Miriam Moraes - Foto divulgação |
Nesta superentrevista que só a revista Conexão Literatura pode proporcionar a seus leitores, a jornalista política Miriam Moraes rasga o verbo ao falar sobre política, corrupção e conscientização política. Um excelente alerta aos políticos, aos que vão se candidatar e principalmente aos eleitores, que costumam votar sem o devido conhecimento de como a política “funciona”, na verdade.
Fale-nos sobre você.
Falar de si mesmo nunca é fácil, sobretudo pelo culto ao personalismo que é muito incentivado sobretudo no Brasil, onde a busca pelo “sucesso” virou uma espécie de obsessão coletiva, algo que abomino. Então aproveito esta entrevista para esclarecer uma questão recente: Sou um ponto fora da curva.
No livro “10 coisas que aprendi sobre corrupção e política”, foi sem planejar que acabei me colocando, falando da minha vida, porque sou 100% reservada no aspecto da minha vida pessoal. Mas isso aconteceu por se tratar de um desabafo que acabou virando livro. Eu queria que as pessoas enxergassem através dos meus olhos as inúmeras situações dos bastidores de uma campanha política. Num resumo rápido, o que contei no livro foi sobre a minha infância numa família pobre, as referências que formaram minha visão de mundo, uma história de ascensão profissional e financeira para explicar as razões pelas quais me aproximei da política em busca de solução para as mazelas sociais em que viviam tantos que não tiveram a mesma sorte que eu.
Mas fiquei surpresa ao receber mensagens de leitores que me colocavam como uma fonte de inspiração para eles, porque aparentemente me consideram um exemplo de “sucesso”. A última coisa que imaginei é que meu relato induzisse alguém a considerar normal que crianças trabalhem aos 12 anos de idade. Não pretendo de forma alguma ser um exemplo de vida. Sou um ponto fora da curva porque muitas crianças que começaram a trabalhar muito cedo não tiveram a mesma sorte que eu. Embora eu seja muito grata por todas as boas situações que me aconteceram na vida, passei por experiências muito ruins que não era o foco da questão, e por isso não foram colocadas naquele livro. E vou citar um exemplo: Aos 13 anos eu trabalhava de dia e estudava à noite. Saía da escola e tinha uma rua meio escura no caminho até o ponto de ônibus na avenida. Eu ia sempre com uma colega, mais ou menos da minha idade. Numa destas noites, dois rapazes me atacaram do nada, cruzaram com a gente e começaram a me agarrar numa clara tentativa de estupro. Minha amiga e eu não tínhamos defesa para aquilo, mas ela correu e bateu num portão que se abriu na mesma hora, o dono da casa foi atraído pelos nossos gritos. Eu escapei de um desfecho terrível por pouco, mas muitas meninas não têm a mesma sorte. Os casos de adolescentes vítimas de estupro hoje são ainda muito mais numerosos. As estatísticas mostram que num país pobre, poucos conseguem mudar o patamar de vida. Até mesmo num país em guerra tem um ou outro que melhora de vida em meio ao caos, mas estas exceções não podem servir de parâmetro. Para isso existem as estatísticas que mostram que as condições de mobilidade social dependem sempre de políticas públicas direcionadas a estes propósitos.
Portanto, sou um ponto fora da curva, componho um número extremamente reduzido de casos, e não porque eu tenha algum tipo de genialidade, mas porque nem todas as vezes o pão cai com a manteiga para baixo. Ninguém deve se basear em casos específicos para cobrar de si mesmo ou da coletividade os mesmos resultados.
Foi esta nítida percepção que me fez buscar na política as respostas para a mudança que eu queria não apenas para o Brasil, quero soluções para o mundo todo.
Talvez esta seja uma característica que me define: Eu acredito que é possível construir um Brasil e um mundo melhor, não me conformo com as injustiças sociais, não apenas enxergo, mas sinto em mim as dores dos outros, e me esforço muito, tanto na busca quanto na disseminação das respostas.
Já se passaram mais de 15 anos do meu primeiro contato direto com a realidade política que a princípio me chocou, mas o estudo contínuo me abriu a mente, visitei países e vi o que fazem diferente de nós e dá certo, passei a acompanhar a política internacional e vi mudanças que deram errado, mudanças que deram certo, estudei não apenas política, mas também economia, direito, a educação, fiz especializações... em paralelo com a minha carreira de empresária. Mais recentemente, mais exatamente de 2013 para cá, quando aconteceram as manifestações de rua, a similaridade com a Primavera Árabe me fez perceber que o Brasil viveria um momento político e econômico extremamente crítico, eu diria que um momento decisivo que poderia nos colocar nas mesmas condições da Líbia e Egito, na pior das hipóteses nos levaria para o que acontece hoje na Síria, e na melhor das hipóteses poderíamos iniciar um momento como o da Noruega na década de 60, que era um dos mais pobres países da Europa e por fatores similares aos que ocorreram no Brasil, com a descoberta do Pré-sal, hoje é um dos países mais ricos e com melhor qualidade de vida do planeta. De lá para cá, tirei um tempo maior da minha vida para tentar mostrar os diversos caminhos e escolhas que levam a estes resultados. Se der certo ou errado... de todo jeito vou poder dizer: Parei minha vida, dediquei meu tempo, me coloquei de lado... e fiz TUDO o que eu pude.
ENTREVISTA:
Fale-nos sobre seus livros.
Fale-nos sobre você.
Falar de si mesmo nunca é fácil, sobretudo pelo culto ao personalismo que é muito incentivado sobretudo no Brasil, onde a busca pelo “sucesso” virou uma espécie de obsessão coletiva, algo que abomino. Então aproveito esta entrevista para esclarecer uma questão recente: Sou um ponto fora da curva.
