João Barone, autor e membro da banda Os Paralamas do Sucesso, é destaque da nova edição da Revista Conexão Literatura – Setembro/nº 111

  Querido(a) leitor(a)! Nossa nova edição está novamente megaespecial e destaca João Barone, baterista da banda Os Paralamas do Sucesso. Bar...

sábado, 5 de dezembro de 2020

Conto "A Descoberta", por Roberto Fiori


Bequalt, tal sonâmbulo, acordou ou pensou ter acordado, na escuridão da noite sem Lua. Piscou os olhos, com o braço peludo tateou ao redor e pousou a mão grande e forte sobre o ventre de sua escolhida. A barriga de Lanut subia e descia com ritmo suave, mas abrigava um feto que ainda se desenvolveria e nasceria em oito meses e meio. 

Bequalt sentiu-se em paz, despertando por completo. Os “cri-cris” dos grilos e os sons do deserto deixaram-no um tanto alerta, mas ele sabia que perigos vindos do solo arenoso, cinquenta metros abaixo, seriam incapazes de escalar a parede lisa e íngreme que era a vertente sobre a qual ele se achava.

Observou o céu noturno, encoberto e, onde as nuvens se abriam, repleto de pontos luminosos. Havia uma mancha brilhante, que iluminava a noite e o dia sem dar trégua. De dia, acompanhava o círculo feérico que era impossível de se olhar além de meio segundo. Mas era suportável observar a mancha, ela tinha duas vezes o tamanho de Iguap, a companheira imutável, sobre a qual Bequalt podia discernir água azul baça.

Ele levantou-se em um movimento fácil de balanço, apoiando-se na parede onde estava recostado. Na escuridão, ele podia ver seus companheiros, deitados no chão ou sentados junto às paredes altas que formavam o ambiente.

Ele estava irrequieto. Mesmo sabendo que tudo corria bem, foi para a plataforma de pedra que se estendia da gruta para o ar livre. Tinha grande conhecimento do mundo, era o líder do grupo de sua tribo. Cuidadoso em evitar pisar em seus companheiros e companheiras, saiu ao relento. A mancha de cor branca evidenciava alguma coisa que Bequalt podia sentir em seus dedos, deixando penetrar, de olhos fechados, em sua mente. Mas era cedo para a criatura conseguir chegar a uma conclusão complexa. Portanto, esqueceu-se da formação no céu e pôs-se a cheirar o ar noturno, deliciando-se com o aroma das areias, das rochas, das touceiras que cresciam onde havia umidade. Estavam no início da estação das chuvas e isso Bequalt comemorou em silêncio, sentindo a brisa fresca soprar do Norte, trazendo uma chuva que seria bem-vinda, após cinco meses de seca e fome.

Sua testa baixa realçava seu aspecto atarracado. Seria necessário um tempo que ninguém naquela Era podia imaginar, até que se formasse um crânio que abrigasse um cérebro de bom tamanho. E precisaria se passar um período menor, contudo, para que se descobrisse o valor de uma pedra, ou de um osso, tanto para a defesa, como para o ataque. A brisa tornou-se fria, agressiva. Mas Bequalt possuía uma camada grossa de pelos. Ignorou o vento. Andou com cuidado até a borda da plataforma e olhou para o solo. Uma luta entre um bando de chimpanzés e cinco ou seis leões se travava e era claro para a criatura que os observava quem venceria quem. E quando. Os leões eram fortes, os melhores lutadores em combate individual. Mas lutavam contra doze a quinze chimpanzés adultos, que usavam os punhos como marretas e alguns atingiam os felinos com galhos grossos de árvores, que cresciam em um oásis, dois quilômetros ao Sul.

Bequalt acocorou-se, acompanhando o decorrer da matança. Os leões estavam encurralados contra a parede de pedra e, sendo feridos com violência, faltava pouco para sucumbirem. A Lua apareceu, nesse momento, em seu esplendor. Estava cheia e era acompanhada da grande mancha branca e cintilante, que para Bequalt comparava-se a algo... ele tentava, mas era impossível criar uma palavra, em um mundo de sensações, aromas, toques e ruídos. Ele desviou a atenção da abóbada celeste e voltou-se para ver o massacre tomar forma.

