João Barone, autor e membro da banda Os Paralamas do Sucesso, é destaque da nova edição da Revista Conexão Literatura – Setembro/nº 111

  Querido(a) leitor(a)! Nossa nova edição está novamente megaespecial e destaca João Barone, baterista da banda Os Paralamas do Sucesso. Bar...

sexta-feira, 11 de junho de 2021

Conto “Lâmina no Gelo”, por Roberto Fiori


Carol das Neves andava em círculos, sobre o solo macio e inseguro da neve espessa. Havia três horas que buscava uma saída da planície gelada e existia o perigo de encontrar seus inimigos.

“Ao menos se Derlek, o Grande, não tivesse dado as costas para Olfmund, nos jogos de Inverno, de ontem!” — ela pensava a todo momento. As duas tribos de guerreiros tinham se fixado a dez quilômetros de distância, uma da outra, inimigas de longa data. Até Dezembro passado, quando o rei Olfmund assinara um tratado de paz com Derlek, o Grande, chefe dos Tártaros, e que uma vez ambicionara a coroa que o outro usava.

Mas o rei dera uma série de vantagens para a tribo do Leste poder se estabelecer perto dos vikings e lucrar com as trocas de produtos que ambos os povos passaram a realizar, a cada Inverno. No Hemisfério Norte, onde estavam fixadas as duas tribos, às margens do rio Volga, haviam derramado sangue suficiente para que Olfmund desejasse a paz, a qualquer custo. Mas ocorrera algo, nos jogos do meio do Inverno. 

Ao final da contenda entre os campeões de cada tribo, o rei nórdico passara mal. Temendo ser envenenamento, evitou dar motivos para uma investigação. O mal-estar continuava e Olfmund mantinha a face impassível. A dor era suportável. Mas quando seu campeão, um homenzarrão maciço e forte o bastante para levantar o oponente com um braço só, desarmou o tártaro baixote e troncudo, o juiz do combate declarou o final da luta. Derlek levantou-se, o rosto vermelho e os malares salientes.

— Não! Ainda não! — ele gritou, apontando para seu campeão. — Você, continue lutando, sem medo! — e desceu a escada do palanque em que os líderes dos Tártaros se abrigavam da neve que caía fraca, mas constante.

Olfmund percebeu que seu lutador acabaria em três tempos com o campeão da tribo vizinha. Inclinou-se para seu assistente pessoal e disse algo em voz baixa. Este levantou-se e gritou:

— Luta finda! Alazork, volte para os alojamentos! — disse o homem franzino para o vencedor da luta.

Foi então que Derlek caminhou em passos decididos para o lado oposto do campo de batalha. Estacou, ladeado por seus dois principais comandantes, na neve que cobria o campo, e declarou, olhando para o rei dos vikings, sentado a oito metros de altura, no palanque.

— Olfmund, o trato seria luta até o final! — o viking sussurrou algo para seu assistente, um assento a seu lado. Ele levantou-se e falou:

— Os jogos têm sua importância, meu rei me confidenciou. Mas encontro-me no limite de minhas forças. Suportei uma dor que não cede por mais de duas horas, o tempo que este torneio durou. Começou com uma batalha simulada em que se derramou sangue, não havendo mortes, no entanto, e continuou com esta luta entre nossos melhores guerreiros. Vamos dar um basta à violência. Nada mais de jogos até a morte. Digo não, à morte e sim, à vida. Celebremos. Você é convidado em minha morada. Mas é necessário que eu me recupere, primeiro.

Derlek arreganhou os dentes e cuspiu no chão branco, junto à primeira fileira de assentos. Deu as costas para o rei viking, o manto de pele de ovelha esvoaçando, os cabelos tingidos pela neve, e foi acompanhado pelos seus dois líderes, voltando para junto de seus homens. Gritou e todos se levantaram, seguindo-o para os cavalos, que montavam em pelo.

Nesse ínterim, médicos de Olfmund o examinaram, sentado no palanque, mas não conseguiram descobrir nenhuma anomalia, em um primeiro momento. Ouviram seus batimentos cardíacos, encostando a orelha em seu peito, mediram suas pulsações, tinham meios inclusive de medir sua pressão arterial, com aparelhos que haviam inventado, meses atrás.

O rei mantinha-se consciente, mas ouvia o que se passava de modo distante. Sentia que sua hora havia chegado. Porém, estava errado. Levaram-no para uma construção de lona, madeira e bambu, grande, onde o examinaram melhor. Lovak, o cirurgião-chefe da tribo, auscultou o coração do rei, com um instrumento com que podia detectar a mais leve alteração no músculo cardíaco. E percebeu que o problema estava nas paredes do músculo cardíaco. 