No livro “10 coisas que aprendi sobre corrupção e política”, foi sem planejar que acabei me colocando, falando da minha vida, porque sou 100% reservada no aspecto da minha vida pessoal. Mas isso aconteceu por se tratar de um desabafo que acabou virando livro. Eu queria que as pessoas enxergassem através dos meus olhos as inúmeras situações dos bastidores de uma campanha política. Num resumo rápido, o que contei no livro foi sobre a minha infância numa família pobre, as referências que formaram minha visão de mundo, uma história de ascensão profissional e financeira para explicar as razões pelas quais me aproximei da política em busca de solução para as mazelas sociais em que viviam tantos que não tiveram a mesma sorte que eu.
Mas fiquei surpresa ao receber mensagens de leitores que me colocavam como uma fonte de inspiração para eles, porque aparentemente me consideram um exemplo de “sucesso”. A última coisa que imaginei é que meu relato induzisse alguém a considerar normal que crianças trabalhem aos 12 anos de idade. Não pretendo de forma alguma ser um exemplo de vida. Sou um ponto fora da curva porque muitas crianças que começaram a trabalhar muito cedo não tiveram a mesma sorte que eu. Embora eu seja muito grata por todas as boas situações que me aconteceram na vida, passei por experiências muito ruins que não era o foco da questão, e por isso não foram colocadas naquele livro. E vou citar um exemplo: Aos 13 anos eu trabalhava de dia e estudava à noite. Saía da escola e tinha uma rua meio escura no caminho até o ponto de ônibus na avenida. Eu ia sempre com uma colega, mais ou menos da minha idade. Numa destas noites, dois rapazes me atacaram do nada, cruzaram com a gente e começaram a me agarrar numa clara tentativa de estupro. Minha amiga e eu não tínhamos defesa para aquilo, mas ela correu e bateu num portão que se abriu na mesma hora, o dono da casa foi atraído pelos nossos gritos. Eu escapei de um desfecho terrível por pouco, mas muitas meninas não têm a mesma sorte. Os casos de adolescentes vítimas de estupro hoje são ainda muito mais numerosos. As estatísticas mostram que num país pobre, poucos conseguem mudar o patamar de vida. Até mesmo num país em guerra tem um ou outro que melhora de vida em meio ao caos, mas estas exceções não podem servir de parâmetro. Para isso existem as estatísticas que mostram que as condições de mobilidade social dependem sempre de políticas públicas direcionadas a estes propósitos.
Portanto, sou um ponto fora da curva, componho um número extremamente reduzido de casos, e não porque eu tenha algum tipo de genialidade, mas porque nem todas as vezes o pão cai com a manteiga para baixo. Ninguém deve se basear em casos específicos para cobrar de si mesmo ou da coletividade os mesmos resultados.
Foi esta nítida percepção que me fez buscar na política as respostas para a mudança que eu queria não apenas para o Brasil, quero soluções para o mundo todo.
Talvez esta seja uma característica que me define: Eu acredito que é possível construir um Brasil e um mundo melhor, não me conformo com as injustiças sociais, não apenas enxergo, mas sinto em mim as dores dos outros, e me esforço muito, tanto na busca quanto na disseminação das respostas.
Já se passaram mais de 15 anos do meu primeiro contato direto com a realidade política que a princípio me chocou, mas o estudo contínuo me abriu a mente, visitei países e vi o que fazem diferente de nós e dá certo, passei a acompanhar a política internacional e vi mudanças que deram errado, mudanças que deram certo, estudei não apenas política, mas também economia, direito, a educação, fiz especializações... em paralelo com a minha carreira de empresária. Mais recentemente, mais exatamente de 2013 para cá, quando aconteceram as manifestações de rua, a similaridade com a Primavera Árabe me fez perceber que o Brasil viveria um momento político e econômico extremamente crítico, eu diria que um momento decisivo que poderia nos colocar nas mesmas condições da Líbia e Egito, na pior das hipóteses nos levaria para o que acontece hoje na Síria, e na melhor das hipóteses poderíamos iniciar um momento como o da Noruega na década de 60, que era um dos mais pobres países da Europa e por fatores similares aos que ocorreram no Brasil, com a descoberta do Pré-sal, hoje é um dos países mais ricos e com melhor qualidade de vida do planeta. De lá para cá, tirei um tempo maior da minha vida para tentar mostrar os diversos caminhos e escolhas que levam a estes resultados. Se der certo ou errado... de todo jeito vou poder dizer: Parei minha vida, dediquei meu tempo, me coloquei de lado... e fiz TUDO o que eu pude.
ENTREVISTA:
Fale-nos sobre seus livros.
O livro “Política – Como entender o sistema de poder no Brasil e não ser passado para trás”
é uma espécie de “abecedário” da Política. Começo descrevendo o que é “direita” e “esquerda”, como estes conceitos resultaram nos regimes comunistas, socialistas e capitalistas, os partidos no Brasil que se encaixam – a partir de suas práticas – em cada um deles, apresento a configuração da imprensa no Brasil, falo de temas que estão em pauta, como a Reforma Política, as mudanças propostas... As atribuições do Executivo, Legislativo e Judiciário... Enfim, fiz uma seleção de temas que são básicos e essenciais para que as pessoas entendam os noticiários, os fatos políticos cotidianos, e possam participar do debate com algum conhecimento técnico, e não apenas na esfera das “opiniões”.
