Observava com cautela a aglomeração, escondido em parte pela vegetação densa da floresta. Os indígenas eram canibais, mas porque gostavam do sabor da carne e do sangue, ao contrário dos demais do planeta, que executavam todo um ritual antropofágico para a obtenção da força do adversário que tombara em combate.
Meu
físico era robusto, mas em comparação com um único nativo franzino e baixo, eu
era fraco e débil. Sem armas, podia competir com uma única ferramenta, meu
cérebro. A aldeia dos Panchuayas era formada por um semicírculo de cabanas
toscas e mal-acabadas, o pátio defronte a elas destinado aos inimigos. Estivera
naquele local por uma semana, e tudo o que vira fora matança, matança e
loucura. Quando chegavam à euforia extrema trazida pela aguardente feita da
raiz “tekmal”, loucura pareceria normalidade, em comparação.
Hoje,
onze índios e índias da tribo dos Panchuayas haviam trazido mulheres e
crianças, junto com homens de outra tribo, inimiga. Eu olhei ao redor e me
lembrei que, onde caíra, minha nave se desfizera em grandes fragmentos, sem se
destroçar por completo. Recuei sem fazer barulho e saí da zona daquela floresta
equatorial. Encontrei partes do casco no caminho e, ao dar com as areias
finíssimas e sedosas da praia, desviei-me para permanecer em segurança, no
limite da zona da mata. Caminhei com pressa, mas sabia que ninguém me
escutaria. Nem os Panchuayas, nem ninguém ouvira o ruído da queda, eu acionara
um dispositivo supressor de sons, no veículo espacial, que absorvia todo e
qualquer som que se desse em um raio de mil metros.
Penetrei
na vegetação fechada. Eu era magro, flexível, ágil. Isso possibilitava mover-me
entre as árvores que cresciam juntas, restando um espaço estreito entre elas.
Uma espécie de sequoia antidaluziana fora ceifada, seus doze metros de largura
cortados pela astronave em que eu viajava.
Restara um toco de um metro de altura, no qual subi e corri para me
lançar sobre uma dúzia de samambaias gigantes.
Cheguei
à cabine de comando, instalada perto do nariz da fuselagem, na parte interna.
Por isso, sobrevivi. Tinha vindo em um habitáculo projetado entre camadas e
camadas de uma liga de tungstênio-cobalto, que absorvia com eficiência tanto
choques físicos, como o superaquecimento térmico da passagem pela parte
superior da atmosfera de Antidaluz.
Em
meu planeta, eu era um semideus.
Em
meus domínios, fora um senhor feudal que trabalhava com tecnologia de
antimatéria e feixes de campos magnéticos que torciam qualquer objeto, ou
pessoa. E estraçalhava-os.
Entrei
na cabine. Os instrumentos pareciam
estar em pleno funcionamento. Mas era simples aparência, por dentro do
labirinto de fibras ópticas, conduites-laser e transmissores de dados sob forma
de micro-ondas, as avarias eram muitas. Apanhei uma peça aqui, outra ali e, sem
pensar no que estaria acontecendo na aldeia dos canibais, pus-me a montar um
dispositivo único.
Demorei-me
quinze minutos, desmontando painéis de controle, emendando cabos de luz laser e
aparatos diversos. Foram-se outros vinte minutos para calibrar tudo, usando um
instrumento que se salvara ao desastre. Estava tudo ajustado e pronto, por fim.
Pelo amor de Trogg, eu teria um verdadeiro espetáculo, hoje!
Corri,
passando com habilidade por entre as árvores da floresta cerrada, e alcancei o
mirante de onde descortinava toda a aldeia. De fato, um homem jazia no chão com
marcas de chicotadas e os canibais riam. Estavam entrando no estado de euforia
induzida pela bebida de “tekmal”.
Acabei
com a alegria deles. Apontei para as cabanas minha ferramenta disruptora e, uma
a uma, as cabanas explodiram. Regulei a arma para potência máxima e dirigi o
campo de torção magnética e de efeito sucessivo de micro-ondas para uma sequoia
antidaluziana enorme que crescia a dez metros dos limites da aldeia.
As
ondas de energia sacudiram, primeiro, a árvore e, em um ou dois segundos,
transformaram-na em restos. O som de destroçar acompanhou a destruição, lançando-me
contra um tronco de uma palmeira e ensurdecendo-me por meio minuto. Todos os
índios caíram no chão, as mãos tapando sem efeito prático os ouvidos. Eu sabia
que seria doloroso, mas acho que calculei por baixo a intensidade das forças
que atuariam no nível máximo de potência.
