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terça-feira, 25 de agosto de 2020

A escritora REGINA DRUMMOND concede entrevista EXCLUSIVA à revista Conexão Literatura, por Cida Simka e Sérgio Simka

Regina Drummond - Foto divulgação
Nesta entrevista exclusiva, a escritora REGINA DRUMMOND, que também é contadora de histórias e tradutora, fornece dicas preciosas para quem deseja ser escritor, fala sobre a leitura e sobre a literatura de terror.

Regina Drummond vem desenvolvendo, há anos, projetos de estímulo à leitura e eventos para professores e alunos, com palestras, cursos, oficinas pedagógicas, shows e narração de histórias, além de participar de feiras e bienais do livro, nacionais e internacionais.

Nascida em Minas Gerais, Regina Drummond é formada em Língua e Literatura Francesas. Fala inglês, francês e alemão. Atualmente, mora em Munique, na Alemanha, mas está sempre no Brasil, para cumprir uma agenda de muitos compromissos.

Você é autora de mais de 130 livros. É mais difícil escrever para criança ou para adolescente?

Engana-se quem pensa que escrever é só prazer. Há muito mais por trás disso... Pesquisas (sempre interessantes, mas, às vezes exaustivas e até frustrantes). Disciplina e dedicação (o sol brilhando lá fora, suas amigas te chamando pra passear e você recusando, firme na frente do computador!). Indecisão (e agora, pra que lado essa personagem quer ir – ou, pior ainda, deve ir?). Solidão (dificilmente temos com quem trocar uma ideia, nesses momentos de indecisão, por exemplo. E escrever é um ato solitário).
Escrever é difícil. Um dia, flui; no outro, trava. Em se falando de tempo gasto, a diferença entre escrever para os pequenos ou para os grandes é, essencialmente, o tamanho do texto.
Para as crianças, o autor precisa ser mais compacto, dizer mais com menos palavras, ser conciso e profundo, sempre buscando uma linguagem, um tema e uma maneira de narrar de um jeito que a criança compreenda.
Quanto mais velho o leitor/a for, mais longa e cheia de detalhes o texto será, mas precisamos estar atentos à linguagem, às situações, aos elementos que adicionamos, para criar um texto mais moderno, ao gosto deles. E, claro, vai demorar bastante tempo pra ficar pronta – um ano ou mais.
Em matéria de dificuldade, no entanto, posso dizer que é a mesma coisa.
Certa vez, conversando com a Eva Furnari, ela me presenteou com um dos seus livros e contou que demorou dois anos pra escrevê-lo. É uma obra linda, premiada. Mas o texto não é longo. Olhando para ele, não imaginamos que possa ter demandado tanto tempo. Assim, depende mais do livro em si, do que para quem escrevemos.
Naturalmente, um texto para crianças maiores e/ou adolescentes sugere que vai demorar mais, por ser um texto longo, que vai virar um livro de, digamos, 250 ou 300 páginas. Vamos ficar horas diante dele, escrevendo, pesquisando, arrumando, mexendo. Mas, por outro lado, muitas vezes, um poema ou texto curto nos pede tantas horas de trabalho, que é impossível calcular antes de fazer.
Para mim, pessoalmente, é impossível contar com um mínimo de precisão o tempo que levei para escrever este ou aquele livro, porque escrevo vários ao mesmo tempo. Se um trava, pulo pro outro, depois volto, e assim vai... Tenho várias histórias em diversos estágios de escrita e isso faz com que, de repente, uma porção de textos fique pronto de uma vez.
Muitos aspiram a ser escritores. Que orientação poderia fornecer a quem deseja abraçar esse ofício?

Todo mundo começa respondendo essa pergunta com o conselho mais básico: “Leia. Leia bastante.“ E é verdade. Pode ser lugar comum, mas precisa ser repetido. Não existe escritor que não seja, antes, leitor. Para escrever bem, você precisa ler o que os outros escreveram, senão vai ficar como criança, que considera obra de arte tudo que faz.
Em segundo lugar também vem o de sempre: “Escrever se aprende escrevendo“. E também é verdadeiro: escreva, coloque seu pensamento no papel, este é o seu treinamento. Ninguém faz direito se não treinar – e isso vale para tudo.
Mas posso dizer também muita coisa mais: não dê ouvidos às críticas, a não ser que venham de gente especializada. Assim como “coloque os elogios no coração, não no ego“, senão você vai ficar se achando um gênio e não vai crescer.
Se não deu certo aquele texto, modifique-o ou faça outro. Não fique insistindo no mesmo.
Certa vez, um candidato a autor me contou que fazia 12 anos que ele tentava publicar uma história, sem sucesso. E acrescentou que continuaria tentando.
Bem, continue tentando, sim, nunca desista dos seus sonhos, mas seja realista, por favor.
Na verdade, quando uma editora recusa um texto, não é, necessariamente, porque ele não é bom. Dizem que nove editoras recusaram Harry Potter... Mas existe um momento especial: um texto que vem ao encontro do que a editora busca, uma história escrita de um jeito diferente, que agrada, ou a editora não tem nada daquilo no catálogo, enfim, há um componente inegável de sorte numa publicação. Por isso, não desista. Seu dia há de chegar. Persistência. Foco. E acredite em você.
Hoje em dia, há muitos cursos de escrita criativa. É muito bom participar de pelo menos um, para ter uma ideia melhor de como as coisas funcionam. Não é só sair escrevendo.
O ideal é que haja um planejamento: uma sinopse, um enredo bem descrito, programação de número de página, capítulos, o que falar em cada um deles, quantas páginas cada um terá etc. E isso se aprende.