Os leões caíram, foram esmurrados, espancados com a madeira dos galhos, os macacos cravaram os dentes em suas gargantas. Enquanto matavam os felinos, os macacos urravam. A luz da Lua e da mancha no céu evidenciava o sangue, espirrando das jugulares e de outras partes do corpo, à medida em que os chimpanzés continuavam a atacar. A criatura de nome Bequalt ficou na borda íngreme, agachado por uma hora, até o fim do banquete que se dava e, se alguma vez demonstrou ter detestado presenciá-lo, o fez para si mesmo.


--//--


Na manhã seguinte, os outros o encontraram sentado na plataforma de rocha, as pernas cruzadas e o tronco curvado sobre si. Acercaram-se dele, cheiraram-no, grunhiram e o cutucaram com os dedos em forma de garra. Lanut sentou-se ao seu lado. Bequalt piscou os olhos cansados, ele havia conseguido adormecer de manhã, por meia hora, até os companheiros o acordarem. Olhou para a mancha branca entre as nuvens esfarrapadas. Lembrou-se da forma que um bosque de árvores tomara, certa noite, ao ser atingido por raios, a claridade cegante levando os troncos e galhos a tal estado, que lembrava de alguma forma a mancha no céu, quando as centelhas eram substituídas por madeira que explodia em fogo vermelho e branco.

Aproximou-se no precipício e observou o que restara da carnificina. Madeira esfacelada, restos de carne e ossos. Havia um caminho no interior do monte, que levava ao sopé dele, duzentos metros ao Sul de onde ocorrera a batalha. Como líder do grupo de criaturas, Bequalt passou entre elas e fez sinal para acompanharem-no. Desceram pela escuridão, tateando com os pés e as mãos o chão e as paredes de rocha e terra. Um trovão se ouviu.

O líder estava satisfeito, a chuva chegara. Porém, eles se encontravam tão isolados do exterior, que o som das pancadas de chuva nem chegava até eles. Havia somente o ribombar distante dos trovões.

Três leopardos saltaram das sombras. Traiçoeiros, haviam chegado sem ruído, as patas almofadadas sem deixar ecoar qualquer som. Bequalt gritou, os outros o acompanharam, os berros servindo para confundir os leopardos. O líder agarrou as duas patas dianteiras de uma das feras e manteve suas presas à distância. Os urros dos animais eram ensurdecedores. Um dos membros da tribo atacado tivera o rosto desfigurado pelas presas de um leopardo. A segunda besta abocanhara o estômago de outro. 

Bequalt via o que acontecia com o canto dos olhos. Sabia o que fazer. Entrecruzou as patas de seu inimigo uma contra a outra e as despedaçou. Agarrou o queixo e os pelos do topo da cabeça da fera e, usando sua enorme força, esmagou-a contra a parede de rocha. O leopardo caiu sem vida a seus pés. O líder dos seres esmurrou sem parar o segundo leopardo, imitado por outros três companheiros, que se lançaram contra os dois animais. Os outros faziam como Bequalt o fizera com o primeiro felino, seguraram as patas dianteiras e traseiras, suspenderam os animais e lançaram-nos ao solo. Apertaram as gargantas deles, até sufocarem-nos. O líder procurou sua escolhida. Lanut estava encolhida por trás de uma rocha, afastada no caminho por onde os outros desceram.

Arfando, viram o que sobrara das feras. Os dois companheiros feridos de Bequalt haviam sucumbido, porém. Ele esperou até todos descansarem e recomeçou a descida, os outros o seguindo em fila indiana. Lanut vinha por último, mas era por prudência. Ela tinha medo do deserto, da mancha no céu. Mas dos animais com que lutava e convivia, isso não. E havia seu filho para manter a salvo, seu e de Bequalt. Ele dobrou uma esquina e viram-se ao ar livre. Havia um mastodonte, caminhando sem pressa junto a um riacho, que crescera em volume com a chuva. 