Olfmund tinha de ser deixado em repouso absoluto por quarenta e oito horas. Uma erva que crescia no solo gelado das planícies nevadas, próximo ao assentamento da tribo tártara, recuperaria o tecido enfraquecido do miocárdio do rei. Lovak pensou na sorte que Olfmund tivera. Mesmo com quarenta e cinco anos de experiência em cirurgias, o médico sabia que um coração fraco significava uma morte mais rápida. Nem ele sabia o que fazer, para reparar o mal. Mas ouvira falar de viajantes vindos das planícies do que no futuro seria conhecido como Sibéria, da erva milagrosa de Dejamor.

Carol das Neves tinha perdido o rumo, a dois quilômetros da tribo tártara. Possuía uma audição aguçadíssima, ela podia ouvir cavalos cavalgando sobre um manto macio de neve a pelo menos três quilômetros de distância. Havia uma parte da planície onde podia se esconder, onde rochas imensas projetavam-se para o céu. Foi para lá.

Cavalos montados por tártaros aproximavam-se. Eram animais usados para longas jornadas, que não se cansavam fácil. Mas em questões como uma disparada rápida, não eram páreos para aqueles que haviam ficado nos domínios da tribo de Derlek. Faziam anos que os dois povos lutavam na planície, com uma permanente cobertura de neve. E ninguém conseguia prever qual tribo venceria a outra. Os tártaros, com seus cavalos, eram tidos como imbatíveis, mas os vikings, com sua força física superior, estavam em situação de igualdade.

Carol podia ver a planície inteira, por aberturas nas rochas, unidas entre si e parte de uma estrutura de pedra que um dia fora um monte de grandes proporções. Um grupo de tártaros, invisível devido à distância, podia ser ouvido pela mulher. Ela teve a atenção desviada para um canto do abrigo em que havia terra, não neve. Uma touceira crescia no frio enregelante. Carol ajoelhou-se e admirou as plantas. Eram o que procurava, bulbos pequenos dos quais saía um pouco do líquido branco que restabeleceria Olfmund. 

A mulher virou-se e voltou ao posto de observação. A planície fora tomada pelas forças de Derlek, ele estando à frente de seus homens, montando um cavalo forte e robusto, superior em resistência em relação aos demais. Passaram ao largo do conjunto de rochas entre as quais Carol estava escondida. Pelo menos cinco minutos foi o tempo que levou para as forças do chefe tártaro passarem pela linha de visão da viking e continuarem para o Sul, rumo à tribo nórdica.

Ela tinha de avisar seus conterrâneos! Havia trazido uma bolsa de couro a tiracolo consigo, e foi tirando bulbo por bulbo da touceira, com o máximo de cuidado para não romper a casca das plantas. Depois de tirar cerca de trinta bulbos e colocá-los na bolsa, saiu de dentro do esconderijo. Olhou para o Sul e percebeu que todos os vikings estariam condenados, se ela não os avisasse a tempo.

Correu. Era o que melhor sabia fazer. Era uma maratonista de alta performance, e sabia disso. Por esse motivo, se oferecera para a tarefa de colher a erva de Dejamor. Ouviu os cavalos retrocederem, antes de poder visualizá-los. Podia ouvir cavalos trotando no terreno gelado e jogou-se no chão, fora do caminho que os tártaros haviam usado para seguir para o Sul. Cobriu-se de neve, até seus olhos serem a única parte do corpo descoberta, e esperou.

Uma pequena parte dos cavaleiros surgiu à distância. Eles seguiram para o amontoado de rochas, onde Carol havia estado, passando junto ao montinho que escondia Carol. Por um triz, os cascos dos animais não a desfizeram em pedaços. Os homens entraram no labirinto entre as rochas e demoraram a sair. Quinze minutos de procura se passaram. A viking preparou-se. Sacou do cinto uma faca afiada e comprida. Quando o bando tártaro se dividiu, dois dos cavaleiros voltando para o Sul, e o restante seguindo para as terras ao Norte, Carol acocorou-se, expondo-se, e saltou. Cortou a garganta do tártaro e conduziu o cavalo para interceptar o outro. Este sacou das costas um arco e armou-o com uma flecha. Os guerreiros tártaros eram peritos no manejo de arco e flechas, isso todos os vikings sabiam. Portanto, Carol debruçou-se no lombo de sua montaria e recebeu a flechada, que atingiu seu cavalo no pescoço. Prevendo que ficaria com uma perna presa sob o animal, a mulher saltou, antes de ele tombar.