Como analisa a questão da leitura no Brasil, principalmente por ser um país cuja população lê em média 2,45 livros por ano (segundo a pesquisa "Retratos da Leitura no Brasil", de 2016)?

É muito triste ler isso. Se você considerar que eu leio pelo menos um livro por semana, consegue imaginar quanta gente não lê e está 'camuflada' na pesquisa...?
Tenho dedicado minha vida aos livros e à descoberta do prazer de ler. Todo o meu trabalho é voltado para isso. Acho que a leitura não poderia ser obrigação, coisa de escola, menos ainda hábito. Detesto quando alguém fala em 'hábito da leitura'. Ora, hábito é tomar banho todo dia e lavar as mãos antes das refeições, Rubem Alves nunca se cansou de repetir. Quando uma pessoa descobre o 'prazer de ler', ela não vai parar nunca e vai querer ler mais e mais... Conclusão: precisamos de mais gente levando a essa descoberta. E um grande passo será acabarmos com os professores que 'não têm tempo de ler', eufemismo para 'não gostam', o que acho um absurdo: como alguém pode ensinar algo que não sabe?
As políticas públicas são fundamentais nesses processos. Precisamos de bibliotecas espalhadas pelo Brasil inteiro, com livros interessantes, clássicos, lançamentos. Há muitas maneiras de atrair a clientela... Mas os professores e formadores de leitores precisam de treinamento. Ainda existem escolas no Brasil onde a biblioteca, não se contentando em ser depósito de livros, resolveram virar lugar de ficar de castigo!
A leitura é sustentada por um tripé: a família, a escola e o governo.
A criança que vê as pessoas da família lendo, vai perceber sozinha que ler é bom, é divertido, é prazeroso. É a força do exemplo.
A criança que estuda em uma escola que valoriza a leitura de qualidade, vai crescer amando os livros.
A importância de bibliotecas atuantes é enorme. Crianças, jovens e adultos que gostam de ler precisam de bibliotecas que facilitem e incentivem a leitura, de um lugar onde possam não apenas emprestar livros, mas também participar deles, conhecendo autores, ouvindo histórias, encontrando outras pessoas que apreciem essas mesmas atividades.
Quanto à concorrência, ela sempre existiu. Antes, se falava mal da rua – as crianças só queriam brincar na rua. Depois, foi a vez da televisão ser o bode expiatório. Agora é a internet. Mas quem gosta de ler, vai continuar gostando e, se tudo der certo, ainda vai conseguir espalhar o prazer de ler por todos os lados.
É disso que precisamos, para reverter esse triste quadro!

E como você vê a mesma questão na Alemanha?

É maravilhoso como há bibliotecas e livrarias na Alemanha! É tudo que eu falei acima, mas pelo lado bom: famílias que leem, escolas que incentivam as crianças e jovens a ler, mas sem obrigar – aqui não existe essa de adotar livro e fazer ficha de leitura; cada um escolhe o que vai querer ler. E o governo equipa bem as bibliotecas e proporciona muita coisa para as pessoas.
É comum, por exemplo, mães e pais levarem as crianças desde bem pequenas para ouvir histórias nas bibliotecas e visitar as livrarias.
Aqui em Munique, onde eu moro, tem uma feira que eu amo de paixão: “Livros para Ver“. Nela, não há venda. As editores expõem e a gente vai lá para conhecer os lançamentos, ler as orelhas e a quarta capa, pegar nos livros, curtir. Só. Pura promoção. As crianças fazem oficinas, ouvem histórias e brincam com os livros. É lindo – e funciona! A gente sai dali e vai direto pra livraria – eu também, é claro!

Você tem alguns livros voltados ao terror. Como analisa a literatura nesse segmento?

