Poema sobre autismo é destaque de livro lançado pela Luva Editora
A jornalista paulistana Renata de Alcântara Stuani faz estreia vigorosa na poesia com o livro Melancolicamente, editado pela Luva Editora do Rio de Janeiro em dezembro de 2021 (https://luvaeditora.com.br). A política, a psicanálise, a tecnologia e até a música pop são base para a construção de poemas de grande musicalidade, com resultados muitas vezes surpreendentes. O destaque do livro é o doloroso “Autismo, Vozes da Solidão”, de inspiração autobiográfica.
O Eu-lírico de Renata está sempre em metamorfose e adquire formas e personalidades distintas: muitas vezes terna e infantil, e outras, sombria e violenta. Temas clássicos, como a morte e a divindade, se misturam a composições intimistas. A capa colorida traz uma árvore frondosa com grandes raízes e foi criada pela artista plástica Carolina Nery, brasileira atualmente radicada na Nova Zelândia.
Ao contrário de muitos poetas, Renata Stuani somente começou a se interessar pela poesia a partir de 2015, quando vivia em Portugal, país de gigantes da literatura, como Luís Vaz de Camões e Fernando Pessoa. Até então, a escrita fazia parte da sua vida como escolha profissional, já que exerceu o jornalismo por mais de 20 anos, trabalhando como repórter em São Paulo e como assessora de Imprensa em Brasília. “Para mim, escrever é terapêutico, vem de uma necessidade íntima; mas só resolvi publicar depois da pandemia do coronavírus, quando percebi que o que eu fazia podia tocar outras pessoas.”
Melancolicamente traz textos que remetem à tradição melancólica da poesia lusitana, como o que abre o livro, na seção Feminina.
(Que fizeste com a menina que eras tu?
aquela da alegria rosa
do andar de pluma
das asas miraculosas
Mataste? Confessa!
Foi, não foi?
Seu corpo jaz embaixo da escrivaninha
Com as certidões e os boletos
Debaixo de espessas lamúrias
E de encontros azarados
Menina dolorida e desmembrada
Peço imensíssima desculpas
Por não ter te realizado).
Em outras composições, Renata expõe a ironia e o bom-humor típicos da brasilidade, como em “Cinderela Empoderada”, quando imagina uma luta física entre a personagem infantil com sua madrasta.
O mal-estar da condição feminina surge em versos irônicos, como em “Desistências” (Vamos, mulher, desistir de alguma coisa hoje/Dia tecnicamente adequado) e “Amada Amiga, Poema da Inveja” (Amada amiga, é certo que nos amamos/Quero as nódoas roxas do meu soco no teu corpo e as tuas unhas rosinhas fincadas no meu peito).
O vigor da poesia de Renata surge tanto em composições sucintas, como A Bala (...a bala percorre o caminho da espera/espera feita de trajetória/projétil emoldurado pela tensão do aguardo), ou em narrativas mais longas, caso do poema-crônica “Lennon Está Morto!”, em que ela conta como foi o dia em que seu pai soube da morte do músico dos Beatles.
A crítica política surge na seção Lugares, como no poema América do Sul (O conquistador tem os ossos esquartejados/num corpo ordenado em mim) e em versos inspirados na capital federal (A catedral de Brasília/ tem frias hastes pontiagudas/ voltadas/ todas elas/ para a carne quente de nossas faces).
A última seção (Amor e Luto) mostra uma escritora em fase mais madura, com o violento “Autismo – Vozes da Solidão”, uma composição com pinceladas trágicas dividida em cinco partes (Bom dia, mãe plenitude/prenhe da falta de filho/Mãe oca talhada de ausência/Mãe tonta de risco de giz). O livro se encerra com um poema de Natal em homenagem ao povo quéchua, inspirado nas vivências da autora no Peru, terra do Antigo Império Inca, onde ela viveu por mais de dois anos.
O livro tem ainda composições que remetem ao poetas brasileiros que mais emocionam a escritora, como Carlos Drummond de Andrade, Manoel de Barros, Manuel Bandeira e Ana Cristina Cesar. Atualmente, o poeta de cabeceira da autora é o peruano Cesar Vallejo.
Depoimentos de leitores:
Adriano Tardoque – Historiador, arte-terapeuta e poeta: “A arte da capa do livro espelha seu conteúdo, com tudo aquilo que enraíza ou aflora em nós. Memória e sentimento vão se revezando e dando espaço em manifestações que vão da saudade à melancolia, do afeto à incerteza. Abrir este livro é como abrir janelas e olhar para fora. E, quando fora, se debruçar nela e olhar para dentro”
Tuca Rosa – jornalista e poeta: “A poesia de Renata Stuani me insere num universo bastante singular. Sinto em seus poemas a força de palavras que remetem, no mesmo tempo, a uma certa violência e delicadeza. É uma alquimia difícil, que ela realiza com maestria. O olhar da menina e da mulher para a menina são marcantes, assim como a sua capacidade de ampliar com sua lupa poética as mais prosaicas cenas do cotidiano”.
Viviane Mottin – psicanalista: “Trabalho denso, sensível e atemporal. Poesia que se enlaça numa narrativa, parecendo, no conjunto, um roteiro para teatro ou musical. Vale muito!
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