Atingiu o oponente com o corpo, derrubando-o. Cravou sua lâmina no tórax maciço do cavaleiro várias vezes, o sangue sujando as roupas dos lutadores. O tártaro era encorpado. Jogou seu corpo para esmagar Carol contra o solo, mas ela foi rápida, enterrando sua faca na lateral da cabeça do inimigo. Rastejou, ficando afastada d o outro, que permaneceu caído de costas, e montou no cavalo dele. 

Conhecia cavalos e como montar e lutar sobre eles. Em sua curta existência, Carol ocupara-se em treinar seu físico e sua mente para ocasiões como esta. Bateu com os calcanhares nos flancos do animal e berrou. Ele galopou, célere.

--//--

Lovak esperava, ao lado da maca sobre a mesa que sustentava o corpo do rei dos vikings. Ele podia abrir o tórax de Olfmund, reparar as artérias e veias importantes, desobstruindo-as de placas de gordura, podia fazer cirurgias de emergência no próprio miocárdio, nos aurículos e ventrículos, mas era só. Ignorava que, no acampamento da tribo tártara, outro médico conseguia fazer o mesmo, e desconhecia que a ciência médica estava estagnada em um ponto que, por mais que os cirurgiões tentassem, era um patamar em que nada surgia de novo no panorama da medicina cirúrgica, no mundo em que viviam.

Ele tomou o pulso do rei, mediu sua pulsação e sua temperatura e avaliou a situação. Entregara a sorte de Olfmund a uma mulher com quem confiava e confiaria a vida de qualquer viking, em missões como aquela. Um bulbo, era o que precisava, da erva de Dejamor! Uma única gota da seiva que ele deixava escorrer, quando pressionado.

Sentou-se, portanto, vendo que o que havia a fazer era esperar por Carol das Neves. Carol, a corredora, Carol, a guerreira. Olhou para a porta da enfermaria e viu a neve cair. Parecia piorar, a cada hora que passava. Ao frio, todos estavam acostumados, mas uma ideia se apoderara do velho cirurgião, e ele sentiu medo. E se os tártaros quebrassem o acordo de paz?

--//--

Carol galopava. Sentia o vento frio revigorante passando por seu corpo e sabia que os inimigos estavam a uma distância curta. Antes de virar à direita, além de um alto monte de neve e gelo, parou sua montaria e desmontou. Via com clareza as marcas dos cavalos dos homens de Derlek e sabia, por meio de sua audição, que eles haviam parado a quinhentos ou seiscentos metros. Ajoelhou-se ao chegar ao monte e passou neve em seu corpo. Avançou e viu, quieta, as tropas tártaras estacionadas.

Derlek organizara uma reunião com seus homens e dizia que tinham de atacar de imediato. Um de seus capitães respondia que precisavam esperar a noite cair. Entre uma frase e outra, Carol pôde ouvir a espada do chefe tártaro sendo desembainhada. Apertou os olhos e viu quando Derlek encostou a extremidade da lâmina no pescoço do outro. 

— É melhor que os surpreendamos enquanto está claro, Vendeel. À noite, nossa visão estará prejudicada.

Vendeel sussurrou um “sim” e afastou-se do chefe.

— Montem! E busquemos a cabeça de Olfmund!

Todos gritaram, menos Vendeel. Ele levou a mão ao pescoço e murmurou para si que “ele esperaria, ah, esperaria por uma coisa!”.

Quando todos haviam partido, o homem passou os olhos pela paisagem. Fitou o monte ao lado do qual Carol estava e montou em seu cavalo, seguindo em direção a ela. A mulher manteve-se quieta, tensa, e preparou-se. À distância de dois metros dela, Vendeel fez o cavalo estacar.

— Sei que está aí, quem quer que seja. Se veio em paz, o que duvido, mostre-se e desarmado. Se veio em busca de luta, pode vir, estou preparado.

Carol estava intrigada. Por que um tártaro pensaria que alguém estaria esperando um momento para atacá-lo... a não ser que soubesse de fato que esse alguém era um viking? Nesse caso, não hesitaria em passar por cima dela, com o cavalo. A mulher se levantou de onde estava, camuflada pela cobertura de neve branca, de faca erguida.

— O que Derlek quer, além de dizimar nosso povo?

