Michael Ruman - Foto divulgação |
Michael Ruman é formado em Cinema e também publicidade pela ECA-USP. Exerce as funções de diretor e roteirista em cinema e TV (incluindo streaming). Dirigiu 3 longas metragens: Eureka, uma aventura com Einstein (em finalização); Magal e os formigas (codireção com Newton Canitto) e Os Xeretas. Também é diretor dos seriados 9mm São Paulo, 171 negócios de família e Disney Cruj (Disney e Sbt). Foi professor de audiovisual durante mais de 10 anos em faculdades como ECA-USP e SENAC audiovisual e também de interpretação na Escola de Atores Wolf Maya.
ENTREVISTA:
Conexão Literatura: Poderia contar para os nossos leitores como foi o seu início no meio literário?
Michael Ruman: Foi bem por acaso. Sempre escrevi. Por prazer; nunca pensei em publicar.
Mas a vida dá voltas (!!) Além de diretor, sou roteirista de cinema e TV. Geralmente escrevo meus projetos e um deles, um longa chamado “As aventuras de Joaquim e Eduardo” me… deixou triste. Era um roteiro para um filme infantojuvenil que eu adorei ter escrito, mas… Quando terminei, me dei conta de que era muito caro! Eu pirei que nunca conseguiria produzir no Brasil algo tão $$$$$! Deixei de lado, com dor no coração… Até que em 2013, numa daquelas olhadas nos arquivos do computador, me deparei com o roteiro mais uma vez. Li. Reli. Me deu um “click" e decidi transforma-lo num livro para a molecada. Adaptei, reescrevi alguns trechos e decidi que iria publicar por conta própria. “Invasores de Marte, as aventuras de Joaquim e Eduardo” foi meu primeiro ebook.
Novato que sou no mundo da literatura, adorei ver algumas críticas e, claro, o livro vender. Gostei tanto que, logo no ano seguinte, escrevi uma continuação e decidi que a saga vai até um sétimo livro!
Assim, o “calouro" Michael descobriu que é uma delícia escrever e publicar livros.
Conexão Literatura: Você é autor do livro "As hipotéticas viagens quântico-temporais de Fausto Norberg". Poderia comentar?
Michael Ruman: Ao contrário de “Invasores de Marte”, "As hipotéticas viagens quântico-temporais de Fausto Norberg” não é um livro para crianças ou adolescentes menores de 16 anos. É uma alegoria sobre a dominação das massas, a tortura psicológica e mental que os meninos e meninas sofrem — e sempre sofreram — nas mãos dos inescrupulosos. A ditadura, a sede de poder e a manipulação são os principais pontos que eu toco no livro, fazendo com que o leitor acompanhe a trajetória não-linear de um detetive temporal, denominação que dei àqueles que conseguem burlar o passado, presente e futuro. Drogas, sexo e conspirações robóticas são abordados através de uma narrativa lisérgica num mundo habitado por anjos, demônios e supermáquinas.
Conexão Literatura: Como foram as suas pesquisas e quanto tempo levou para concluir seu livro?
Michael Ruman: Eu brinco e digo que sou “escritor de fim de semana, feriados e horas vagas”. Minha ocupação principal é audiovisual, o que toma um tempo absurdo! Mas não tenho pressa. Escrevo rascunhos, capítulos, talvez e, quando acho que está na hora de “mandar ver”, varo noites e noites até concluir. No caso de “Fausto Norberg”, esse processo levou aproximadamente 2 anos até a publicação, no dia 6 de janeiro deste ano.
Sempre que tenho uma história para contar, faço uma lista de coisas que tenho que pesquisar. Neste caso, robótica, história e, principalmente, rever trechos de livros que me inspiraram na narrativa. Fico fuçando onde for preciso: internet, publicações e até, caso necessário, converso com especialistas em determinado tópico que eu queira abordar. Mas faço ficção, portanto, o que busco é uma base para poder, se preciso for, deturpar em prol da minha trama.
Conexão Literatura: Poderia destacar um trecho que você acha especial em seu livro?
Michael Ruman: O personagem principal, Fausto Norberg, é um adulto e narra em primeira pessoa a história. Desde quando completou 13 anos e se tornou um adolescente. A narrativa é não linear, como já disse, e leva o leitor do presente (adulto) ao passado (menino), mas em determinado momento, rompe essa barreira sem dar nenhuma dica. O que eu quero é fazer é forçar esse leitor a embarcar na mente do personagem.