Como as pessoas passaram a se interessar pela política, reuni o conjunto de conhecimentos necessários para que ela possa contribuir, e não apenas falar de forma vazia. Muitos não percebem que não estão falando nada com nada quando conversam sobre política, mas sempre tem alguém por perto com um pouco mais de conhecimento que percebe claramente quando a pessoa está no campo raso dos “achismos”, o que tem se tornado cada vez mais constrangedor. Quem conversa sobre futebol precisa saber as regras do jogo, conhecer os termos que fazem parte desse universo como “zagueiro”, “atacante”, “pênalti”, “cobrança de falta”, o que significa um “cartão vermelho” ou “cartão amarelo”, e quem não sabe o significado destas coisas, vai acabar tentando falar sobre futebol sem saber do que está falando, e para quem escuta, esta falta de conhecimento fica nítida. O mesmo acontece com a política, muita gente ainda não sabe que muitos percebem que ele não sabe do que está falando. Mas na política o problema vai muito além do “constrangimento” que isso gera, porque cada eleitor é um jogador em campo. E o mais comum é ver jogador que recebe a bola e não sabe nem qual o lado do campo onde faz o gol para o seu time, e acaba fazendo gol contra.
Este livro acabou ocupando um lugar de destaque nacional que eu mesma não imaginava. Foi eleito por algumas publicações como um dos melhores livros de 2014, passou a figurar nas listas de livros imprescindíveis para entender a política, foi adotado por diversas universidades por professores de Jornalismo, Direito, Ciências Políticas, Economia... e como uso uma linguagem bastante informal, também foi recomendado pelo Redação Nota 1000 para alunos em preparação para o ENEM e até mesmo por escolas de nível médio.
Embora muitos considerem um resultado demasiadamente excepcional para livro de estreia de uma escritora, poucos sabem que a realidade não é bem essa. Eu já tinha quatro livros no mercado, mas eram livros de literatura em que eu usava o pseudônimo Mya Santell. São livros que eu escrevia com o propósito de fazer contraposição aos best-sellers que trazem um prejuízo imenso para as mulheres, em razão da superficialidade com a qual tratam as questões emocionais. Esta prática literária combinada com os quatro anos em que fui editora de um jornal político, acabou fazendo muita diferença. Por isso o livro tem uma narrativa leve mesmo tratando de temas que sempre foram tratados de uma forma tediosa, monótona, cansativa. A união do jornalismo literário, diversas técnicas didáticas e a seleção dos temas, além do volume de pesquisas e fontes apresentadas, acabaram se integrando e produzindo uma obra diferente.
O “10 coisas que aprendi sobre corrupção e política quando fui candidata”, que acaba de ser lançado, é bastante diferente do primeiro, mas quem leu o Política acaba absorvendo muito mais o conteúdo. Não me ative a particularidades mais técnicas, é uma leitura rápida, leve e divertida, porque sendo um relato pessoal de uma experiência que vivi, pude me expressar mais livremente. São poucas páginas, menos de 100, mas com dois objetivos que acabam sendo atingidos: Fazer o leitor entender o que está por trás de cada ato, gesto, fala dos candidatos em campanha, e preparar os candidatos de primeira viagem para os absurdos que ele encontrará no decorrer da campanha. Falo tanto do comportamento corrupto do eleitor e das origens da corrupção que estão umbilicalmente atreladas ao sistema eleitoral.
A ideia foi deixar a hipocrisia e até a postura politicamente correta da jornalista de lado e rasgar o verbo para mostrar o lado feio da política e as feiuras dos eleitores que numa boa maioria, assim como os candidatos, enxergam na política e na eleição um jeito de levar vantagens pessoais. Retiro geral a máscara dos dois lados e mostro as duas faces da moeda. Não vamos mudar um país aproveitando a proximidade com candidatos para descolar combustível de graça para participar de carreatas. Quem faz isso não para pra pensar no valor exorbitante que um candidato gasta somente com esta despesa. No livro eu faço as contas e mostro. Você vai notar que o preço do tanque cheio aparece lá um tanto defasado, mas quando escrevi não imaginava que a gasolina subiria tanto de preço num espaço de tempo tão curto, o que é um dos resultados da política. Falo sem piedade do eleitor bajulador que quer mostrar serviço para descolar uma vaga de assessor, assim como falo do político que promete emprego para todos, dá o número do seu celular para fazer o eleitor se sentir privilegiado, e tão logo os votos sejam apurados, troca o número do telefone e volta a ser aquela entidade inacessível. Rasgo o verbo para que o eleitor avalie sua própria postura e a postura dos candidatos. Conto segredo de bastidores, as técnicas utilizadas no marketing político, e quem lê já terá uma outra visão das eleições que devem acontecer em outubro.
É um livro imperdível.
Você desenvolve um trabalho de conscientização política. Fale-nos sobre isso.
Vou contar um caso que aconteceu hoje mesmo. Um leitor me pediu para falar sobre uma notícia recente. Eu disse a ele que não dava pra falar sobre isso porque ainda não tinha pesquisado o bastante para saber se o que circulava em todos os jornais era verdade ou mentira. Então ele disse: “Não importa, é só para usar como argumento político mesmo”. Isso não é novidade. As pessoas, das mais bem-intencionadas até as que não ligam muito para o assunto, estão acostumadas a ver a Política como uma luta ao estilo “vale tudo”. O que menos interessa é se o que está sendo colocado é verdade, tudo se resume a trunfos para vencer o debate.
Mas então eu pergunto: Como vamos construir uma realidade melhor em cima de mentiras? Como as pessoas podem acreditar que uma sociedade que não tem amor pela verdade pode melhorar alguma coisa? Como alguém repassa ou compartilha acusações contra indivíduos sem checar a veracidade delas? E aí o que mais ouço: “Mas ele é um corrupto, um ordinário, ele merece ser difamado”.
