Emílio Figueira - Foto divulgação |
Quando fiquei com paralisia cerebral durante o meu parto no final dos anos 1960, com sérios danos na fala e na coordenação motora, para grande parte das pessoas que me conheciam e para minha família eu já estava com o meu destino traçado. Ser dependente das outras pessoas, isolado dentro das instituições. Ainda mais naquela época onde nós, pessoas com deficiência, vivíamos totalmente excluídos da sociedade.
Como conto no livro “O Caso do Tipógrafo – Crônicas das minhas memórias”, vivíamos uma época que os estudos e técnicas de tratamentos ainda engatinhavam. Por cinco anos usei aparelhos em quase todo o corpo para ele endurecer. Pesadas pulseiras de chumbo nos braços para “diminuir” os movimentos involuntários. Lembro-me de seminários com enormes plateias, onde, crianças, éramos colocados só de cueca no palco, o especialista ia nos mostrando e analisando o caso. Assim fiz parte de muitos outros experimentos e pesquisas no início dos anos 1970.
Alguns médicos chegaram a dizer que eu nem seria alfabetizado. Só que meus pais não acreditaram nisso, ensinando-me a ler e escrever aos cinco anos de idade. E, ao descobrir o mundo das letras, se minha vida fosse uma fábula, eu começaria assim: Era uma vez um menino que, aos cinco anos, já escrevia seus primeiros textos e dizia que seria um escritor.Após onze anos de intensos tratamentos e isolamento social, fui morar com meus avós em uma pequena cidade interiorana, sendo incluído em uma escola comum e fazendo muitos amigos. Nesse período eu realmente me desenvolvi em todos os sentidos. Já escrevia muitos textos e poesias. O pequeno jornal dessa cidade passou a publicar meus escritos. E nessa tipografia, enquanto aprendiz aos treze anos, descobri a paixão pelo jornalismo. Ao mesmo tempo fui alimentando este pensamento: Se eu não lutasse pelos meus objetivos de vida, ninguém iria lutar por mim!
No final dos anos 1980, ao deixar essa cidade e ir morar em outra bem maior, eu estava sem rumo. Fui acompanhado de um saudoso tio procurar uma renomada instituição nacional que visava profissionalizar pessoas com deficiência e encaminhá-las ao mercado de trabalho. Passei por algumas entrevistas até chegar à psicóloga. À certa altura, ela me perguntou o que eu gostaria de fazer. Expliquei-lhe que era um jornalista e desejava dar continuidade a isso. Ela me disse secamente: “Você precisa tomar consciência que é um deficiente e por isto não pode ser um jornalista!” Eu simplesmente desejei-lhe um bom dia, levantei-me e nunca mais voltei lá.
Fui crescendo profissionalmente, estudando e escrevendo cada vez mais. Publicando minhas criações em jornais e revistas, lançando os primeiros livros, sempre lendo e fazendo muitos cursos para um dia ser um escritor. Anos mais tarde, integrado em algumas rodas literárias, comecei a participar das reuniões de criação da Academia Bauruense de Letras daquela cidade. O projeto vingou e a fundação foi marcada em um luxuoso Tênis Club. Dias antes, uma pessoa da comissão telefonou em minha casa para comunicar que não permitiria que eu tomasse posse no dia da inauguração, chegando a dizer: “Não ficará bem para a ABL ter um deficiente em uma cerimônia tão solene!”.
Em minha caminhada, já vivi muitos momentos de preconceitos, discriminatórios, os chamados bullying e muitos obstáculos sociais e atitudinais tive que superar. Marcaram-me só nos instantes que ocorreram. Nunca os deixei me abater por eles, pois sempre tive tantas coisas positivas para buscar, que aprendi a não perder o meu tempo com babacas.
Hoje muitas pessoas se espantam ao saberem que, mesmo com paralisia cerebral, tenho três graduações, cinco pós-graduações e dois doutorados. Tenho 90 livros editados, 98 artigos científicos publicados. E, enquanto jornalista, já publiquei mais de 500 textos. Grande parte voltados às questões humanitárias! E como tenho mania de arquivista, estão todos organizados e datados em pastas, guardados com muito orgulho. Sou conferencista de pós-graduação, tenho vários cursos gratuitos online que monto e ofereço gratuitamente, atingindo já mais de 30 mil pessoas. Viajo sozinho todo o Brasil fazendo palestras, o que é uma grande superação, pois me viro em aeroporto e hotéis sem apoio daquelas pessoas que sempre estão em minha volta. Digo que grande são as pessoas que, conscientes de suas limitações, tornam-se infinitas suas possibilidades!
O tempo passou e fui construindo minha identidade e lugar no mundo a partir da exclusão... Agora em julho completo 39 anos de jornalismo. Na época que procurei àquela instituição, eu nem imaginava que dose anos depois, eu ingressaria em uma faculdade de psicologia, faria mestrado, doutorado e escreveria muitos artigos e livros na área. Não me tornei membro daquela Academia. Mas venho construindo uma carreira literária já com vários títulos publicados e muitos planos e ideias que eu ainda quero concretizar.
Àquela psicóloga que nem de longe representa o pensamento de nossa categoria, pediu-me para ter consciência que eu era um “deficiente”. Porém, ao longo da minha existência, preferi ter a consciência que, como qualquer pessoa que sonha e vai buscar seus objetivos, sou totalmente capaz! O importante é que aquele menino limitado por sua paralisia cerebral, alfabetizado aos cinco anos e que queria ser escritor, nunca deixou de sonhar!
Instagram do autor: @emilio.figueira
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