João Barone, autor e membro da banda Os Paralamas do Sucesso, é destaque da nova edição da Revista Conexão Literatura – Setembro/nº 111

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quinta-feira, 16 de agosto de 2018

Rap hour, por Márcio Almeida


É mais um dia de perda de sentido,
família, Deus, o mercado – tudo é prensa,
nessa mistura fast-food com bandido,
no corre atrás da vida que não pensa

se vale a pena a correria para nada,
em cada rua uma oferta de trouxinha,
a traficante se parece com a fada,
pra comer, a menor tira a calcinha.

Hora do rush faz o transe da babel,
em cada esquina um assalto de tocaia:
o caos urbano cheira crack e a xarel,
loura gelada, muito sexo e só gandaia.

A maioria se espreme no busão,
e não se livra da gangue à mão armada;
daqui a pouco preso mora em camburão,
a violência é só oferta com porrada.

Não há escolha nessa troca de mentira,
a pressa corre e dá de cara com o perigo,
ninguém sabe se o que mata é fome ou o tira,
se o que morre será mesmo o inimigo.

Vidro suspenso que lá vem o trombadinha,
na sequência bando troncho de pivetes,
e o táxi por sequestro sai da linha,
você decide: um balaço ou canivete.

Quem vai de carro curte sarro com o estresse,
e como pária foge do engarrafamento,
chuva miúda, óleo na pista, a curva em S,
a tevê mostra os presuntos do momento.

Hora de Ângelus quer dizer adrenalina,
o desafio é chegar inteiro em casa,
herói urbano com nervos de gasolina,
que a contramão dessa briga cria asas.

Aperte o cinto que a noite é de pega,
a fauna solta vem malhando o arrastão,
o bebum louco liga o farol que cega,
a avenida vira pista de avião.

Muita cantada de pneu nessa disputa,
o seu carona pode ser muito doidão,
desfilam drags, pitibichas, muita puta,
e o carro serve de motel e de caixão.

Vão do seu lado perueiros e a ambulância,
muita buzina é sinal de coisa preta,
enquanto reza, você pede segurança,
e logo adiante mói a Besta num Cometa.

O sinal fecha e passa um raio na retina,
o mauricinho quer mostrar que é potente,
o guarda apita, tudo bem com a propina,
e o menor pratica pra matar mais gente.

E viva a vida na vã veloz cidade,
onde escapar é o prêmio que alerta:
pisar mais fundo é sentir a liberdade
e o inferno tem a porta sempre aberta.


MÁRCIO ALMEIDA
nasceu em Oliveira, MG em 1947. É formado em Letras, com curso de mestrado, pós-graduado também em Ciências da Religião. Autor de diversas publicações de poesia, conto, literatura infanto-juvenil e teoria literária; detentor de dezenas de prêmios nacionais com o "Emílio Moura", "Cidade de Belo Horizonte"; Crítico colaborador, desde a década de 60, de vários jornais e revistas como o SLMG e a Germina; poeta visual com exposições em vários países da mostra intitulada "DidEYEtica - uma gramática do olho"; autor do "poemiseta", coleção de poemas serigrafados em camiseta, na década de 80; traduzido em espanhol, inglês, francês; tem livro-tese sobre o miniconto, no qual defende o pioneirismo do grupo de autores de Guaxupé. Almeida colaborou com a revista "Cronópios", editada pelo Pipol, onde publicou muitos artigos críticos, livros e registros culturais.
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