Sabe o significado da palavra “desespero”? É isso que sinto quando vejo as pessoas tratando a política assim. Não se planta justiça através de injustiças. Não se constrói uma realidade decente a partir de mentiras e do jogo baixo, das táticas rasteiras. A verdade tem força própria, e ela deve ser o nosso valor máximo quer se trate dos “amigos” ou “inimigos” do nosso campo político ou ideológico.
Esta prática é tão socialmente aceita que faz a gente se sentir numa luta inútil. Mas este é um sentimento que acaba passando em segundos, porque quanto maior o caos, mais você se sente impelido a fazer alguma coisa pra mudar estes conceitos e práticas. E acredito que a arma mais consistente para isso é o conhecimento.
Nos livros eu ensino os leitores a pesquisar na Internet, a checar fontes, a identificar fontes mais confiáveis (que tenham ao menos um CNPJ ou uma pessoa física que possa ser responsabilizada) e os sites que partidos ou políticos utilizam simplesmente para plantar suas mentiras, a identificar o que é notícia e o que é opinião, que sempre aparecem misturadas na mesma matéria ou artigo. Mas como nem todos leem livros, faço a mesma coisa em redes sociais, curso digital sobre política que disponibilizo gratuitamente, faço tradução das notícias econômicas e assuntos técnicos para uma linguagem mais acessível, participo de inúmeros debates para apresentar fatos comprovados que desfazem os mitos, as mentiras já tantas vezes repetidas que as pessoas internalizaram como verdade...
Ao mesmo tempo escrevo artigos para jornais, de um Le Monde Diplomatic até publicações com pequenas tiragens... Já fiz muitas palestras em escolas e ambientes de debates políticos, atualmente tenho evitado porque os ânimos estão muito exaltados, até por questões de segurança isso tem se tornado cada vez mais complicado.
Eu de fato estudo muito, pesquiso muito, acompanho há mais de 10 anos as notícias e fatos políticos para combater as táticas de manipulação rasteiras que tomaram conta da imprensa brasileira, seja ela de direita ou de esquerda. A ideia de que induzir as pessoas para um resultado previamente programado é vista com naturalidade, quando na verdade é um desrespeito e até uma violência contra a sociedade, e não é por acaso que chegamos a esta situação onde o caos político mina a economia e está nos levando a um ponto em que provavelmente não haja retorno. Ensinar é dotar o sujeito de autonomia, e a comunicação social é a responsável por este processo no âmbito da política e dos valores sociais. Quando o povo falha, a política se transforma numa arma contra este próprio povo, e o povo falha quando a imprensa falha. Não tem país bom com uma imprensa ruim. E a imprensa do Brasil vem se tornando um câncer social. A formação do jornalista brasileiro é tão deficiente que muitos cursos de pós-graduação no exterior não aceitam jornalistas do Brasil, a justificativa é que aqui não se trabalha com dados nem fatos, é uma imprensa que produz basicamente artigos de opinião. Infelizmente isto é verdade, a imprensa brasileira produz opinião com clara e evidente manipulação, uma distorção sem precedentes do ofício, do dever de informar. Verdade ou mentira é o que menos importa, o “copia e cola” dissemina inverdades numa velocidade alucinante.
Tento ser uma ponte entre os interessados por política, pelos fatos políticos e os verdadeiramente interessados no assunto. E uso todos os meios disponíveis para despertar os indivíduos que formam o povo, verdadeiro detentor do poder quando dotado de consciência e conhecimento para exercer esse papel. Muitos se acreditam prontos, mas são raríssimas as pessoas politizadas no Brasil. Economistas, professores universitários e até autoridades políticas aqui não raro sabem menos do sistema que um garçom em diversos países europeus.
Como o leitor interessado deverá proceder para saber um pouco mais sobre você e o seu trabalho?
Como me envolvo em muitas atividades, não consigo manter uma comunicação direta com os leitores. A maioria dos escritores contratam profissionais para cuidar da sua comunicação, responder mensagens e fazer este contato. Não critico quem faz, mas eu prefiro evitar, e por isso sou muitas vezes acusada de ser esnobe ou inacessível para o leitor que tenta contato, mas é impossível responder a todos e não quero terceirizar esta tarefa, seria uma falsidade a mais nesse contexto que é justamente o que tento mudar. Meus livros são a materialização do meu esforço, não sou escritora política, eu “estou” escritora política por força das circunstâncias, apenas pela gravidade do momento que o Brasil atravessa.
Honestamente... Tudo o que eu queria era ver é o Brasil nos eixos e encerrar a minha participação no ativismo político. É uma tarefa extenuante, não me contento com meias verdades, é um desgaste imenso onde perseguições, ataques de diversas naturezas são consequências inevitáveis.
Com a honestidade que me caracteriza, e ainda que soe um pouco estranho, hoje eu peço aos leitores que não me procurem (rs). Os livros, principalmente o “Política”, são o resultado de um trabalho muito árduo e são o bastante para quem quer pensar pela própria cabeça. As pessoas estão muito voltadas para a prática do “esforço mínimo”, querem respostas prontas. Ninguém precisa disso. A base está nos livros, a partir deles bastarão alguns momentos de reflexão séria e responsável, um pouco de atenção no contato com as notícias e fatos políticos para encontrar as respostas que procura.
Como analisa a questão da leitura no país?
Vejo a questão de uma forma mais ampla. O brasileiro está imerso numa cultura do “entretenimento”. Stand ups e comédias substituíram em grande parte os bons espetáculos do teatro, as músicas mais ouvidas têm uma boa batida e letras de esgoto, tudo é piada, tudo é diversão. Dia desses ouvi de uma pessoa, isso num debate de tema político, que a função da televisão é produzir entretenimento. Fico sem palavras. Um post de piada política recebe mil vezes mais curtidas que um post de informação. Os filmes que o brasileiro mais consome não enlatados americanos de ação ou comédia, o hábito de assistir filmes dublados... tudo reflete a “lei do menor esforço”. É inevitável que este conjunto de hábitos resulte no cenário atual: política é tratada como piada, as ofensas são tratadas como piada, as calúnias circulam como piada... E de piada em piada o brasileiro vem se tornando uma piada pronta.