Levantei-me,
tonto, e ajoelhei-me. Com prazer, via os prisioneiros escaparem, tropeçando e
caindo, para a seguir se levantarem e correrem. Os canibais se encontravam um a
dois metros das vítimas, mais perto das cabanas. Notei que ninguém se
levantara, até se passarem dez minutos desde a deflagração da onda de choque da
sequoia desmantelada. Andei até o centro da aldeia. Reparei no sangue que
escorria dos olhos e ouvidos dos índios. Pensei que o principal estava feito.
Mesmo o inimigo dos canibais que havia sido chicoteado tinha fugido.
As
chamas das cabanas levantavam rolos negros de fumaça, que começou a me dar
náuseas. Apanhei um facão e uma faca afiada de um dos corpos. Saí da aldeia,
seguindo os passos dos índios que eu havia salvo.
A
um quilômetro de onde havia me chocado contra aquele mundo, cheguei a uma parte
da mata que se tornava aberta, sem a vegetação rasteira que poderia esconder algum
animal peçonhento, e tendo as árvores se espaçado e diminuído de envergadura.
Ouvi o som de centenas de tambores e, do subsolo coberto de folhas, se levantou
uma leva de guerreiros troncudos e armados com arcos, flechas, lanças, tacapes
e arbaletas. Alguns índios seguravam dois facões e outros, duas facas
semelhantes à que eu estava portando. Levantei os braços e toquei no
dispositivo para tradução de sete bilhões de línguas para o português.
—
Quem é você? — um homem de físico de halterofilista olímpico, apontando um arco
e uma flecha contra minha cabeça, perguntou.
Eu
sabia da situação corrente naquela parte do planeta. Guerras irrompiam entre
Panchuayas e o resto das tribos daquele setor do continente mais extenso.
Joguei minhas cartas na mesa e falei:
—
Meu nome é John. Little John. Pode me chamar de John. A explosão que devem ter
ouvido destruiu uma sequoia antidaluziana de grande porte e matou os Panchuayas
que ameaçavam torturar e liquidar homens, mulheres e crianças deste mundo. Caí
neste planeta, vindo do céu, de um outro lugar de Antidaluz, em uma acomodação
especial que chamo de “nave”. Minha nave sofreu uma parada súbita em seu
mecanismo de direção e fui incapaz de controlá-la.
—
Como sabe de nossas disputas, John? Nossas tribos não se espalharam por grandes
extensões. Será que você é um “andiavour”? — nisso, os outros índios riram à
vontade. O homem de porte atlético abaixou seu arco e continuou: — Andiavour é
um pássaro migratório de mau agouro, que dá sorte aos Panchuaya, contando a
eles sobre nossa localização. Um espião, em um mundo que proíbe espionagem. Mas
um Panchuaya preferiria deixar de comer por doze aparições e desaparecimentos
do Sol no céu, a fazer mal a outro Panchuaya. Abaixem as armas, todos! Ele virá
conosco para nossa aldeia principal.
A
caminhada foi puxada. Saímos da floresta para acabarmos em um mundo de vulcões,
despenhadeiros e desertos. Perguntei onde estava a aldeia dos índios inimigos
dos Panchuayas, mas o índio forte se limitou a dizer para acompanhá-los. Chegamos
em uma ponte construída em arco, com blocos do que me pareceram feitos de concreto
armado. Sob a ponte, um precipício de duzentos metros se estendia por um vale
de quilômetros de largura e comprimento.
—
Ele deve ir primeiro, Anquez — falou contido um dos índios. — Ele poderia ter
matado os prisioneiros dos Panchuayas...
—
Chegaríamos tarde, na aldeia de nossos inimigos, Rakr. Você ouviu a dama que
escapou. A sequoia foi esfacelada, os Panchuayas tiveram os olhos e ouvidos
estourados. John irá depois de você — Rakr começou a retrucar, mas Aquez
levantou e abaixou o braço, calando-o.
Rakr
pulou para a ponte e correu, galgando os blocos com rapidez, antingindo o topo
e descendo até o outro lado. Levou dois minutos para atravessar o precipício.
Subi no primeiro bloco de concreto e corri tão rápido quanto o índio. Chegando
no outro lado, Rakr apontou para mim sua arbaleta. Fez sinal para eu pular para
o abismo.
