Obra editada pela Cepe traz 30 entrevistas realizadas entre 2009 e 2019
Quando o número de janeiro de 2020 da Revista Continente sair da gráfica para as mãos dos leitores, a publicação da Companhia Editora de Pernambuco (Cepe) fará exatamente duas décadas em circulação. Para comemorar a efeméride, será lançado o livro 30 entrevistas da revista Continente, dia 20 de novembro, das 19h às 22h, na Ursa Bar e Comedoria, no Espinheiro. Organizada pela editora da revista, Adriana Dória Matos, a obra traz entrevistas realizadas em estilo pingue-pongue, como é chamado no jargão jornalista o formato de perguntas e respostas. O livro inaugura novo selo de coletâneas da Continente a serem lançados no mercado editorial daqui por diante.
Para Adriana, a escolha desse tipo de entrevista foi a maneira mais indicada para revisitar a publicação nos últimos dez anos, e fazer as pessoas pensarem o contemporâneo."O leitor se sente mais próximo do entrevistado pois a interferência do editor nas respostas é mínima, já que a entrevista é gravada", justifica Adriana. E presencial, na maioria das vezes, para que haja o encontro físico, olho no olho, entre entrevistador e entrevistado. "É um encontro em que há doação de ambas as partes", define Adriana. O recorte das entrevistas publicadas entre setembro de 2009 e julho de 2019 também faz todo sentido. "Escolhemos esse recorte de uma década porque foi em 2009 que a Continente passou por mudanças editoriais e gráficas significativas", explica a editora, que as dispôs em ordem cronológica.
As 30 entrevistas selecionadas e agrupadas em 197 páginas satisfazem critérios não apenas relativos à importância biográfica do entrevistado e da entrevistada no tocante à sua atuação social ou cultural desenvolvida. "São nomes de relevância que têm em comum a postura crítica diante de fatos de repercussão nacional e internacional, como as desigualdades sociais e de gênero e as migrações, além de discussões sobre temas contemporâneos como capitalismo, pós-modernidade, globalização e memória", diz Adriana na apresentação do livro. Textos de sociólogos, antropólogos, cineastas, músicos, fotógrafos e estilistas são atemporais, "ao mesmo tempo em que espelham uma época", resume a editora. As entrevistas são assinadas por colaboradores e repórteres da Continente. O mesmo vale para as fotografias - muitas delas de agência, quando a entrevista não pôde ser presencial -, assinadas por colaboradores como Hélia Scheppa, Breno Laprovitera, Ricardo Labastier, Walda Marques, Marcelo Soares e Jennifer Glass.
Trecho de entrevista com o sociólogo Renato Ortiz realizada por Gianni Paula de Melo e publicada em janeiro de 2011:
Quais as consequências dos atentados terroristas nos EUA que são possíveis de se perceber ainda hoje? Como isso afetou a identidade da nação com maior poder belicista do mundo?
Eu não acho que o atentado do 11 de setembro constitua marco de nada. Aquele foi um evento que repercutiu muito porque os Estados Unidos perceberam que fazem parte do mundo. Agora, não foi um divisor de momentos, porque o terrorismo já existia antes. O principal desse fato foi a tomada de consciência de que os ataques terroristas agora vão além da dimensão local, devido às transformações tecnológicas, porque você tem possibilidade de conexão, deslocamento e instrumento bélico disponível. Para os americanos, isso talvez tenha sido um marco. Para o mundo, não; não é a história do mundo(...)
Trecho de entrevista com a fotógrafa suíça naturalizada brasileira Claudia Andujar realizada por Paulo Carvalho e publicada em agosto de 2013:
Seu trabalho com os yanomami é artístico e político. Gostaria de falar um pouco sobre a exposição Marcados, que veio ao Recife?