Digo isso porque é inútil repetir o que todo mundo já sabe, que o brasileiro lê muito menos livros que o minimamente recomendado, que a leitura é questão de nutrição aos neurônios, que um povo que não lê será sempre servo. O desafio dos escritores, dos editores, dos produtores da cultura e das áreas do conhecimento é um só: Combater a ideia de que viver do trabalho que garante o sustento e dedicar o resto do tempo ao entretenimento, é a receita perfeita de fracasso tanto para o indivíduo quanto para a sociedade.
O que tem lido ultimamente?
Acabei de ler “Luz em Agosto” (William Faulkner), mas o anterior a ele foi o que me encantou mais verdadeiramente, “Os Buddenbrooks” (Thomas Mann). E antes dele um livro que foi uma surpresa, “O marido dela”, do italiano Pirandello que super-recomendo. Se for pra dizer o livro que ninguém pode viver sem ler, indico “Germinal” (Emile Zola).
Mas quero fazer uma observação: Aposto que sempre que faz esta pergunta, os entrevistados citam livros de autores renomados. Ninguém começa a ler por Zola, ou por Dostoiévski, nem vai conseguir partir do zero e captar a maravilha que é “Guerra e Paz” (Tolstói). Meu vício na leitura só existe porque comecei com lá atrás com “O Pequeno Príncipe”, “A Filha Pródiga”, “O caçador de Pipas” e depois comecei com os grandes autores. E depois deles, li Sidney Sheldon, me deliciei com “A irmã de Ana Bolena”, li... li... e li. Até “Crepúsculo” eu comprei (confesso que não consegui chegar na metade), um monte de Paulo Coelho porque entender como constroem a narrativa que prende, que hipnotiza leitores, entender o que as pessoas estão lendo é um exercício para quem escreve em qualquer área. Obviamente li “A República” (Platão), li Confúcio, li “Utopia” (Thomas More), li Aristóteles, Marx, Kant, Platão... Machado de Assis, Euclides da Cunha... Li o livro “A escrava Isaura”, “Senhora”, li, li, e leio... Porque a maior fábrica de mentes limitadas é a prisão na leitura técnica, ela fabrica os que vomitam regras. A literatura desenvolve a capacidade de empatia, ensina a enxergar pelo prisma do outro, nos dá uma visão do chão que a gente não pisa, da realidade diferente da sua, da família que não é a nossa, da mulher que não sou eu, do filho que não é meu...
As mentes mais limitadas que tenho encontrado são os que leem apenas clássicos (nem sempre são conectados com a realidade atual, apesar de contemplarem alguns aspectos eternos) ou guias de comportamento, manuais de felicidade, sucesso, de convivência. São pessoas que leem as letras mas não leem o mundo, não leem as “gentes”, são incapazes de analisar contextos. São os ignorantes eruditos. Ler, ler e ler... sem pinçar demais para não virar autômato, balada de uma nota só.
Quais os seus próximos projetos?
Voltar a exercitar o piano, aprender a tocar ukulelê, tenho um roteiro de filme que vou enviar para um produtor no Canadá, uma peça de teatro pronta na qual avanço e me retraio vezes sem conta, porque a ideia é trabalhar a prevenção ao suicídio e o tema é delicado demais, terminei o roteiro para um documentário sobre trabalhadores na extração de granito, espero trabalhar na edição dele ainda este ano, acabo de traduzir um dos livros de Mya Santell para o inglês... Planos para o futuro eu coleciono aos montes.
Mas no presente estou ainda mergulhada na política que ocupa aproximadamente 80% do meu tempo, uma atividade que não acontece de forma planejada. O momento presente é tão insano que ninguém tem como adivinhar os próximos capítulos. Pode ser que amanhã eu sinta uma necessidade premente de escrever outro livro político para preencher a lacuna sobre alguma questão, pode ser que eu jamais volte a escrever sobre política... Este é um campo em que atualmente ninguém atua dentro de um roteiro traçado. Estamos no caos e qualquer pessoa que se atreva a prever cenários estará se enganando e enganando seus leitores. Literalmente, na política brasileira atual, a cada dia bastam os seus desafios.
é uma espécie de “abecedário” da Política. Começo descrevendo o que é “direita” e “esquerda”, como estes conceitos resultaram nos regimes comunistas, socialistas e capitalistas, os partidos no Brasil que se encaixam – a partir de suas práticas – em cada um deles, apresento a configuração da imprensa no Brasil, falo de temas que estão em pauta, como a Reforma Política, as mudanças propostas... As atribuições do Executivo, Legislativo e Judiciário... Enfim, fiz uma seleção de temas que são básicos e essenciais para que as pessoas entendam os noticiários, os fatos políticos cotidianos, e possam participar do debate com algum conhecimento técnico, e não apenas na esfera das “opiniões”.