Comecei
a caminhar de costas para o despenhadeiro, me aproximando da garganta, mas Rakr
não suspeitava qual fora a arma que ocasionara a explosão. Enfiando com vagar a
mão no bolso da calça, regulei o dispositivo energético para um décimo de sua
potência e disparei. Anquez chegou junto ao outro indígena, caído no chão.
Virou-o com o pé e resmungou.
— Você poderia tê-lo matado, mas não o fez.
Isso é estranho, inusitado. De onde disse que veio, John? De longe? — o índio
encorpado falou que Rakr era inimigo de seu próprio povo, de hoje em diante. —
Diga qual punição quer para ele.
—
Eu poderia ter liquidado mil antidaluzes, com minha arma. Posso fazer
desaparecer um vulcão, ou uma montanha, com um movimento. Deseja que eu me
torne um assassino, como Rakr? Devemos unir-nos, todas as tribos aos
Panchuayas, Anquez.
—
Para quê? Para ver a traição vir na forma de um coração arrancado, John? Você
tem boas intenções, mas matar e destruir às vezes é preferível a ser atingido
por uma flecha traiçoeira — ele fez sinal para os guerreiros atravessarem a
ponte e virou-se para mim, dizendo: — Os Panchuayas levaram minhas três filhas,
uma começando a puberdade e as outras demasiado pequenas para perceberem
qualquer dor. Concedo a Rakr a liberdade de se jogar no abismo de Serkt.
Anquez
levantou com o braço esquerdo o corpo de Rakr e o sacudiu. Ele estava tonto, mas
acordado. O índio forte arremessou o meu algoz junto ao despenhadeiro de rocha
e falou:
—
Agora salte! Será uma única dor, estatelar-se contra o fundo do precipício, mas
se não pular, uma dúzia de flechas e lanças o trespassarão, antes de cair.
—
É preferível morrer lutando contra você, a me acovardar como um Darksar! Venha
e veja se consegue me jogar no abismo!
—
Acabem com esse inseto. Como uma almofada de alfinetes — foram as únicas
palavras que Anquez disse. A seguir, seguiu para o primeiro bloco de concreto
da ponte e ficou observando as flechas serem disparadas contra Rakr.
--//--
—
O que está dizendo, Anquez? Uma dúzia de bravos guerreiros contra um Panchuaya?
Era
Ordiz, pai do índio que liderara a expedição contra os Panchuayas, que falara.
Anquez levantou o queixo e continuou em silêncio, na cabana onde se deliberavam
decisões de grande importância.
—
Os Panchuayas levaram minha esposa, na penúltima incursão, Ordiz — murmurou
Anquez, o rosto escondendo as emoções. — Sabe o que fariam com ela e com
Tessit, minha filha mais velha. E que provavelmente já o fizeram.
—
Você não pode ter certeza! Você não está sempre certo! Rakr era um espião
maldito, mas precisaríamos dele para fazer uma trégua com nossos oponentes! O
que você fará a seguir, Anquez?
Silêncio
caiu sobre cem Darksares, sentados na areia da cabana, as pernas cruzadas. Em
algum tempo, cochichos irromperam, aqui e ali. Ordiz estava sentado em um
cadeirão de madeira, ladeado pelo Conselho de Guerra, e Anquez se posicionara
de pé, defronte ao pai, a mão direita segurando o punho esquerdo. Era sinal de
respeito.
Eu
esperava na entrada da cabana por uma decisão. Era proibido para um membro de
outra tribo me aproximar do Conselho, ou mesmo, de entrar na habitação. E
calculei que o mesmo valia para um estrangeiro. Refletia em como poderia ajudar
nessa situação tão difícil, quando Ordiz se levantou e apontou para minha
direção. Quando Anquez chegou ao meu lado, falou em voz baixa:
—
Fui expulso. Vamos até os Panchuayas, em sua aldeia maior. Vamos resgatar minha
família.
—
Eu já calculava isso, Anquez. Não sou Darksar, portanto irei. Seu pai não pode
mandar em mim.
—
Quando sair da aldeia, iremos até a aldeia Panchuaya e lutaremos com cada
inimigo. Os mataremos. Faremos isso da
sua maneira, limpa, ou da minha, caso se confirme o que eu penso que aconteceu
com os bebês e minha filha. Minha mulher, eles contarão o que aconteceu a ela,
mas não tenho esperanças. Portanto, é quase certo que faremos da minha maneira
— Anquez olhava para a escuridão enquanto me contava de seus planos. Quando
acabou, continuou em frente, até desaparecer no escuro do exterior da aldeia.
