Marilda Soares - Foto divulgação
Fale-nos sobre você.
Marilda Soares é bacharel e licenciada em História,
com mestrado e doutorado em História Social; pedagoga, com especialização e
Psicopedagogia e Neurociência; MBA em Administração Pública e Gerência de
Cidades.
Foi professora na Educação Básica e no Ensino
Superior durante 25 anos.
Atualmente é coordenadora geral da Educação Básica,
na Secretaria de Educação do Município de Piracicaba, e professora associada
profissional do Pecege-Esalq-Usp (Programa de Educação Continuada em Economia e Gestão de Empresas), orientando os trabalhos de conclusão de curso de Especialização em
Gestão Escolar.
Integra a Rede de Atendimento e Proteção à Mulher, é membro do Conselho da Comunidade Negra e vice-presidente do Centro de Documentação, Cultura e Política Negra de Piracicaba.
ENTREVISTA:
Fale-nos sobre os livros. O que motivou a escrevê-los?
Creio que
a intenção inicial foi de responder a inúmeras perguntas que eu fazia a mim
mesma, como pesquisadora da história e como cidadã, mulher negra, no contexto
da sociedade brasileira. Especialmente por não ver a história dos
afrodescendentes representada nas narrativas históricas oficiais.
Assim, “Etnicidade
Afrodescendente”
surgiu da necessidade de repensar a História do Brasil considerando a
africanidade como elemento constitutivo da nossa nacionalidade. Durante a coleta
de dados, o tema foi se desvendando e motivando a busca de novos métodos,
recortes, fontes e interpretações.
O
primeiro volume é destinado ao registro de passagens da História da África, com
referências a povos, etnias, culturas e nações africanas, e o segundo volume é
dedicado a passagens da História do Brasil, especialmente à presença negra na
formação histórico-social do país.
A
presença africana e afrodescendente no Brasil, geralmente, é apresentada de
forma esparsa e superficial, com o destaque para algumas passagens relacionadas
à história da expansão portuguesa e europeia na África, o início da colonização
do Brasil, a produção açucareira, o ciclo da mineração, a produção cafeeira, o
movimento abolicionista e a Lei Áurea. Isso significa dizer que o conhecimento
histórico, desde que se definiu um modelo curricular para o ensino da História
no Brasil, a exaltação ao passado europeu da população e da nacionalidade
brasileira pode ser identificada na ênfase ao modelo curricular de ensino da
História Universal definido pela elite local, que reivindicava para si a
ascendência europeia, desprezando o processo de miscigenação, inicialmente com
africanos e indígenas e, posteriormente, com outros povos de origem asiática e árabe.
Até recentemente a educação escolar e, na mesma medida, as pesquisas acadêmicas que lhes dão suporte teórico, não contemplavam a abordagem histórica dos povos africanos e afrodescendentes do Brasil, o que provocou grande desconhecimento dessa parcela da História. O mesmo ocorreu com a História dos povos Indígenas, cujos currículos priorizaram as passagens históricas dos Incas, Maias e Astecas, como parte do processo de expansão colonizadora e predomínio dos espanhóis na América Central. Não obstante, são conhecimentos fundamentais para a formação da nossa identidade.
Como analisa a questão da leitura no país?
Vivemos um momento interessante, em que muito se
lê, especialmente as publicações que circulam pelas redes sociais. Porém, temos
que salientar a distância entre a quantidade e a qualidade do conteúdo lido.
Os textos clássicos e mesmo outros atuais, que
apresentam repertórios mais densos, não estão incluídos entre os mais
acessados.
A leitura compõe a base do desenvolvimento do
indivíduo desde a infância. Temos que aprender a ler o mundo de diversas
formas, entender seus símbolos e códigos para nos constituirmos como pessoas.
Mas, mesmo compondo a rotina de aprendizagem no ambiente escolar, a leitura precisa ser estimulada fora dos muros das escolas,
especialmente no ambiente familiar, que é a base da formação de valores.
Família e Escola devem atuar juntas para incentivar o desenvolvimento dessa competência leitora – que é acompanhada do desenvolvimento de habilidades socioemocionais –, se apoiando mutuamente, estimulando o prazer de ler e, ao mesmo tempo, uma postura de investigação, de desejo de conhecer mais sobre o mundo e suas possibilidades de interpretação.
O que tem lido ultimamente?
Tenho lido bastante a obra de Cheikh Anta Diop, pesquisador senegalês, já falecido, destacado por
sua ampla formação como físico, historiador, sociólogo, antropólogo e
linguista. Ele é considerado um importante intelectual africanista do século XX
por suas pesquisas referentes às origens africanas da civilização.
Diop utilizou conceitos extraídos das
investigações linguísticas, arqueológicas, antropológicas e históricas que
produziram conhecimentos acerca dos povos subsaarianos e seus legados, desde a
Pré-história, para demonstrar que os grupos humanos originados na área central
da África, devido às necessidades de sobrevivência, busca dos recursos naturais
e mudanças climáticas, foram alcançando outros espaços, nos territórios do
Egito, Mesopotâmia, Oriente, Europa e, em processos migratórios de milhares e
milhares de anos, ultrapassaram o Estreito de Bering e alcançaram as Américas.