— Derlek não quer acabar com todos, levará à morte os que estiverem entre ele e Olfmund.

— Por que não me atacou? — Carol perguntou, um pouco nervosa.

— Porque não sou um aliado dos tártaros, agora não mais.

— Vamos atrás deles. Devem estar chegando em minha tribo!

Partiram, a galope rápido. Atiçavam os cavalos, por um atalho que a viking conhecia, conduzindo-os ao destino com tempo suficiente para avisar os aliados de Carol.

Derlek seguia por um desfiladeiro de rochas encimadas por camadas de neve. Confiava na surpresa, no ardil que tanto lhe dera vitórias, no passado. Contornaram uma alta pilha de rochas e chegaram a dois túneis. O da esquerda estava obliterado por um desabamento, mas o outro se encontrava desimpedido. Entraram por este, acendendo archotes e tochas para enxergarem no escuro.

Quando estavam prestes a cruzar a saída, ouviram um ribombar próximo. Derlek conclamou os homens a galoparem com o máximo de velocidade que seus cavalos poderiam lhes oferecer.

A maioria ficou presa no desabamento que fechou a caverna. Derlek e alguns oficiais, fora do túnel, foram encurralados por seres de grande estatura, cujas cabeças davam na altura do capacete de Derlek.

— Saiamos daqui, ou seremos chacinados! — o chefe dos tártaros berrou.

As criaturas, de pele acinzentada, cabelos rebeldes, testa baixa e magros ao extremo, agarraram as rédeas dos cavalos dos que escaparam ao desmoronamento e os obrigaram a sentar no chão. Estavam armadas de clavas e vinham em grande número, descendo das encostas do desfiladeiro.

Os dois grupos lutaram com grande bravura, mas, por fim, dos tártaros sobrou vivo Derlek. Ele, cercado por dez dos homens primitivos, defendia-se dos golpes dados com os porretes. 

Foi dominado, quando a horda avançou contra ele. Desapareceu sob os golpes mortais.

— Chegamos! — disse aliviada Carol das Neves. Casas de madeira tinham sido construídas pelos vikings, às margens do Volga. As pessoas plantavam nos terrenos das casas, em canteiros de terra, limpa da neve e abrigadas do mau tempo por coberturas de lã, suspensas por armações de troncos e galhos de árvores. Sem sinal dos tártaros, Vendeel e Carol seguiram para a enfermaria e, chegando lá, desmontaram com pressa e correram. Lovak e os oficiais de alta patente estavam ao redor da maca do rei viking, de cabeça baixa. Alguns murmuravam preces a Odin, Thor, Freya e a um panteão de deuses que, pela expressão de tristeza, haviam levado Olfmund para o Valhala.

Carol avançou devagar entre os homens e viu. A maca estava coberta por um lençol branco e Lovak abanava a cabeça, incrédulo. Virou-se e abriu a boca, ao ver a mulher.

— Os deuses o levaram, mulher. Você trouxe os bulbos? — ela os tirou da bolsa e deu-os ao médico-cirurgião. — Estou vendo que lutou muito para voltar. Algo a respeito dos tártaros?

— Deixamos um grupo para trás. Estamos a minutos adiantados. Temos de organizar a defesa da tribo!

— Disso, nós cuidaremos, Carol — ela se voltou e viu Sven Larsson, seu noivo, nos fundos da enfermaria. — Gente, deixemos as mensagens aos deuses para mais tarde. Vamos até a entrada da aldeia.

De fato, a única forma de alguém entrar na tribo viking era pela entrada Noroeste. Do Oeste ao Norte, foram dispostos cinco mil guerreiros nórdicos de elite, de grande força e coragem, do total dos vinte mil lutadores que habitavam a tribo. No total, aquele grupo de nórdicos, uma divisão pequena do que viera da Islândia, sob o comando de Leif Eriksson, podiam ser liquidados por um número igual de combatentes tártaros, e isso era o que incomodava Carol. Isso se os cavalos fossem usados. Mas, até o momento, as batalhas que ocorriam na planície vasta entre as duas tribos mostrara que ambos os exércitos estavam em pé de igualdade. A mulher calculava em cem ou cento e cinquenta os guerreiros inimigos, mas achava que viria um número muito superior, a seguir.

— O que está fazendo, Carol? Tem de ficar em segurança, no lado interno dos muros!

— Larsson, o que é isso? — ele a segurava pela parte interna do braço, no exterior do perímetro da aldeia. — Largue-me, não vou querer machucá-lo, Sven!