Tem um trecho que eu acho bem divertido:
Os monstros que se escondem no porão
Bum! Um trovão. E a energia das nuvens carregadas de elétrons — ou prótons — cortou a da casa, trazida pelos fios da Companhia de Eletricidade. De repente, no escuro. Voltamos à idade das trevas. Do breu. Mal tínhamos terminado o jantar. Eu nem havia começado a fazer as lições e, pelo jeito, não assistiria o meu seriado preferido na TV.
Merda!
Me prontifiquei a pegar as velas. Sempre temos velas, um grande estoque. A frágil rede do bairro, sustentada por postes do século passado e enrolada nos galhos das árvores que nunca são podadas, não nos permite esquecer de fazer um estratégico armazenamento de velas.
Tropecei. Bati os dedos do pé em todas as pontas esquecidas da casa. A canela, idem. Finalmente cheguei à despensa. E, pra minha decepção…
Mãe, acabaram as velas!, gritei. Ah, esqueci de dizer, filho, estão lá no porão. No porão? Não!!!! O porão, não! O porão está fora dos limites de minha coragem. O porão é onde os fantasmas, monstros, medos e más notícias se escondem. Eu decretei isso há tempos, pra me livrar de todos antes de dormir. Algumas pessoas os escondem no armário. Outros, debaixo da cama. Eu, prevenido que sou, mandei todos o mais longe possível, já que fui informado de que não dá pra expulsá-los de casa. Uma vez que eles entram em sua vida, não se pode mais enviá-los de volta ao seu mundo. Maldita hora que fui gostar desse tipo de filme, desse tipo de leitura. Desse tipo de coisa!
A menina possuída virava a cabeça pra trás.
O quarto pendia de um lado pro outro.
O astronauta foi aberto ao meio pelo filhote do monstro.
A entidade queria o corpo da mulher.
O cérebro que comandava o computador queria ter filhos.
O bebê nasceu deformado pela radioatividade.
É no porão que eles estão. Os monstros. Eles e o estoque absurdo de mantimentos não perecíveis. Água, biscoitos, geléias, enlatados, além das baterias e tudo o que ela, minha mãe, pode imaginar que nos manteria caso uma catástrofe acontecesse.
Um golpe. Um ataque nuclear. Químico. Biológico.
Por isso, reforçou a porta e também a estrutura das paredes. Vedou as janelas, comprou um pequeno gerador e muito combustível. Já sonhei com essa merda toda explodindo e nos mandando pelos ares. Nosso apocalipse, causado pela paúra. Hum. Não seria uma má ideia, explodir tudo, se eu tivesse certeza de que os monstros fossem destruídos. Restariam os fantasmas, mas a gente não pode querer tudo na vida. Eles que se danem, os fantasmas!
Voltemos à falta de energia. E às velas:
Depois de ouvir as reclamações da minha mãe pela demora, resolvi enfrentar seja lá o que ou quem estivesse de plantão esta noite, disposto a me assombrar e por à prova minha escassa coragem.
E aqui estou, separado de vocês, criaturas sórdidas. São 3,4 cm de ferro. Sete de concreto.
Aqui estou e aí estão vocês.
— Cadê as velas, Fausto, cadê as velas?
Vamos lá, Fausto, respire fundo e encare mais esta batalha, afinal, os monstros só vão te atacar se perceberem que está com medo. É assim que funciona. Mostre que não tá nem aí, que eles são uns bostas, feios, nojentos e inúteis. Já cumpriram sua missão, que é causar arrepios e noites mal-dormidas, agora estão presos, indefesos e sem ideal. Isso mesmo, sem ideal! Vamos lá, Fausto.
— Cadê as velas?!
Um dois… Entrei! Procurei o interruptor e, óbvio, a lâmpada estava queimada. Pra que facilitar, não é mesmo? Pé ante pé, avancei pelo território perigoso, cheio de armadilhas e obstáculos por entre as prateleiras lotadas até um pequeno armário de madeira lá no fundo. O interessante é que nenhum dos repulsivos investiu contra mim. Ou tentou me assustar. Hum. Teriam eles prazo de validade? Ou não me atacaram porque agora sou adolescente? Adolescentes não têm medo de nada, todos sabem.
Hum. Por outro lado, pode ser um truque. É, um truque! Esperam que eu abra a guarda pra, no momento certo, desferirem o ataque. Não vou dar mole pro azar, trato de sair logo deste reino da incertezas, foi o que decidi.
Abri o armário, tirei a embalagem com as velas… Então, antes de dar o derradeiro passo pra longe do perigo, notei que algo estava errado.
Diferente. Estranho.
Uma porta. Uma porta pequena de madeira.