Um dos
objetivos alcançados por Anta Diop foi desconstruir a imagem criada pela
Egiptologia e outras linhas da investigação que buscaram subjugar as etnias
africanas e distanciar a História do Egito da História da África.
Diop
esclarece que parte significativa das referências históricas sobre a África foi
calcada no racismo. Segundo ele, os apontamentos científicos eram usados para
justificar a exploração colonialista ao afirmar a “inferioridade” dos povos
africanos, atribuindo um caráter “natural” ao processo de dominação econômica e
política exercida pelas “superiores” nações europeias. E como o Egito foi a
mais proeminente civilização da Antiguidade, superior em riqueza e sofisticação
cultural a muitos povos antigos de outras partes do mundo, realizou-se um
esforço para dissociá-lo do restante do Continente, mormente da África negra.
Ao investigar uma rica documentação, Cheikh Anta Diop concluiu que os egípcios tinham originalmente a pele escura, ou seja, com grande concentração de melanina, que caracteriza as etnias da África negra. Com os processos de sucessivas migrações e invasões, parte da população passou a apresentar variações na pigmentação, o que não significa que a população egípcia fosse asiática em origem, pois se registra, em todo o arcabouço documental, a anterioridade daquela civilização em relação às demais. E, desse modo, Diop contrariou as tradicionais pesquisas eurocêntricas e fundamentou teoricamente a origem africana do Egito e da própria civilização.
Como você avalia a relação das temáticas propostas nos livros e o contexto histórico atual?
Em uma
perspectiva positiva, podemos apontar que a temática da igualdade e dos
direitos ganhou maior espaço nos estudos acadêmicos e embates políticos,
estimulando uma revisão dos conceitos, preconceitos e estereótipos, buscando
novos caminhos para a valorização da cultura e história dos povos africanos e
afrodescendentes do Brasil e de toda parte onde a Diáspora desconstruiu as
sociedades tradicionais da África e gerou novos processos históricos.
Por outro
lado, do início do trabalho, há alguns anos, até o momento em que encerramos a
escrita, foi possível presenciar debates e lutas incansáveis de militantes dos
direitos humanos e de ativistas negros, com a perspectiva de novas conquistas e
avanços.
Propostas
políticas dissonantes com os preceitos democráticos têm surgido,
lamentavelmente, descontruindo as conquistas de diversos segmentos
historicamente excluídos. Em tempos mais recentes, também tem sido possível
presenciar, com perplexidade, o recrudescimento de linhas político-ideológicas
avessas ao Estado Democrático de Direito, tão caro à esperança de um futuro
igualitário e de uma sociedade mais justa e equilibrada.
Por essas razões, dentre os objetivos principais dessas publicações, apresentamos algumas passagens da História da África e da História do Brasil a partir da análise da temática étnico-racial e com o propósito de contribuir para as discussões, trazendo uma linguagem simples e acessível a todos os interessados.
Links para os livros:
Passagens da História da África - Etnicidade
Afrodescendente I
https://clubedeautores.com.br/livro/passagens-da-historia-da-africa
Passagens da História do Brasil - Etnicidade
Afrodescendente II
https://clubedeautores.com.br/livro/passagens-da-historia-do-brasil
CIDA SIMKA
É licenciada em Letras pelas Faculdades
Integradas de Ribeirão Pires (FIRP). Autora, dentre outros, dos livros O enigma
da velha casa (Editora Uirapuru, 2016), Prática de escrita: atividades para
pensar e escrever (Wak Editora, 2019), O enigma da biblioteca (Editora
Verlidelas, 2020), Horror na biblioteca (Editora Verlidelas, 2021) e O quarto
número 2 (Editora Uirapuru, 2021). Organizadora dos livros Uma noite no castelo
(Editora Selo Jovem, 2019), Contos para um mundo melhor (Editora Xeque-Matte,
2019), Aquela casa (Editora Verlidelas, 2020), Um fantasma ronda o campus
(Editora Verlidelas, 2020), O medo que nos envolve (Editora Verlidelas, 2021) e
Queimem as bruxas: contos sobre intolerância (Editora Verlidelas, 2021).
Colunista da revista Conexão Literatura.
SÉRGIO SIMKA
É professor universitário desde 1999.
Autor de mais de seis dezenas de livros publicados nas áreas de gramática,
literatura, produção textual, literatura infantil e infantojuvenil. Idealizou,
com Cida Simka, a série Mistério, publicada pela editora Uirapuru. Colunista da
revista Conexão Literatura. Seu mais recente trabalho acadêmico se intitula
Pedagogia do encantamento: por um ensino eficaz de escrita (Editora Mercado de
Letras, 2020) e seu mais novo livro juvenil se denomina O quarto número 2
(Editora Uirapuru, 2021).
0 comments:
Postar um comentário