Marcados veio mais tarde. Durante a minha estada lá, foi construída a Rodovia Perimetral Norte. Foi uma invasão do território yanomami, com desmatamento e construção da estrada. Os índios sofreram muito. Entraram em contato com doenças desconhecidas. Aldeias inteiras sumiram. Fiquei muito tocada, tanto que, em 1977, quando fui expulsa da área pelo governo, fiquei desesperada. Juntei-me a uma organização em São Paulo, chamada Fundação Pró-Índio, formada por antropólogos, cientistas, índios e pessoas que lutavam por suas causas. Eles me perguntaram se eu concordava com a criação de uma ONG que pudesse lutar pela defesa da terra, da vida e da cultura dos yanomami. Dediquei-me a esse trabalho, que resultou no reconhecimento da terra indígena, em 1992 (...)
Trecho de entrevista com o escritor e artista visual francês Camille de Toledo realizada por Olívia Mindêlo e publicada em fevereiro de 2017:
Qual o diagnóstico que poderia fazer da Europa, atualmente, um homem de origem
judaico-espanhola, morando em Berlim?
Você diz que eu sou um "homem". Eu não estou tão certo disso assim. Me acontece com mais frequência de eu pensar que sou uma árvore, uma planta, ou uma mulher, ou qualquer coisa que esteja a meio caminho entre várias espécies, várias línguas, várias culturas. E essa entidade estranha que sou lhe dirá que é preciso sempre – quando se fala da coisa chamada "Europa" – distinguir dois mundos. Há a Europa dos poetas, dos pensadores, dos escritores, dos artistas, que é a que Jorge Luis Borges e (Stefan) Zweig compartilhavam, uma Europa que sempre repousou sobre o tríptico da migração, da tradução e da hibridação. Essa "Europa" é a que atravessa o tempo, que é compartilhada e que foi usada pelos poderes e pelas nações para dominar e conquistar o mundo asiático, o africano, e o sul-americano, mas que permanece sempre, de fato, como um contraponto, uma Europa criadora, menor, de exilados e de vencidos – aquela que eu chamo igualmente de Europa benjaminiana –, que deve sua riqueza a cruzamentos entre o mundo judeu, o muçulmano, e o cristão, entre os tempos pagãos e os tempos monoteístas. Essa Europa sabe que não há nada de "limpo" na Europa, que não existe "essência europeia". Se observarmos a circulação de ideias, de textos que vão formar a "modernidade", cairemos sempre no que eu chamo de "experiência vertiginosa", a ideia de que não há origem, de que tudo nasce da mistura, do cruzamento, da superposição de vários scripts (...)
Trecho de entrevista de Djamila Ribeiro realizada por Christiane Gomes e publicada em julho de 2018:
Você tem um intenso ativismo nas redes sociais, o que contraria um pouco a superficialidade desses espaços. Como fruto disso, você tem transitado no meio ativista, seja acadêmico ou das bases, ao mesmo tempo em que está próxima de um ambiente mais mainstream, próxima a atrizes globais e meios de comunicação massivos. Como você se sente, com relação a esse trânsito entre realidades diferentes: em um dia estar num encontro com atrizes globais e, no outro, palestrando para jovens periféricos de São Paulo, por exemplo?
Acredito que é importante transitar em vários espaços. Minha formação autônoma não me determinou. Furar a bolha é estratégia. Sou militante e meu compromisso é com as mulheres da ponta, de tentar fazer produções acessíveis para essas pessoas. Mas, ao mesmo tempo, entendo que, se eu não estiver em certos lugares, não furo o bloqueio que nos é imposto. É necessário comunicar de uma maneira mais ampla e, às vezes, a militância peca nesse sentido, pois, ao ficar restrita, não entende que a Dona Maria que mora na Ilha do Combú, no Pará, não tem internet, mas tem antena parabólica, e que ela vai ligar a televisão e assistir a algo sobre um tema que ela nunca ouviu falar, mas que pode provocar nela uma reflexão. Infelizmente, esse tipo de debate que eu faço não circula nas escolas. Por isso, para mim, é estratégico que as pessoas tenham minimamente um acesso aos discursos que desenvolvo. A resposta que tenho quando participo de programas massivos, por exemplo, é muito absurda (...)
