Fale-nos sobre você.
Sou o típico resultado de uma criança introspectiva, que passava os dias consumindo produtos da cultura pop e imaginando heróis, monstros e histórias. Daí para me tornar escritor, só precisei descobrir os livros. Quando isso aconteceu, eu soube que queria trabalhar com eles pelo resto da minha vida. Hoje sou escritor, professor, editor e designer editorial, tudo isso resultado de uma mesma paixão da adolescência. Sou autor de três livros: O Jardim das Hespérides (2017), Animais diários (2019) e A Floresta (2021). Os dois primeiros são de contos e este último é um romance de terror. Todos foram publicados pela minha própria editora, O Grifo.
ENTREVISTA:
Fale-nos sobre seus livros. O que motivou a escrevê-los?
O que me motiva a escrever é colocar no papel as histórias que nascem na minha cabeça. O escritor é um ser atormentado por fantasmas, isto é, pessoas etéreas que ficam sussurrando o tempo todo em seus ouvidos pedindo ajuda para alcançar o plano material. Os escritores são como médiuns dessas histórias. Aliás, o único tipo de mediunidade que eu realmente acredito.
Você é editor da editora O Grifo. Fale-nos sobre ela e sobre seu trabalho.
Como escritor, passei por todo aquele processo de buscar editoras que se interessassem em me publicar, e colecionar nãos ("colecionar nãos" é um jeito de dizer, o jeito certo é "colecionar silêncios"). Não encontrando ninguém que quisesse publicar meu primeiro livro, O Jardim das Hespérides, eu fiz o que qualquer outro escritor faria no meu lugar: fui lá e abri minha própria editora. Desde então, tenho trabalhado para publicar novos autores de talento, que, assim como eu, não tiveram espaço em outras casas editoriais. Com alguns ajudantes terceirizados, hoje fazemos com um trabalho editorial completo com o mínimo de pessoas e de recursos. Nosso catálogo está indo para o seu 13º título e já lançamos livros que tiveram enorme repercussão nacional, como a antologia O Novo Horror, que reúne grandes nomes da literatura nacional. Eu sou editor e designer na editora, então faço grande parte do livro sozinho, o que possibilita diminuir alguns gastos com profissionais e viabiliza a editora existir num mercado tão duro quanto é o brasileiro.
Fale-nos a respeito do seu doutorado em escrita criativa.
É um programa inovador, que surgiu na PUCRS a partir da Oficina de Criação Literária do escritor Luiz Antonio de Assis Brasil, muito baseada também em outros modelos de ensino da escrita de países com mercado editorial mais maduro que o nosso, como o dos EUA e do Reino Unido. Hoje há um interesse grande no ofício de escritor. Brincamos que há quase mais escritores do que leitores na cena literária. Os cursos de escrita criativa ajudam o escritor a cortar atalhos no seu aprendizado, refletindo de forma mais consciente sobre o que funciona melhor no processo de escrita. Claro que ele ainda prescinde do talento, por isso costumamos dizer que a escrita criativa não ensina a escrever, mas ajuda a profissionalizar quem quer levar o ofício a sério.
Como analisa o mercado editorial brasileiro voltado a livros de terror?
O mercado editorial brasileiro, no geral, ainda é muito imaturo em muitos aspectos. Falta mais colaboração entre as instituições (editoras e livrarias), falta orientação dos leitores e falta incentivo de todos os lados. O mercado editorial teve um crescimento positivo durante a pandemia, porque as pessoas ficaram mais em casa e aumentaram seu relacionamento com produtos culturais, mas ainda assim há muito para melhorar. No caso do terror, há um crescente, tanto na produção quanto no interesse do público. Houve um boom no número de editoras novas especializadas no gênero e houve um interesse maior das editoras tradicionais. Vemos esse interesse crescente do público até mesmo no reflexo positivo que há para financiamentos coletivos em livros de terror. Alguns críticos acreditam que essa popularidade do gênero se dá em função das crises em nossa realidade cotidiana: política, sanitária, humanitária, econômica, cultural etc. As distopias, histórias fantásticas e ameaças monstruosas têm servido de metáforas para explicar o horror da vida real.
Como analisa a questão da leitura no país?