Vendeel observava a discussão e concluiu que talvez Sven Larsson estivesse um tanto enciumado por ele ter chegado com Carol ao assentamento viking. Com calma, aproximou-se dos dois.

— Senhor, sou um ex-aliado dos tártaros. Quero fazer parte da batalha, a seu lado — Sven largou a noiva, com um tranco e encarou Vendeel. 

— O que o fez mudar de lado, tártaro? Vai trair seu povo, a troco do quê?

— O chefe Derlek encostou sua espada em minha garganta, há quinze minutos. Não faria o mesmo, desertar para salvar-se de um líder ganancioso e violento?

Larsson observou melhor o desertor. Era um tártaro esguio, baixo, mas as veias nos braços descobertos revelavam seu físico de atleta.

— Ele o ameaçou por que motivo?

— Eu era contra o modo dele comandar seus homens e contra suas decisões — e acrescentou: — Não tenho família, nem fiz amizades duradouras, entre os tártaros. Sou senhor de meu próprio destino.

— Carol, você pode ser útil. Leve o... nosso novo aliado para falar com o terceiro comandante-em-chefe. Ele fornecerá instruções para você, hã... qual o seu nome, homem?

— Vendeel, sou Vendeel, guerreiro. Só.

Sven olhou-o, perscrutando-o com olhos conhecedores. 

— Sei que é forte, Vendeel. Poderá nos ajudar muito, entre os vikings. E você, Carol, não posso obrigá-la a mudar de ideia, mas, por favor, não deixe que a matem. O que será de nosso casamento, se manchado de sangue, antes mesmo de começarmos a comprar os móveis para nossa moradia?

— Sim, Sven, tomarei cuidado. Como sempre — Larsson olhou-a descrente, reparando na roupa manchada com sangue do adversário com quem lutara, perto do afloramento rochoso.

As horas se passaram, e nenhum sinal dos tártaros. Carol pensou que, se eles tivessem tomado o caminho do Desfiladeiro de Orchak, não teriam muita chance contra o Povo da Montanha. Achou que, se fosse melhor que os aborígenes cuidassem da saúde dos inimigos dos vikings, as coisas deveriam ser deixadas daquela forma. Mas pensou que, no lugar dos tártaros, os vikings iriam querer alguma ajuda, seja de quem fosse. Tomou uma decisão. 

— Comandante Gantz — Carol falou, entrando na tenda do segundo comandante-em-chefe, situada na parte interna das muralhas, afastada do portão de entrada. 

— Sim, Carol? O que quer discutir comigo? — Gantz estava sentado em uma cadeira simples, de madeira, em uma mesa circular. 

— Peço permissão para sair em um grupo de reconhecimento, pelo Desfiladeiro de Orchak.

— Permissão negada. É arriscado, o suficiente para que nem cem soldados a acompanhem. Está preocupada com nossos adversários, hem?

— Fazem cinco horas que preparamos nosso exército e instalamos as tendas para oficiais e comandantes, senhor. Eu acho que Derlek não atacará hoje.

— São quatro da tarde. O que a leva pensar que ele está perdido em alguma ravina, ou caverna do Desfiladeiro? — Carol levantou uma sobrancelha, os pensamentos além da realidade da tenda.

— Quando fui buscar os bulbos para tentar salvar a vida de nosso rei, vi como agiam. Derlek e seu grupo que rumava para cá tinham todos os motivos para estar aqui, há mais de cinco horas. O que o levaria a se atrasar tanto, ou a desistir de nos atacar?

— Talvez tenha mudado de atitude.

— Mas senhor...

— E sem mais, nem menos, Carol — afirmou Gantz, com um sorriso de complacência. — Vou enviar um destacamento para o Desfiladeiro, mas você se arriscou o bastante, por hoje. Vai ficar aqui, nessa tenda, para que eu não possa tirar os olhos de você. 

O Comandante era um homem grande, forte, mas de temperamento dócil. Tinha simpatia pela guerreira mais corajosa da tribo dos vikings, sabia do que ela era capaz. Já a vira correr, usar sua arma favorita, a faca longa, e matar sem demonstrar arrependimento pelo que fizera, em combate contra o Povo da Montanha. Carol sentou-se na mesa e o Comandante saiu. Demorou vinte minutos para voltar.