Serviço
Lançamento do livro 30 entrevistas da revista Continente
Quando: 20 de novembro
Horário: 19h às 22h
Onde: Usar Bar e Comedoria (Rua Carneiro Vilela, 30, Espinheiro)
Para Adriana, a escolha desse tipo de entrevista foi a maneira mais indicada para revisitar a publicação nos últimos dez anos, e fazer as pessoas pensarem o contemporâneo."O leitor se sente mais próximo do entrevistado pois a interferência do editor nas respostas é mínima, já que a entrevista é gravada", justifica Adriana. E presencial, na maioria das vezes, para que haja o encontro físico, olho no olho, entre entrevistador e entrevistado. "É um encontro em que há doação de ambas as partes", define Adriana. O recorte das entrevistas publicadas entre setembro de 2009 e julho de 2019 também faz todo sentido. "Escolhemos esse recorte de uma década porque foi em 2009 que a Continente passou por mudanças editoriais e gráficas significativas", explica a editora, que as dispôs em ordem cronológica.
As 30 entrevistas selecionadas e agrupadas em 197 páginas satisfazem critérios não apenas relativos à importância biográfica do entrevistado e da entrevistada no tocante à sua atuação social ou cultural desenvolvida. "São nomes de relevância que têm em comum a postura crítica diante de fatos de repercussão nacional e internacional, como as desigualdades sociais e de gênero e as migrações, além de discussões sobre temas contemporâneos como capitalismo, pós-modernidade, globalização e memória", diz Adriana na apresentação do livro. Textos de sociólogos, antropólogos, cineastas, músicos, fotógrafos e estilistas são atemporais, "ao mesmo tempo em que espelham uma época", resume a editora. As entrevistas são assinadas por colaboradores e repórteres da Continente. O mesmo vale para as fotografias - muitas delas de agência, quando a entrevista não pôde ser presencial -, assinadas por colaboradores como Hélia Scheppa, Breno Laprovitera, Ricardo Labastier, Walda Marques, Marcelo Soares e Jennifer Glass.
Trecho de entrevista com o sociólogo Renato Ortiz realizada por Gianni Paula de Melo e publicada em janeiro de 2011:
Quais as consequências dos atentados terroristas nos EUA que são possíveis de se perceber ainda hoje? Como isso afetou a identidade da nação com maior poder belicista do mundo?
Eu não acho que o atentado do 11 de setembro constitua marco de nada. Aquele foi um evento que repercutiu muito porque os Estados Unidos perceberam que fazem parte do mundo. Agora, não foi um divisor de momentos, porque o terrorismo já existia antes. O principal desse fato foi a tomada de consciência de que os ataques terroristas agora vão além da dimensão local, devido às transformações tecnológicas, porque você tem possibilidade de conexão, deslocamento e instrumento bélico disponível. Para os americanos, isso talvez tenha sido um marco. Para o mundo, não; não é a história do mundo(...)
Trecho de entrevista com a fotógrafa suíça naturalizada brasileira Claudia Andujar realizada por Paulo Carvalho e publicada em agosto de 2013:
Seu trabalho com os yanomami é artístico e político. Gostaria de falar um pouco sobre a exposição Marcados, que veio ao Recife?
Marcados veio mais tarde. Durante a minha estada lá, foi construída a Rodovia Perimetral Norte. Foi uma invasão do território yanomami, com desmatamento e construção da estrada. Os índios sofreram muito. Entraram em contato com doenças desconhecidas. Aldeias inteiras sumiram. Fiquei muito tocada, tanto que, em 1977, quando fui expulsa da área pelo governo, fiquei desesperada. Juntei-me a uma organização em São Paulo, chamada Fundação Pró-Índio, formada por antropólogos, cientistas, índios e pessoas que lutavam por suas causas. Eles me perguntaram se eu concordava com a criação de uma ONG que pudesse lutar pela defesa da terra, da vida e da cultura dos yanomami. Dediquei-me a esse trabalho, que resultou no reconhecimento da terra indígena, em 1992 (...)