Ela nunca esteve ali, tenho certeza. Antes, tinha um arquivo daqueles de metal cinza, entupido com documentos, nossas vidas resumidas em papel: certidões, contratos, atestados e tudo o que minha mãe considerasse importante pra nossa jornada pós-apocalíptica, incluindo umas barrinhas de ouro que ela comprou com as economias. Ouro é o dinheiro do futuro, ela dizia. Com ele, você vai comprar comida. Com ele, vai comprar sua passagem pra um outro país, um daqueles que não serão afetados pelo fim dos tempos. Ora, mãe… Não sabia que o caos respeitava fronteiras!
Hum. Ela vai enlouquecer quando eu comunicar que o arquivo sumiu. Vai ter um treco!
Isso tá cheirando coisa dos monstros. Será que levaram a papelada pra alguma dimensão paralela? Pior… Será que trocaram o ouro por sua liberdade?
A porta estava escondida atrás do arquivo. Eles devem tê-la usado em sua ousada fuga. E agora, Fausto, vai encarar? Vai abrir? Quer saber o que tem atrás?
Os covardes vivem mais. A frase sábia martelou minha cabeça, mas a voz que habita o meu cérebro me lembrou:
As coisas serão a você reveladas quando tiverem que ser reveladas.
Deve ser isso. Agora é o quando. Neste momento eu saberei que coisas são essas. Hoje eu vou viajar no tempo.
E usei a chave de madeira pra abrir a porta. Nos séculos que levei para executar tal ato de bravura, pensei no que poderia encontrar. Claro, deduzi há alguns segundos que eles fugiram. Mas e se não? Lembre-se, Fausto, ainda existe a possibilidade de ser um plano pra acabar com você. Sim, você tem razão. Ninguém ainda provou que um adolescente é invencível. Não, mesmo! Assim que abrir a porta, serei sugado para uma dimensão retorcida, uma antessala pro seu mundo de horrores. Uma prisão de danação eterna, onde vão usar seus poderes e atingir meu cérebro ao ponto de perder a razão? A memória? Ah, os canalhas!
Abre logo essa porcaria, Fausto, insistiu David, como passei a chamar a voz dentro do meu cérebro. Quer ou não botar as coisas nos eixos? Você precisa enfrentar no tempo, meu amigo, como lhe ensinamos. Vingança, lembra-se? Vingança! Uma gota, apenas uma, na língua. Pego a chave de madeira do bolso, e…
As coisas serão a você reveladas quando tiverem que ser reveladas.
Isso nunca aconteceu. Esta sensação. Nunca. Devo ter acertado desta vez. O segredo, finalmente… O efeito…
Primeiro veio o formigamento. Depois, a dor. Eu parecia estar pegando fogo, queimando de dentro pra fora. Achei que minhas entranhas estavam liquefazendo. Então, o sangue escorreu. Sangue vivo que veio debaixo de mim e se espalhou pelo chão. Me molhou. Empapou. E formou um redemoinho que me sugou para o nada.
Não sei quanto tempo fiquei desacordado. Um minuto? Dois? Um século? Será que consegui? Seria motivo pra comemoração, não fosse a dor no corpo, a cabeça que latejava, parecia que ia explodir e espalhar meu cérebro por todos os cantos.
Conexão Literatura: Como o leitor interessado deverá proceder para adquirir o seu livro e saber um pouco mais sobre você e o seu trabalho literário?
Michael Ruman: O livro está à venda somente em formato digital e exclusivo na Amazon:
o link é:
Ou, deem uma olhada no meu site:
Conexão Literatura: Existem novos projetos em pauta?
Michael Ruman: Em literatura, sim. A parte 2 do “Invasores de Marte”, que já está escrito e eu preciso fazer uma revisão lógica e artística antes de enviar para a revisora.
Também, já estou rascunhando um outro livro, “Vivaldi”, protagonizado por adolescentes que se veem obrigados a tomar decisões drásticas para impedir que suas famílias sejam despejadas do edifício onde vivem. É um drama “coming of age”.
Perguntas rápidas:
Um livro: O apanhador no campo de centeio (J. D. Salinger)
Um (a) autor (a): Já que citei o livro: J. D. Salinger e um brasileiro que me inspirou desde que conheci: João Carlos Marinho, autor de “O gênio do crime” e criador da turma do gordo.
Um ator ou atriz: Jodie Foster
Um filme: 2001, uma odisséia no espaço. Quanto mais vejo, melhor fica!
Um dia especial: Aniversário da minha mãe.
Conexão Literatura: Deseja encerrar com mais algum comentário?
Michael Ruman: Espero que as pessoas curtam o “Fausto Norberg” que, apesar da loucura, é um personagem que criei com muito carinho.
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