— Cento de noventa vikings tomarão o caminho para as cavernas Inclich, em dez minutos. Pelo que você relatou, é o caminho que tomariam para chegar às nossas terras — e acrescentou: — Sabe o que acho, Carol das Neves? As criaturas do Desfiladeiro de Orchak são numerosas, em primeiro lugar. São inteligentes, mesmo sendo tão primitivas, em segundo lugar. E em terceiro lugar, desejam se vingar por nossas incursões às terras deles. Matamos muitos. Tentamos ser compassivos com essa gente tão atrasada. Mas eles não tiveram misericórdia, quando começamos a explorar aquela região. É isso, vamos, vá descansar. Pode ficar no sofá, nos fundos dessa grande tenda.

Carol percebeu que o Comandante, Sven e sua família tentavam protegê-la. Quando se alistara nas forças de ataque da tribo, seus pais choraram tanto, que a mulher pensara seriamente em ser outra dona-de-casa, como sua mãe, até que conheceu Sven Larsson, que a encorajara quanto aos treinamentos com todo tipo de arma. E trouxera um cavalo para ela, que lhe tinha dado por um tártaro com quem fizera amizade, nos anos de luta com aquela tribo. 

O destacamento de quase duzentos guerreiros chegou ao terreno de rocha do Desfiladeiro de Orchak em meia hora. Entraram nos labirínticos caminhos que o faziam ser ponto principal de emboscadas, vindas do alto, das vertentes íngremes que se erguiam acima do passeio. Faziam o mínimo ruído, trazendo nas mãos machados e escudos, e no cinto, espadas, facas e punhais. Um terço da força de ataque era constituída por arqueiros, preparados até a exaustão nos treinos de mira a uma distância de trezentos metros, a altura dos montes do Desfiladeiro.

Sven Larsson liderava o grupo, à frente. Chegaram em pouco tempo às duas cavernas Inclich. Escombros e rochas gigantescas haviam fechado sua saída. Larsson ordenou o máximo de atenção. Dispôs os arqueiros em diferentes posições do destacamento, para que pudessem oferecer proteção a ele. Aproximou-se da caverna da direita, onde madeira, rocha e areia obstruía de tal forma a saída dela, que o líder dos vikings pensou ser necessário mais do que simples homens para desimpedi-la. Seria necessário um lugar amplo, para que cavalos puxassem os escombros. 

Larsson olhou para cima. O penhasco que se erguia acima das saídas era íngreme, mas, observando melhor, ele encontrou numerosos pontos de lançamento de objetos, que poderiam obstruir as cavernas, no solo. Apurou os ouvidos. Passos. Corrida. Um quebrar de pedra contra pedra.

— Atenção, todos! Pode ocorrer um ataque, fiquem firmes!

Uma enorme rocha, granítica, soltou-se do alto do Desfiladeiro, descendo para esmagar os guerreiros, no caminho que usaram para chegar às cavernas. Os homens se afastaram e deram espaço para a rocha bater no chão e saltar, colidindo contra a encosta do outro lado da praça de saída das cavernas.

— Arqueiros, alvejem tudo o que é vivo e se mova! Os demais, tragam cordas! Vamos abrir caminho pela caverna da esquerda!

A entrada da caverna à esquerda, junto ao paredão do Desfiladeiro, estava fechada por rochas. Nenhum outro tipo de material, senão quartzo, granito e outros componentes compunham as pedras avantajadas empurradas do alto.

Um grito animalesco sobrepôs-se a tudo. E os restos de Derlek foram atirados para o meio da praça. Larsson viu que ele não tinha membros. Estava vestido com roupas em frangalhos. Os olhos fitavam o céu, abertos.

Amarrando cordas grossas às rochas da caverna, os guerreiros puxaram e conseguiram mover as toneladas de pedra que bloqueava o túnel. Quando o último obstáculo, uma placa de granito, desabou, puxada por uma força de cinquenta vikings, o Povo da Montanha atacou. Os seres vinham do alto, saltando pelas saliências das encostas e, a princípio, foram derrotados, alvejados pelos arqueiros. No decorrer do ataque, lançaram pedras pesadas e galhos espessos contra os guerreiros, mas estes se defenderam, cobrindo-se com os escudos de ferro.

Os tártaros que se encontravam no interior da caverna saíram, piscando os olhos. Presos no túnel, sua entrada e saída bloqueadas pelo Povo da Montanha. Era claro que este queria aniquilar todos os que entraram na caverna pela fome e sede.

— Continuem a flechá-los, não será difícil sairmos daqui, homens! — Sven Larsson gritou. Nesse momento, virou-se, protegendo seu corpo em uma reentrância no paredão, contra uma chuva de rochas, lançada por um dos aborígenes.