Trecho de entrevista com o escritor e artista visual francês Camille de Toledo realizada por Olívia Mindêlo e publicada em fevereiro de 2017:
Qual o diagnóstico que poderia fazer da Europa, atualmente, um homem de origem
judaico-espanhola, morando em Berlim?
Você diz que eu sou um "homem". Eu não estou tão certo disso assim. Me acontece com mais frequência de eu pensar que sou uma árvore, uma planta, ou uma mulher, ou qualquer coisa que esteja a meio caminho entre várias espécies, várias línguas, várias culturas. E essa entidade estranha que sou lhe dirá que é preciso sempre – quando se fala da coisa chamada "Europa" – distinguir dois mundos. Há a Europa dos poetas, dos pensadores, dos escritores, dos artistas, que é a que Jorge Luis Borges e (Stefan) Zweig compartilhavam, uma Europa que sempre repousou sobre o tríptico da migração, da tradução e da hibridação. Essa "Europa" é a que atravessa o tempo, que é compartilhada e que foi usada pelos poderes e pelas nações para dominar e conquistar o mundo asiático, o africano, e o sul-americano, mas que permanece sempre, de fato, como um contraponto, uma Europa criadora, menor, de exilados e de vencidos – aquela que eu chamo igualmente de Europa benjaminiana –, que deve sua riqueza a cruzamentos entre o mundo judeu, o muçulmano, e o cristão, entre os tempos pagãos e os tempos monoteístas. Essa Europa sabe que não há nada de "limpo" na Europa, que não existe "essência europeia". Se observarmos a circulação de ideias, de textos que vão formar a "modernidade", cairemos sempre no que eu chamo de "experiência vertiginosa", a ideia de que não há origem, de que tudo nasce da mistura, do cruzamento, da superposição de vários scripts (...)
Trecho de entrevista de Djamila Ribeiro realizada por Christiane Gomes e publicada em julho de 2018:
Você tem um intenso ativismo nas redes sociais, o que contraria um pouco a superficialidade desses espaços. Como fruto disso, você tem transitado no meio ativista, seja acadêmico ou das bases, ao mesmo tempo em que está próxima de um ambiente mais mainstream, próxima a atrizes globais e meios de comunicação massivos. Como você se sente, com relação a esse trânsito entre realidades diferentes: em um dia estar num encontro com atrizes globais e, no outro, palestrando para jovens periféricos de São Paulo, por exemplo?
Acredito que é importante transitar em vários espaços. Minha formação autônoma não me determinou. Furar a bolha é estratégia. Sou militante e meu compromisso é com as mulheres da ponta, de tentar fazer produções acessíveis para essas pessoas. Mas, ao mesmo tempo, entendo que, se eu não estiver em certos lugares, não furo o bloqueio que nos é imposto. É necessário comunicar de uma maneira mais ampla e, às vezes, a militância peca nesse sentido, pois, ao ficar restrita, não entende que a Dona Maria que mora na Ilha do Combú, no Pará, não tem internet, mas tem antena parabólica, e que ela vai ligar a televisão e assistir a algo sobre um tema que ela nunca ouviu falar, mas que pode provocar nela uma reflexão. Infelizmente, esse tipo de debate que eu faço não circula nas escolas. Por isso, para mim, é estratégico que as pessoas tenham minimamente um acesso aos discursos que desenvolvo. A resposta que tenho quando participo de programas massivos, por exemplo, é muito absurda (...)
Serviço
Lançamento do livro 30 entrevistas da revista Continente
Quando: 20 de novembro
Horário: 19h às 22h
Onde: Usar Bar e Comedoria (Rua Carneiro Vilela, 30, Espinheiro)
0 comments:
Postar um comentário