Como as pessoas passaram a se interessar pela política, reuni o conjunto de conhecimentos necessários para que ela possa contribuir, e não apenas falar de forma vazia. Muitos não percebem que não estão falando nada com nada quando conversam sobre política, mas sempre tem alguém por perto com um pouco mais de conhecimento que percebe claramente quando a pessoa está no campo raso dos “achismos”, o que tem se tornado cada vez mais constrangedor. Quem conversa sobre futebol precisa saber as regras do jogo, conhecer os termos que fazem parte desse universo como “zagueiro”, “atacante”, “pênalti”, “cobrança de falta”, o que significa um “cartão vermelho” ou “cartão amarelo”, e quem não sabe o significado destas coisas, vai acabar tentando falar sobre futebol sem saber do que está falando, e para quem escuta, esta falta de conhecimento fica nítida. O mesmo acontece com a política, muita gente ainda não sabe que muitos percebem que ele não sabe do que está falando. Mas na política o problema vai muito além do “constrangimento” que isso gera, porque cada eleitor é um jogador em campo. E o mais comum é ver jogador que recebe a bola e não sabe nem qual o lado do campo onde faz o gol para o seu time, e acaba fazendo gol contra.
Este livro acabou ocupando um lugar de destaque nacional que eu mesma não imaginava. Foi eleito por algumas publicações como um dos melhores livros de 2014, passou a figurar nas listas de livros imprescindíveis para entender a política, foi adotado por diversas universidades por professores de Jornalismo, Direito, Ciências Políticas, Economia... e como uso uma linguagem bastante informal, também foi recomendado pelo Redação Nota 1000 para alunos em preparação para o ENEM e até mesmo por escolas de nível médio.
Embora muitos considerem um resultado demasiadamente excepcional para livro de estreia de uma escritora, poucos sabem que a realidade não é bem essa. Eu já tinha quatro livros no mercado, mas eram livros de literatura em que eu usava o pseudônimo Mya Santell. São livros que eu escrevia com o propósito de fazer contraposição aos best-sellers que trazem um prejuízo imenso para as mulheres, em razão da superficialidade com a qual tratam as questões emocionais. Esta prática literária combinada com os quatro anos em que fui editora de um jornal político, acabou fazendo muita diferença. Por isso o livro tem uma narrativa leve mesmo tratando de temas que sempre foram tratados de uma forma tediosa, monótona, cansativa. A união do jornalismo literário, diversas técnicas didáticas e a seleção dos temas, além do volume de pesquisas e fontes apresentadas, acabaram se integrando e produzindo uma obra diferente.
O “10 coisas que aprendi sobre corrupção e política quando fui candidata”, que acaba de ser lançado, é bastante diferente do primeiro, mas quem leu o Política acaba absorvendo muito mais o conteúdo. Não me ative a particularidades mais técnicas, é uma leitura rápida, leve e divertida, porque sendo um relato pessoal de uma experiência que vivi, pude me expressar mais livremente. São poucas páginas, menos de 100, mas com dois objetivos que acabam sendo atingidos: Fazer o leitor entender o que está por trás de cada ato, gesto, fala dos candidatos em campanha, e preparar os candidatos de primeira viagem para os absurdos que ele encontrará no decorrer da campanha. Falo tanto do comportamento corrupto do eleitor e das origens da corrupção que estão umbilicalmente atreladas ao sistema eleitoral.
A ideia foi deixar a hipocrisia e até a postura politicamente correta da jornalista de lado e rasgar o verbo para mostrar o lado feio da política e as feiuras dos eleitores que numa boa maioria, assim como os candidatos, enxergam na política e na eleição um jeito de levar vantagens pessoais. Retiro geral a máscara dos dois lados e mostro as duas faces da moeda. Não vamos mudar um país aproveitando a proximidade com candidatos para descolar combustível de graça para participar de carreatas. Quem faz isso não para pra pensar no valor exorbitante que um candidato gasta somente com esta despesa. No livro eu faço as contas e mostro. Você vai notar que o preço do tanque cheio aparece lá um tanto defasado, mas quando escrevi não imaginava que a gasolina subiria tanto de preço num espaço de tempo tão curto, o que é um dos resultados da política. Falo sem piedade do eleitor bajulador que quer mostrar serviço para descolar uma vaga de assessor, assim como falo do político que promete emprego para todos, dá o número do seu celular para fazer o eleitor se sentir privilegiado, e tão logo os votos sejam apurados, troca o número do telefone e volta a ser aquela entidade inacessível. Rasgo o verbo para que o eleitor avalie sua própria postura e a postura dos candidatos. Conto segredo de bastidores, as técnicas utilizadas no marketing político, e quem lê já terá uma outra visão das eleições que devem acontecer em outubro.
É um livro imperdível.
Você desenvolve um trabalho de conscientização política. Fale-nos sobre isso.
Vou contar um caso que aconteceu hoje mesmo. Um leitor me pediu para falar sobre uma notícia recente. Eu disse a ele que não dava pra falar sobre isso porque ainda não tinha pesquisado o bastante para saber se o que circulava em todos os jornais era verdade ou mentira. Então ele disse: “Não importa, é só para usar como argumento político mesmo”. Isso não é novidade. As pessoas, das mais bem-intencionadas até as que não ligam muito para o assunto, estão acostumadas a ver a Política como uma luta ao estilo “vale tudo”. O que menos interessa é se o que está sendo colocado é verdade, tudo se resume a trunfos para vencer o debate.
Mas então eu pergunto: Como vamos construir uma realidade melhor em cima de mentiras? Como as pessoas podem acreditar que uma sociedade que não tem amor pela verdade pode melhorar alguma coisa? Como alguém repassa ou compartilha acusações contra indivíduos sem checar a veracidade delas? E aí o que mais ouço: “Mas ele é um corrupto, um ordinário, ele merece ser difamado”.
Sabe o significado da palavra “desespero”? É isso que sinto quando vejo as pessoas tratando a política assim. Não se planta justiça através de injustiças. Não se constrói uma realidade decente a partir de mentiras e do jogo baixo, das táticas rasteiras. A verdade tem força própria, e ela deve ser o nosso valor máximo quer se trate dos “amigos” ou “inimigos” do nosso campo político ou ideológico.
