
Bem atual, gosto muito dessa coisa futurista. Está bem descrito. Parabéns!
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