— Querem ajuda, vikings? — O subcomandante dos tártaros se aproximou de Larsson e puxou-o da reentrância na rocha pelo braço, sorrindo.

— Quantos são, aqui, amigo? — Perguntou Sven. 

— Somos quase cem, e iremos liquidar esses gorilas que nos cercaram nesse lugar. Você é Larsson, não? Meu nome é Seriak, respondo pelo meu grupo, agora que o Povo da Montanha liquidou meus superiores. Dê-me algumas flechas, posso usar meu arco com perícia!

Dezenas de seres de grande estatura, que haviam escapado às flechas dos vikings, desceram das encostas e correram como loucos em direção ao grupo dos inimigos. Larsson, Seriak e um grupo de vikings tomou conta da praça. A matança durou uma hora, o Povo da Montanha sendo trucidado pelas armas de ferro e aço dos adversários. Uma das criaturas havia sido flechada inúmeras vezes, mas continuava dando golpes com uma maça de madeira maciça, que deixara vikings e tártaros feridos e mortos. 

Sven decidiu acabar com aquela criatura abjeta. Deu uma cambalhota, saindo do alcance do porrete do gigante, que desferiu um golpe que ecoou pelo lugar, onde Larsson se encontrara, momentos antes. O viking cortou o braço esquerdo desarmado do outro, que foi atirado pelo solo, rolando. O ser com rosto de pesadelo virou-se para atingir Larsson com a maça, mas Sven jogou-se no chão. E cortou uma das pernas da aberração com um golpe dado com as duas mãos. 

Sangue esguichou e a criatura tombou. O viking cortou seu crânio de lado a lado e trespassou a lateral do pescoço da coisa com a espada. Nisso, o Povo da Montanha se enfureceu ao extremo.

— Arqueiros, mirem na cabeça! Na cabeça desses monstros! — Sven ordenou.

Sangue tingiu a rocha do Desfiladeiro, suas encostas e o solo. Na caverna, lutas árduas foram travadas, por vezes por dez seres implacáveis e quinze a vinte homens, trespassando com as espadas os inimigos, cortando e mutilando as faces e membros, numa sucessão de combates que já ia pelo início da noite. 

Somente às cinco da manhã, quando o campo de batalha foi tomado pelos corpos de homens e coisas, é que houve uma pausa para os homens poderem recuar e sair do Desfiladeiro. Não havia espaço para pisar no solo, este estava tomado por completo por uma camada de corpos mutilados.

— Acabou, Larsson, derrotamos eles — Seriak comentou, ao lado de Sven, do lado de fora do labirinto de pedra. O viking olhou para cima e comentou:

— O respeito será mútuo, por muito tempo. O Desfiladeiro é território proibido para os homens, amigo tártaro. E acho que vai nevar como nunca!

Sven havia lutado, no final do combate, com duas espadas vikings, alternando-as. Quando a neve recomeçou a cair, com ventos brutais e frio incessante, o noivo de Carol encontrou no caminho de volta à tribo viking uma elevação, um amontoado de rochas, que fora colocado para marcar o lugar onde alguém um dia fora enterrado.

O viking subiu na pilha com facilidade e, usando ambas as mãos, cravou a espada sobressalente no topo, onde a neve se acumulara por mais de um metro de altura.

— Está feito, como nos velhos tempos em que lutávamos contra os tártaros na planície e enterrávamos nossos amigos em locais pedregosos.

A neve, sem descanso, continuava a cair.

Larsson, triste com a ferocidade da batalha, chorou em silêncio. Quando a dor da perda de seus colegas e amigos passou, desceu da elevação.

— Sim, Carol, nós, vikings, sabemos como cravar uma lâmina no coração do Povo da Montanha. E sobre um túmulo, na neve — com esse pensamento dito em voz alta, ele liderou o grupo pela planície gelada, até o assentamento viking.


*Sobre Roberto Fiori:

Escritor de Literatura Fantástica. Natural de São Paulo, reside atualmente em Vargem Grande Paulista, no Estado de São Paulo. Graduou-se na FATEC – SP e trabalhou por anos como free-lancer em Informática. Estudou pintura a óleo. Hoje, dedica-se somente à literatura, tendo como hobby sua guitarra elétrica. Estudou literatura com o escritor, poeta, cineasta e pintor André Carneiro, na Oficina da Palavra, em São Paulo. Mas Roberto não é somente aficionado por Ficção Científica, Fantasia e Horror. Admira toda forma de arte, arte que, segundo o escritor, quando realizada com bom gosto e técnica apurada, torna-se uma manifestação do espírito elevada e extremamente valiosa.