Um clarão foi visto, a Nordeste. O líder correu. Lanut o seguiu, a alguns metros de distância do amado. Os restantes resolveram acompanhá-los. Uma árvore ardia em chamas. Seu tronco havia sido dividido em pedaços, que queimavam no chão. Bequalt bateu com as mãos em um deles, até extinguir o fogo, e agarrou-o. Encostou-o ao restante do tronco, de pé e queimando, e o bastão que segurava se iluminou, em chamas. Foi quando o líder sorriu, o primeiro sorriso que ele e sua tribo davam em milênios. Havia fragmentos de rocha espalhados ao redor da árvore e ele os recolheu. Espalhou-os aos pés dos membros da tribo. A forma era a da mancha, a cor era a de Iguap, o círculo que podia ser visto, tudo isso Bequalt percebeu em sua mente...

— Fogo! — ele pronunciou, sem titubear. — Sílex! Fragmentos de sílex! 

Os outros o entenderam. Agarraram, cada um, dois pedaços de rocha e puseram-se a bater uns contra os outros, até fagulhas saltarem dos fragmentos. Aproximaram-se do tronco e dos galhos partidos que não haviam queimado e puseram-se a experimentar, experimentar... até que, sob uma chuva torrencial, presenciaram o surgimento de chamas amareladas, subindo da madeira que teimava em permanecer de pé...

Naquela noite e nas posteriores não tiveram de passar frio. Puderam assar e cozinhar. Possuíam o dom de fabricar o fogo! Bequalt, Lanut e seis homens caçaram um mastodonte, usando pedras de sílex e lanças que fizeram e atearam fogo. O jantar estava maravilhoso, quente como ninguém jamais havia experimentado.

Bequalt e Lanut passaram a noite em altos brados, no interior do monte. Mas os brados eram de amor, e não de dor.


*Sobre Roberto Fiori:
Escritor de Literatura Fantástica. Natural de São Paulo, reside atualmente em Vargem Grande Paulista, no Estado de São Paulo. Graduou-se na FATEC – SP e trabalhou por anos como free-lancer em Informática. Estudou pintura a óleo. Hoje, dedica-se somente à literatura, tendo como hobby sua guitarra elétrica. Estudou literatura com o escritor, poeta, cineasta e pintor André Carneiro, na Oficina da Palavra, em São Paulo. Mas Roberto não é somente aficionado por Ficção Científica, Fantasia e Horror. Admira toda forma de arte, arte que, segundo o escritor, quando realizada com bom gosto e técnica apurada, torna-se uma manifestação do espírito elevada e extremamente valiosa.

Sobre o livro “Futuro! – contos fantásticos de outros lugares e outros tempos”, do autor Roberto Fiori:

Sinopse: Contos instigantes, com o poder de tele transporte às mais remotas fronteiras de nosso Universo e diferentes dimensões.
Assim é “Futuro! – contos fantásticos de outros lugares e outros tempos”, uma celebração à humanidade, uma raça que, através de suas conquistas, demonstra que deseja tudo, menos permanecer parada no tempo e espaço.

Dizem que duas pessoas podem fazer a diferença, quando no espaço e na Terra parece não haver mais nenhuma esperança de paz. Histórias de conquistas e derrotas fenomenais. Do avanço inexorável de uma raça exótica que jamais será derrotada... Ou a fantasia que conta a chegada de um povo que, em tempos remotos, ameaçou o Homem e tinha tudo para destruí-lo. Esses são relatos dos tempos em que o futuro do Homem se dispunha em um xadrez interplanetário, onde Marte era uma potência econômica e militar, e a Terra, um mero aprendiz neste jogo de vida e morte... Ou, em outro mundo, permanece o aviso de que um dia o sistema solar não mais existirá, morte e destruição esperando pelos habitantes da Terra.
Através desta obra, será impossível o leitor não lembrar de quando o ser humano enviou o primeiro satélite artificial para a órbita — o Sputnik —, o primeiro cosmonauta a orbitar a Terra — Yuri Alekseievitch Gagarin — e deu-se o primeiro pouso do Homem na Lua, na missão Apollo 11.
O livro traz à tona feitos gloriosos da Humanidade, que conseguirá tudo o que almeja, se o destino e os deuses permitirem.

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