Essa é a paixão de crianças, jovens e adultos. (rsrs) É um segmento que tem crescido muito. Terror e suspense já foram considerados “literatura de segunda classe“, dá pra acreditar? Mas agora estão com tudo!
Sim, tenho vários livros com essa temática, tanto escritos por mim, quanto recontos de grandes autores, tais como Edgar Allan Poe, Guy de Maupassant, Edith Nesbit, Charlotte Ridell, Alexandre Dumas e muitos outros, que traduzo de inglês, francês e alemão; e, então, adapto.
Tento explicar essa paixão lembrando que o medo é uma emoção intensa como o amor.
Claro que não me refiro a um medo real, de algo verdadeiro, presente, mas àquele frio na barriga, que é delicioso, àquela ansiedade que deixa a gente gelada de emoção, quando lê um livro ou assiste a um filme.
Isso acontece porque o corpo da gente não sabe diferenciar 'amor' desse 'medo' bom. Ele recebe a mesma quantidade de adrenalina nas duas situações, quer dizer, quando você está apaixonado/a, ansioso/a para ver o seu amor etc. e tal, ou está lendo um livro. O coração realmente bate mais forte e as sensações são físicas – mesmo a gente sabendo com toda certeza que está lendo um livro.
Claro que as histórias precisam ser adequadas a cada faixa etária, mas é incrível como crianças, jovens e adultos amam o terror.
Uma vez, eu estava na Feira do Livro de Presidente Prudente, no interior de São Paulo, contando para um auditório cheio de crianças de uns 8 anos uma história maravilhosa do folclore do Equador chamada 'Maria Angula'.
Três garotas estavam bem na minha frente, agarradinhas como ovelhas assustadas. Fiquei com pena delas e interrompi a narração para perguntar se elas queriam que eu trocasse de história.
As três fizeram que não com a cabeça e uma delas esclareceu: “A gente tá com medo, mas tá gostando.“
Amei! Definição mais exata, impossível. E contei a história até o final.

Escrever é trabalho ou inspiração?

É um trabalho que a inspiração influencia. Eu escrevo todos os dias, praticamente o dia inteiro. Este é o meu trabalho, que costuma ser intercalado com a pesquisa, a resposta aos e-mails que recebo, aos projetos que desenvolvo etc.
Há dias que escrevo com mais facilidade do que outros; há dias que me sinto tão inspirada que simplesmente não consigo fazer outra coisa além de escrever horas a fio, só quero ficar (como eu digo) com a cara enfiada no computador... Sinto uma vontade absurda de colocar no papel o que penso, uma ânsia de escrever, uma aflição que sufoca todas as outras vontades e necessidades. Deixo tudo pra depois e só escrevo, escrevo, escrevo... Deve ser isso que chamam de inspiração. Mas nos outros dias (ou momentos), quando isso não acontece, eu me obrigo a escrever. E tem dado certo.


CIDA SIMKA
É licenciada em Letras pelas Faculdades Integradas de Ribeirão Pires (FIRP). Autora, dentre outros, dos livros O enigma da velha casa (Editora Uirapuru, 2016), Prática de escrita: atividades para pensar e escrever (Wak Editora, 2019) e O enigma da biblioteca (Editora Verlidelas, 2020). Organizadora dos livros: Uma noite no castelo (Editora Selo Jovem, 2019), Contos para um mundo melhor (Editora Xeque-Matte, 2019), Aquela casa (Editora Verlidelas, 2020) e Um fantasma ronda o campus (Editora Verlidelas, 2020). Colunista da Revista Conexão Literatura.

SÉRGIO SIMKA
É professor universitário desde 1999. Autor de mais de seis dezenas de livros publicados nas áreas de gramática, literatura, produção textual, literatura infantil e infantojuvenil. Idealizou, com Cida Simka, a série Mistério, publicada pela Editora Uirapuru. Membro do Conselho Editorial da Editora Pumpkin e colunista da Revista Conexão Literatura. Seu mais novo livro se intitula Pedagogia do encantamento: por um ensino eficaz de escrita (Editora Mercado de Letras, 2020).
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10 comentários:

  1. Excelente entrevista !!! Sou super fã da Regina Drummond desde a década de oitenta com os livros: O Passarinho Rafa, Uma Vida Nova para O Passarinho Rafa e Uma Companheira de Viagem para o Passarinho Rafa. Centenas ou melhor , milhares de crianças viajaram na imaginação com o Rafa e com o encanto pelos livros que eu sempre levei para as crianças.

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  2. Fantástica a entrevista com a Regina Drummond que sou fã desde a década de oitenta e sempre acompanhei suas publicações e atualmente as lives. Meus três netos tem os livros do Passarinho Rafa e eu tenho outros. Já levei o encanto do Rafa para muitas crianças por vários anos. Esta entrevista deveria ser lida por todos os professores do nosso PAÍS e pelas famílias também. Como já disse o Ziraldo através do Menino Maluquinho, Livro é gênero de primeira necessidade e no livro , O Pensamento Vivo do Menino Maluquinho ( a escola dos Meus Sonhos, primeiro me ensinaria a LER e depois me ensinaria A GOSTAR DE LER )

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  3. Regina é uma pessoa especial que nos deleita com o seu trabalho magnifico. A admiro muito e desejo que essa produção continue indefinidamente.

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  4. Excelente entrevista! Toca em vários pontos importantíssimos!

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  5. Excelente entrevista! Como é bom poder ouvir o escritor, suas vivências e experiências ao longo da carreira. É um grande aprendizado.sinto-me privilegiada por participar do mesmo curso de pós graduação que a Regina Drummond e ter a oportunidade de tantas trocas enriquecedoras!

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    Respostas
    1. Olá, desconhecido/a e colega!(rsrs) Obrigada pelas suas palavras! Bjs

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  6. Muito curiosa em saber o mês do nascimento de Regina Drummond.

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