Sobre o livro Cedrik - Espada & Sangue:

“Em uma época perdida no Tempo,

onde a Escuridão ameaçava todos,

surgiu um líder.

Destruição, morte, tudo conspirava contra.

Mas era um Homem de extremos, audacioso.

Era um Homem sem medo”. 

Dos Relatos e das Crônicas da Velha Terra.  


Em sua obra “Cedrik – Espada & Sangue”, o escritor Roberto Fiori coloca sua imaginação e força de vontade à prova, para escrever seu primeiro romance. Um livro de Fantasia Heroica, no gênero Espada & Feitiçaria, em que, em uma realidade paralela, a Terra da Idade do Ferro torna-se campo de lutas, bravura, magia e paixão.

Cedrik é um Guerreiro capaz de levantar 75 kg em cada braço e, ao mesmo tempo, de escalar uma parede vertical de mais de 20 metros de altura facilmente. Em meio a ameaças poderosas, parte para o Leste, em missão de vingança. Acompanham-no a bela princesa Vivian, vinda do Extremo Leste, e o fiel amigo Sandial, o Ancião, grande arqueiro e amigo a toda prova.

Os amigos enfrentam demônios, monstros, piratas e bandidos sanguinários. Usam de magia para se tornarem fisicamente invencíveis. Combatem demônios vindos do Inferno, no Grande Mar. Vivian é guardiã e protetora do Necrofilium, livro que contém maldições, feitiços e encantamentos em suas páginas.

A intenção do autor é continuar por anos as aventuras de Cedrik, escrevendo sobre todo um Universo Fantástico, em que bárbaros e guerreiros travam lutas ferozes e feitiçaria não é uma questão somente de “se acreditar” em seu poder, mas de realmente utilizá-lo para a batalha, como uma arma.

A obra pode ser adquirida com o autor, pelo e-mail spbras2000@gmail.com,  no site da Editora Livros Ilimitados, em livrarias virtuais e no formato de e-book, na Amazon. Os links para acessar o livro são:

1.     Americanas.com:

https://www.americanas.com.br/produto/3200481831?pfm_carac=cedrik-espada-e-sangue&pfm_index=2&pfm_page=search&pfm_pos=grid&pfm_type=search_page

2.     Submarino.com:

https://www.submarino.com.br/produto/3200481831/cedrik-espada-e-sangue?pfm_carac=cedrik-espada-e-sangue&pfm_index=2&pfm_page=search&pfm_pos=grid&pfm_type=search_page

3.     Amazon.com:

https://www.amazon.com.br/Cedrik-Espada-Sangue-Roberto-Fiori-ebook/dp/B091J3VP89/ref=sr_1_1?__mk_pt_BR=%C3%85M%C3%85%C5%BD%C3%95%C3%91&dchild=1&keywords=cedrik+espada+e+sangue&qid=1620164807&sr=8-1 

4.     Site da Editora Livros Ilimitados:

https://www.livrosilimitados.com/product-page/cedrik-espada-e-sangue

Compartilhe:

2 comentários:

Baixe a Revista (Clique Sobre a Capa)

baixar

E-mail: contato@livrodestaque.com.br

>> Para Divulgação Literária: Clique aqui

Curta Nossa Fanpage

Siga Conexão Literatura Nas Redes Sociais:

Posts mais acessados da semana

CONHEÇA A REVISTA PROJETO AUTOESTIMA

CONHEÇA A REVISTA PROJETO AUTOESTIMA
clique sobre a capa

PATROCÍNIO:

CONHEÇA O LIVRO

REVISTA PROJETO AUTOESTIMA

AURASPACE - CRIAÇÃO DE BANNERS - LOGOMARCAS - EDIÇÃO DE VÍDEOS

E-BOOK "O ÚLTIMO HOMEM"

E-BOOK "PASSEIO SOBRENATURAL"

ANTOLOGIAS LITERÁRIAS

DIVULGUE O SEU LIVRO

BAIXE O E-BOOK GRATUITAMENTE

BAIXE O E-BOOK GRATUITAMENTE

APOIO E INCENTIVO À LEITURA

APOIO E INCENTIVO À LEITURA
APOIO E INCENTIVO À LEITURA

INSCREVA-SE NO CANAL

INSCREVA-SE NO CANAL
INSCREVA-SE NO CANAL

Leitores que passaram por aqui

Labels