Péssima, né? É um problema antigo que se agrava, causada por um país com enorme desigualdade social e pouco incentivo à educação e cultura. A leitura cresce muito pouco porque não é tida como prioridade, e nem teria como ser, numa sociedade onde milhares e milhares de pessoas precisam pensar em qual será sua próxima refeição. Na contramão desses problemas, a preocupação do governo eleito pela maioria é com armamento e rigidez militar. Simplesmente não há como a leitura prosperar nesse cenário catastrófico, mesmo com o esforço gigantesco de certos grupos e pessoas. Essa falta de incentivo vinda de cima também dificulta o mercado editorial, que lida com negócios quase impraticáveis, e impede, de certa forma, que o livro se torne um produto acessível, básico. A maioria dos profissionais que atuam no mercado editorial brasileiro o faz por amor, não por esperar algum retorno.
O que tem lido ultimamente?
Tento sempre dar prioridade a autores nacionais contemporâneos, sejam de editoras conceituadas ou vindos do cenário independente. Costumo ler todo o tipo de ficção, mas tenho me interessado pelo terror nacional ou pela literatura que dialogue com essa questão do insólito. Minhas últimas leituras foram de autores como Cristhiano Aguiar, Irka Barrios e Larissa Prado. Fora do cenário nacional, me chamou bastante atenção o trabalho da argentina Mariana Enriquez. Contudo, confesso que tenho lido bem pouco por prazer. Em função do trabalho de editor e de escritor, minhas principais leituras são dos autores que publicamos ou de livros relacionados à pesquisa para o meu próximo romance.
Uma pergunta que não fizemos e que gostaria de responder.
Uma pergunta que acho importante: por que o livro está tão caro? A maioria das pessoas não conhece o processo de produção do livro e acaba julgando as editoras como únicas culpadas por esse cenário. Acontece que há muitos fatores que culminaram com esse aumento do preço, entre eles a escassez e encarecimento do papel, que aumentou quase 60% de alguns anos para cá. Outro fator é que o livro passou 10 anos sem receber reajuste, em função da sua função social. Porém, sem incentivos do governo e com a inflação acelerada, o setor não consegue mais segurar os preços, pois há inúmeros profissionais envolvidos no processo de produção do livro e esse pessoal precisa ser remunerado. Até mesmo o preço da gasolina influencia no custo do livro, já que o frete é parte importante do cálculo. Muitas editoras tentam compensar abaixando o preço do livro digital, para valorizar o valor social do livro e mantê-lo acessível, porém, hoje, o livro de papel virou um artigo de luxo, infelizmente.
Link para o site da editora: https://www.ogrifo.com.br/
CIDA SIMKA
É licenciada em Letras pelas Faculdades Integradas de Ribeirão Pires (FIRP). Autora, dentre outros, dos livros O enigma da velha casa (Editora Uirapuru, 2016), Prática de escrita: atividades para pensar e escrever (Wak Editora, 2019), O enigma da biblioteca (Editora Verlidelas, 2020), Horror na biblioteca (Editora Verlidelas, 2021) e O quarto número 2 (Editora Uirapuru, 2021). Organizadora dos livros Uma noite no castelo (Editora Selo Jovem, 2019), Contos para um mundo melhor (Editora Xeque-Matte, 2019), Aquela casa (Editora Verlidelas, 2020), Um fantasma ronda o campus (Editora Verlidelas, 2020), O medo que nos envolve (Editora Verlidelas, 2021) e Queimem as bruxas: contos sobre intolerância (Editora Verlidelas, 2021). Colunista da revista Conexão Literatura.
SÉRGIO SIMKA
É professor universitário desde 1999. Autor de mais de seis dezenas de livros publicados nas áreas de gramática, literatura, produção textual, literatura infantil e infantojuvenil. Idealizou, com Cida Simka, a série Mistério, publicada pela editora Uirapuru. Colunista da revista Conexão Literatura. Seu mais recente trabalho acadêmico se intitula Pedagogia do encantamento: por um ensino eficaz de escrita (Editora Mercado de Letras, 2020) e seu mais novo livro juvenil se denomina O quarto número 2 (Editora Uirapuru, 2021).
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