Henrique crédito José Júnior |
Fale-nos sobre você.
Sou de uma família pobre da periferia do Rio de Janeiro, nascido em 1975, em Cascadura. Cresci em diversos bairros suburbanos e, desde os anos 1990, moro em Jacarepaguá, um bairro imenso e com diversos problemas sociais: violência, ausência de equipamentos socioculturais, planejamento urbano etc. Trabalho desde os 14 anos (comecei vendendo cachorro-quente em frente à quadra do Império Serrano, em Madureira, fui atendente de fast-food, balconista de videolocadora), até que fui o primeiro da família a ingressar na faculdade, algo que não era comum nem esperado para o nosso grupo, pois cresci ouvindo aquele papo de resquício da ditadura segundo o qual a única saída para pobre seria ser militar. Ao ingressar na faculdade de Letras na Uerj um novo universo se abriu, como se eu fosse realfabetizado para ler livros e o mundo. Continuei estudando, fiz especialização, mestrado, doutorado e muitas oficinas de criação literária. Comecei a escrever resenhas de livros para a imprensa e em 2006 publiquei meu primeiro livro (A musa diluída, poesia, Record). Daí para cá foram outros 23 e seguimos.
ENTREVISTA:
Você tem dezenas de livros publicados e uma enorme trajetória literária. Conte-nos um pouquinho sobre ela.
Ao estudar literatura e conhecer o ambiente literário, lá pelo fim dos anos 1990, descobri que a ideia de ser escritor não seria tão fácil assim, pois era um meio muito restrito a uma classe média já consolidada, composta por jornalistas/editores de um mesmo grupo social. Mas acabei me enquadrando naquela geração de jovens que começaram a escrever literatura nos blogs, e que começaram a chamar a atenção de editores. Muitos dos autores publicados pela primeira vez ao longo dos anos 2000 começaram assim. Era tudo muito novo e livre, ainda sem essa mercantilização e busca frenética de likes que as redes sociais trouxeram recentemente. Daí que talvez tenha surgido uma geração bem diversificada e aberto caminho para que jovens autores de periferia (e sem costas quentes) tivessem alguma oportunidade, algo que também se expandiu nos anos seguintes. Daí que foi nessa onda que, se não surfei para me tornar um dos autores mais conhecidos, pelo menos peguei um jacaré, conseguindo espaços de publicação para o que eu tinha a dizer como autor.
Você transita por vários gêneros textuais (poesia, conto, crônica, romance, livros infantis). Claro que cada um tem suas especificidades. Que dica pode dar a quem deseja percorrer por esses gêneros?
Quando descobri que para quem é preto, pardo e pobre tudo é mais difícil, me veio uma consciência de que, como escritor, não bastava eu ser bom. Eu precisava ser muito bom. Aquele papo furado de meritocracia se aplica nessa hora, pois eu saí com muita desvantagem. Daí que aproveitei ao máximo os meus anos de formação para entender e praticar todas as formas literárias. Passava um fim de semana inteiro reescrevendo um tipo específico de forma poética, por exemplo. Então aprendi a dominar tecnicamente toda a escrita poética clássica, conto, crônica, romance, e até a mais delicada e difícil de todas, que é a escrita para crianças e adolescentes. Assim como a poesia, essas formas parecem fáceis por haver menos texto, mas é uma armadilha. A dica é ler como leitor, mas também como quem quer entender os mecanismos por trás do texto, fazer oficinas, compartilhar ideias e leituras com os seus iguais. E o mais importante: não ser afobado. É incrível como hoje, por ser relativamente fácil ter um livro impresso ou oferecido digitalmente, os novos autores têm uma ansiedade por reconhecimento, prêmios etc. A literatura não segue esse tempo corrido das redes sociais.
Como se dá o seu processo criativo? Que acha dos que dizem que para escrever é necessário que a pessoa tenha dom?