Esta prática é tão socialmente aceita que faz a gente se sentir numa luta inútil. Mas este é um sentimento que acaba passando em segundos, porque quanto maior o caos, mais você se sente impelido a fazer alguma coisa pra mudar estes conceitos e práticas. E acredito que a arma mais consistente para isso é o conhecimento.
Nos livros eu ensino os leitores a pesquisar na Internet, a checar fontes, a identificar fontes mais confiáveis (que tenham ao menos um CNPJ ou uma pessoa física que possa ser responsabilizada) e os sites que partidos ou políticos utilizam simplesmente para plantar suas mentiras, a identificar o que é notícia e o que é opinião, que sempre aparecem misturadas na mesma matéria ou artigo. Mas como nem todos leem livros, faço a mesma coisa em redes sociais, curso digital sobre política que disponibilizo gratuitamente, faço tradução das notícias econômicas e assuntos técnicos para uma linguagem mais acessível, participo de inúmeros debates para apresentar fatos comprovados que desfazem os mitos, as mentiras já tantas vezes repetidas que as pessoas internalizaram como verdade...
Ao mesmo tempo escrevo artigos para jornais, de um Le Monde Diplomatic até publicações com pequenas tiragens... Já fiz muitas palestras em escolas e ambientes de debates políticos, atualmente tenho evitado porque os ânimos estão muito exaltados, até por questões de segurança isso tem se tornado cada vez mais complicado.
Eu de fato estudo muito, pesquiso muito, acompanho há mais de 10 anos as notícias e fatos políticos para combater as táticas de manipulação rasteiras que tomaram conta da imprensa brasileira, seja ela de direita ou de esquerda. A ideia de que induzir as pessoas para um resultado previamente programado é vista com naturalidade, quando na verdade é um desrespeito e até uma violência contra a sociedade, e não é por acaso que chegamos a esta situação onde o caos político mina a economia e está nos levando a um ponto em que provavelmente não haja retorno. Ensinar é dotar o sujeito de autonomia, e a comunicação social é a responsável por este processo no âmbito da política e dos valores sociais. Quando o povo falha, a política se transforma numa arma contra este próprio povo, e o povo falha quando a imprensa falha. Não tem país bom com uma imprensa ruim. E a imprensa do Brasil vem se tornando um câncer social. A formação do jornalista brasileiro é tão deficiente que muitos cursos de pós-graduação no exterior não aceitam jornalistas do Brasil, a justificativa é que aqui não se trabalha com dados nem fatos, é uma imprensa que produz basicamente artigos de opinião. Infelizmente isto é verdade, a imprensa brasileira produz opinião com clara e evidente manipulação, uma distorção sem precedentes do ofício, do dever de informar. Verdade ou mentira é o que menos importa, o “copia e cola” dissemina inverdades numa velocidade alucinante.
Tento ser uma ponte entre os interessados por política, pelos fatos políticos e os verdadeiramente interessados no assunto. E uso todos os meios disponíveis para despertar os indivíduos que formam o povo, verdadeiro detentor do poder quando dotado de consciência e conhecimento para exercer esse papel. Muitos se acreditam prontos, mas são raríssimas as pessoas politizadas no Brasil. Economistas, professores universitários e até autoridades políticas aqui não raro sabem menos do sistema que um garçom em diversos países europeus.
Como o leitor interessado deverá proceder para saber um pouco mais sobre você e o seu trabalho?
Como me envolvo em muitas atividades, não consigo manter uma comunicação direta com os leitores. A maioria dos escritores contratam profissionais para cuidar da sua comunicação, responder mensagens e fazer este contato. Não critico quem faz, mas eu prefiro evitar, e por isso sou muitas vezes acusada de ser esnobe ou inacessível para o leitor que tenta contato, mas é impossível responder a todos e não quero terceirizar esta tarefa, seria uma falsidade a mais nesse contexto que é justamente o que tento mudar. Meus livros são a materialização do meu esforço, não sou escritora política, eu “estou” escritora política por força das circunstâncias, apenas pela gravidade do momento que o Brasil atravessa.
Honestamente... Tudo o que eu queria era ver é o Brasil nos eixos e encerrar a minha participação no ativismo político. É uma tarefa extenuante, não me contento com meias verdades, é um desgaste imenso onde perseguições, ataques de diversas naturezas são consequências inevitáveis.
Com a honestidade que me caracteriza, e ainda que soe um pouco estranho, hoje eu peço aos leitores que não me procurem (rs). Os livros, principalmente o “Política”, são o resultado de um trabalho muito árduo e são o bastante para quem quer pensar pela própria cabeça. As pessoas estão muito voltadas para a prática do “esforço mínimo”, querem respostas prontas. Ninguém precisa disso. A base está nos livros, a partir deles bastarão alguns momentos de reflexão séria e responsável, um pouco de atenção no contato com as notícias e fatos políticos para encontrar as respostas que procura.
Como analisa a questão da leitura no país?
Vejo a questão de uma forma mais ampla. O brasileiro está imerso numa cultura do “entretenimento”. Stand ups e comédias substituíram em grande parte os bons espetáculos do teatro, as músicas mais ouvidas têm uma boa batida e letras de esgoto, tudo é piada, tudo é diversão. Dia desses ouvi de uma pessoa, isso num debate de tema político, que a função da televisão é produzir entretenimento. Fico sem palavras. Um post de piada política recebe mil vezes mais curtidas que um post de informação. Os filmes que o brasileiro mais consome não enlatados americanos de ação ou comédia, o hábito de assistir filmes dublados... tudo reflete a “lei do menor esforço”. É inevitável que este conjunto de hábitos resulte no cenário atual: política é tratada como piada, as ofensas são tratadas como piada, as calúnias circulam como piada... E de piada em piada o brasileiro vem se tornando uma piada pronta.
