A obra de Robert L. Stevenson influenciou muito da literatura que conhecemos nos dias de hoje, isso é um fato inegável. O tema do duplo, presente na famosa obra Doctor Jekkyl and Mister Hyde (conhecida por aqui como O Médico e o Monstro) da pluralidade de personalidades em uma só pessoa fascina leitores pelo mundo todo, principalmente por explorar os mais obscuros confins da mente humana – onde se esconde o Mr. Hyde de cada um. No livro de Mr. Hyde, Homem Monstro, organizado por Ademir Pascale (organizador de Poe 200 anos, Nevermore, Draculea e outras antologias e autor de O desejo de Lillith e Caçadores de demônios), encontramos tal situação ocorrendo das mais variadas formas, desde narrativas com eventos sobrenaturais, ou com personagens com problemas psicológicos um tanto graves ou até mesmo (e o que mais me fascinou na obra) por meio da metaficção, o que pode ser tanto interpretado de forma literal ou como uma metáfora.
Ao mencionar a metaficção neste livro, me refiro ao conto Caostrofobia, de Débora O’lins de Barros. O conto, que já inova no título, relata em uma linguagem simples e direta o diálogo de um escritor um tanto perturbado e alguém mais que pode ser seu personagem ou seu alter-ego (muito provavel que seja os dois!), pois o personagem é ele mesmo afinal. Ao longo do conto (que é bem curto, mas o suficiente para criar um impacto muito interessante) observamos uma estrutura em espiral onde as identidades do autor e do personagem misturam-se, o que gera boas reflexões sobre a criação de personagens – encontrar o personagem dentro de si mesmo o torna mais real – e sobre a mistura da realidade e ficção, questionando os limites entre elas. O que tudo isso tem a ver com Mr. Hyde? O personagem é o alter-ego do autor, uma personalidade oculta que encontra uma forma de ganhar vida própria. Mas claro que isso é apenas uma interpretação de um conto que, imagino, pode ser interpretado de outras formas e, por isso, o considero o melhor desta antologia, original em forma e em conteúdo.
Sobre a abordagem mais sobrenatural ou com pessoas com alter-egos agressivos, encontram-se vários contos neste livro. Alguns aproximam-se mais à ideia da obra de Stevenson, utilizando-se realmente da estrutura de um médico com problemas de personalidade dupla – que algumas vezes torna-se um monstro – o que é o caso de um dos primeiros contos, O diabo limpo, de Sheilla Liz. Essa narrativa relata a história de um médico extremamente metódico, fanático por limpeza, e a frieza da linguagem parece acompanhar a mente do personagem, sempre direta e sem enfeites, sem distrações que se distanciem do que é mais objetivo. O contraste entre o lado obscuro do protagonista – semi-oculto até o final do texto – com suas manias perfeccionistas dá um tom interessante à narrativa.
Outros contos trabalham com a ideia da presença de um monstro de maneira mais sobrenatural, como Monstros entre nós, de Gian Danton, no qual uma jovem sobrevivente de um massacre conta à polícia sobre um provável suspeito de ser o Mr. Hyde da narrativa quando na verdade o monstro se escondia mais perto do que os policiais imaginavam. Já no conto Domingo Melancólico, de Jean Felipe Felsky, vemos um radialista atormentado por estranhas mensagens meio psicopatas que fica à interpretação do leitor saber de onde vêm, mas as músicas citadas pelo conto – que criam uma atmosfera muito boa, inclusive – parecem conspirar com essa voz sádica que quer a morte do narrador.
O livro tem diversos outros bons contos tratando do tema da dupla personalidade e, além de ficção, traz também um interessante ensaio escrito por Edgar Indalecio Smaniotto sobre a famosa obra de Robert L. Stevenson, abordando a questão da personalidade dupla, suas origens na contenção dos instintos em pró de uma humanidade civilizada e a influência de Mr. Hyde na cultura, desde a literatura até os quadrinhos.
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