Meu processo de escrita é hoje mais baseado na administração do tempo, moeda cada vez mais valiosa, do que outra coisa. Esse papo de dom eu acho que não existe. É claro que algumas pessoas têm uma predisposição para determinadas expressões artísticas, algo que precisa ser devidamente observado para que tenham espaço para se desenvolver. Se eu tivesse seguido carreira militar, como queriam, certamente teria uma frustração no peito porque algo em mim diria que eu não estava seguindo o que gostaria de fazer. Nesse aspecto tive alguma sorte de ter feito as escolhas certas para me desenvolver naquilo que talvez eu saiba fazer de melhor.
Você trabalha com gestão de projetos de leitura. Como analisa a questão da leitura no país?
Sim, como livros não pagam a conta para a maioria dos escritores, é preciso ter um trabalho fixo. Naturalmente, o miolo do meu tempo livre é gasto no meu emprego de gerir projetos literários, mas é um preço que se paga para poder olhar os boletos na geladeira. Ainda que 80% do tempo sejam investidos em trâmites burocráticos e administrativos, olhar o meio literário da parte de trás do balcão me dá outra perspectiva muito boa. Assim como ser escritor me ajuda muito nesse emprego, uma vez que tenho o olhar de quem, por vezes, também está prestando um serviço cultural como artista. Já a questão da leitura no país é um desafio grande, pois é uma área com muito a se fazer e que caminha lentamente. E vivemos num paradoxo, veja só: temos um país com muitos eventos literários, números de vendas de livros interessantes para umas poucas categorias, mas faltam políticas públicas aplicadas para o trabalho cotidiano. Um exemplo claro: o Rio de Janeiro acabou de ser divulgado como capital mundial do livro para 2025. Aí quem vê essa notícia logo atrelada à última Bienal do Livro com seus números altos faz parecer que a cidade é um paraíso dos livros, o que está longe de ser verdade: as escolas públicas estão fechando salas de leitura, na maioria dos bairros (inclusive onde é realizada a Bienal) não existe biblioteca pública, as livrarias estão concentradas nas áreas ricas da cidade e por aí vai. É preciso olhar esse desafio de frente e ter um plano de médio e longo prazos, mas isso é algo que nossa tradição imediatista não parece querer. Enquanto isso, fazemos nossa parte: nessas semanas tenho visitado as escolas públicas onde estudei para doar livros e palestrar (gratuitamente, vale dizer) para alunos e professores. O fato de não haver solução no geral não nos impede de, mesmo em trabalho de formiga, contribuir para levar livro e leitura para quem precisa.
Instagram e Twitter: @henriquerodrix
Link para a notícia do lançamento do livro
“Áurea”:
CIDA
SIMKA
É licenciada em Letras pelas Faculdades Integradas de Ribeirão Pires
(FIRP). Autora, dentre outros, dos livros O enigma da velha casa (Editora Uirapuru, 2016), Prática de escrita: atividades para pensar
e escrever (Wak Editora, 2019), O enigma da biblioteca (Editora
Verlidelas, 2020), Horror na biblioteca (Editora Verlidelas,
2021), O quarto número 2 (Editora Uirapuru, 2021), Exercícios
de bondade (Editora Ciência Moderna, 2023), Horrores da
escuridão (Opera Editorial, 2023), Somos a diferença neste mundo indiferente (Editora Uirapuru, 2023) e Dayana Luz
e a aula de redação (Saíra Editorial, 2023). Colunista da revista Conexão Literatura.
SÉRGIO SIMKA
É professor universitário desde 1999. Autor de mais de seis dezenas de
livros publicados nas áreas de gramática, literatura, produção textual,
literatura infantil e infantojuvenil. Idealizou, com Cida Simka, a série
Mistério, publicada pela editora Uirapuru. Colunista da revista Conexão
Literatura. Seu mais recente trabalho acadêmico se intitula Pedagogia
do encantamento: por um ensino eficaz de escrita (Editora Mercado de
Letras, 2020) e os mais novos livros de sua autoria se denominam Exercícios
de bondade (Editora Ciência Moderna, 2023), Horrores da
escuridão (Opera Editorial, 2023), Somos a diferença neste
mundo indiferente (Editora Uirapuru, 2023) e Dayana Luz e a aula de redação (Saíra Editorial, 2023).
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