Digo isso porque é inútil repetir o que todo mundo já sabe, que o brasileiro lê muito menos livros que o minimamente recomendado, que a leitura é questão de nutrição aos neurônios, que um povo que não lê será sempre servo. O desafio dos escritores, dos editores, dos produtores da cultura e das áreas do conhecimento é um só: Combater a ideia de que viver do trabalho que garante o sustento e dedicar o resto do tempo ao entretenimento, é a receita perfeita de fracasso tanto para o indivíduo quanto para a sociedade.
O que tem lido ultimamente?
Acabei de ler “Luz em Agosto” (William Faulkner), mas o anterior a ele foi o que me encantou mais verdadeiramente, “Os Buddenbrooks” (Thomas Mann). E antes dele um livro que foi uma surpresa, “O marido dela”, do italiano Pirandello que super-recomendo. Se for pra dizer o livro que ninguém pode viver sem ler, indico “Germinal” (Emile Zola).
Mas quero fazer uma observação: Aposto que sempre que faz esta pergunta, os entrevistados citam livros de autores renomados. Ninguém começa a ler por Zola, ou por Dostoiévski, nem vai conseguir partir do zero e captar a maravilha que é “Guerra e Paz” (Tolstói). Meu vício na leitura só existe porque comecei com lá atrás com “O Pequeno Príncipe”, “A Filha Pródiga”, “O caçador de Pipas” e depois comecei com os grandes autores. E depois deles, li Sidney Sheldon, me deliciei com “A irmã de Ana Bolena”, li... li... e li. Até “Crepúsculo” eu comprei (confesso que não consegui chegar na metade), um monte de Paulo Coelho porque entender como constroem a narrativa que prende, que hipnotiza leitores, entender o que as pessoas estão lendo é um exercício para quem escreve em qualquer área. Obviamente li “A República” (Platão), li Confúcio, li “Utopia” (Thomas More), li Aristóteles, Marx, Kant, Platão... Machado de Assis, Euclides da Cunha... Li o livro “A escrava Isaura”, “Senhora”, li, li, e leio... Porque a maior fábrica de mentes limitadas é a prisão na leitura técnica, ela fabrica os que vomitam regras. A literatura desenvolve a capacidade de empatia, ensina a enxergar pelo prisma do outro, nos dá uma visão do chão que a gente não pisa, da realidade diferente da sua, da família que não é a nossa, da mulher que não sou eu, do filho que não é meu...
As mentes mais limitadas que tenho encontrado são os que leem apenas clássicos (nem sempre são conectados com a realidade atual, apesar de contemplarem alguns aspectos eternos) ou guias de comportamento, manuais de felicidade, sucesso, de convivência. São pessoas que leem as letras mas não leem o mundo, não leem as “gentes”, são incapazes de analisar contextos. São os ignorantes eruditos. Ler, ler e ler... sem pinçar demais para não virar autômato, balada de uma nota só.
Quais os seus próximos projetos?
Voltar a exercitar o piano, aprender a tocar ukulelê, tenho um roteiro de filme que vou enviar para um produtor no Canadá, uma peça de teatro pronta na qual avanço e me retraio vezes sem conta, porque a ideia é trabalhar a prevenção ao suicídio e o tema é delicado demais, terminei o roteiro para um documentário sobre trabalhadores na extração de granito, espero trabalhar na edição dele ainda este ano, acabo de traduzir um dos livros de Mya Santell para o inglês... Planos para o futuro eu coleciono aos montes.
Mas no presente estou ainda mergulhada na política que ocupa aproximadamente 80% do meu tempo, uma atividade que não acontece de forma planejada. O momento presente é tão insano que ninguém tem como adivinhar os próximos capítulos. Pode ser que amanhã eu sinta uma necessidade premente de escrever outro livro político para preencher a lacuna sobre alguma questão, pode ser que eu jamais volte a escrever sobre política... Este é um campo em que atualmente ninguém atua dentro de um roteiro traçado. Estamos no caos e qualquer pessoa que se atreva a prever cenários estará se enganando e enganando seus leitores. Literalmente, na política brasileira atual, a cada dia bastam os seus desafios.
*Sérgio Simka é professor universitário desde 1999. Autor de cinco dezenas de livros publicados nas áreas de gramática, literatura, produção textual, literatura infantil e infantojuvenil. Idealizou, com Cida Simka, a coleção Mistério, publicada pela Editora Uirapuru. Membro do Conselho Editorial da Editora Pumpkin e integrante do Núcleo de Escritores do Grande ABC.
Cida Simka é licenciada em Letras pelas Faculdades Integradas de Ribeirão Pires (FIRP). Coautora do livro Ética como substantivo concreto (Wak, 2014) e autora dos livros O acordo ortográfico da língua portuguesa na prática (Wak, 2016), O enigma da velha casa (Uirapuru, 2016) e “Nóis sabe português” (Wak, 2017). Integrante do Núcleo de Escritores do Grande ABC.
Belo exemplo de luta por uma vida plena. Essa "muralha" recebe ataques da direita e da esquerda há anos e continua de pé, com uma dignidade irretocável. Minha eterna admiração!
ResponderExcluirParabéns pelo conteúdo do texto.Meus sentimentos são muito semelhante aos seus em pelo menos 98% o que é bom, senão seria um duplo.
ResponderExcluirVocê e brilhante. Não sei se adota premissas de esquerda ou de direita, não importa, seu raciocínio é muito bom.
ResponderExcluirAdorei. Shiwvsmde conhecimento e já leu mais do que o marrecu de Maringá. Queria ela comandando um levante #OcupaEsplanada para #LulaLivre
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