Eu
ouvi as conversas de índios, às vezes a favor de Ordiz, em outras vezes
defendendo Anquez. O burburinho continuou por muito tempo e eu esperei todos
saírem da cabana do Conselho e se recolherem, para sair da aldeia. Os indígenas
que guardavam a saída da paliçada me deixaram passar. Andei um quilômetro, os
sentidos alertas, quando ouvi um movimento a cinco metros.
—
Quieto — sussurrou o índio. — Siga-me.
Caminhamos
pela floresta escura, minha visão adaptando-se com rapidez ao negrume da noite.
Passamos por trilhas que levavam a lagos e riachos, até chegarmos a uma que nos
guiaria até um rio de grandes proporções. Às margens, Anquez pulou para dentro
de uma canoa. Eu o segui e o índio segurou dois remos, que jaziam no fundo da
embarcação.
Ele
remou por um tempo indefinido. Quando me dei conta, a madrugada dera lugar à
noite. Ele rumou para a margem direita e levantou os remos. Pousou-os na canoa
e levantou-se, equilibrando-se. Saiu, com um mínimo de ruído, e fez sinal com a
mão para mim. As margens do rio elevavam-se uns quinze metros e tivemos de
escalar a vertente. Do outro lado, uma concentração de cabanas três vezes maior
que a da aldeia dos Darksar estendia-se em um perímetro de vinte quilômetros.
Os
índios se encontravam adormecidos, com exceção dos vigias e de alguns, que
perambulavam pela área. Anquez apontou para a esquerda e, agachado, começou a
se dirigir para o a direção oposta. Segurei-o pelo braço.
—
Anquez, se quer minha ajuda, faremos da minha maneira. Colocamos todos para
dormir, com meu disruptor — tirei o dispositivo do bolso e o mostrei a ele,
nesse instante —, e procuramos por sua família.
—
De modo algum, meu amigo. Se quer que eu volte a ter paz de espírito,
derramaremos sangue — ele sacou duas facas da cintura e golpeou o ar.
—
Pense, homem! Se matar um Panchuaya que seja, toda a tribo deles entrará em
guerra contra os Darksar, até não restar um vivo, de cada lado! — O aborígene
remoeu a ideia, movendo os lábios e falou: — Eles guerrearão conosco, de
qualquer maneira. Prefiro morrer lutando!
—
Sua filha será estuprada e morta, e sua mulher, torturada. Suas outras filhas
serão mortas com requintes de crueldade. Pense, pense nisso!
Anquez
guardou suas facas. Falou:
—
Nos ajudará a fazer trégua com os Panchuayas?
—
Farei o possível, mas somente se sua família estiver bem.
—
Vamos até a entrada Leste da aldeia — dirigimo-nos para a direita, agachados,
tentando permanecer em silêncio, á medida que progredíamos pela relva. Chegamos
ao ponto de virada da paliçada da aldeia, em que poderíamos alcançar a entrada.
Haviam cinco índios guardando o portão.
Ajustei
minha arma e disparei. Todos os Panchuayas desabaram no solo. Anquez foi até os
corpos e acenou com a cabeça. No interior da aldeia, vimos seis indígenas
fazendo a ronda noturna e disparei contra eles. Prostraram-se no chão, inertes.
Fomos
de cabana em cabana, colocando todos em estado catártico. Anquez sacou sua
faca, ao ouvir um ruído. Um guarda entrara na cabana e eu desferi um pontapé em
seus testículos, com toda força. Ele caiu de joelhos gemendo e eu o coloquei
para dormir, com o disruptor.
Pusemo-nos
a procurar as filhas e a mulher do Darksar. Encontravam-se em outra parte, fora das cabanas, e, em meia
hora perambulando por toda a área, encontramos um toldo de tecido trançado
disposto na terra, a um canto da aldeia, no ponto mais afastado e escuro.
Anquez
cortou com uma faca os nós e cordões que mantinham o toldo preso ao solo e
esteve perto de gritar, de felicidade. Sua esposa e filhas se encontravam na
escavação e o índio puxou-as, libertando-as. Todas estavam bem, mas extenuadas.
Precisávamos sair para a floresta, naquele momento.
—
Vamos ter de chegar à aldeia Darksar, amada minha — Anquez falou para sua
mulher. — Eu te carregarei nos braços.
Levando
os dois bebês, um em cada braço, e tendo ao lado do pai a filha mais velha,
Anquez soergueu sua esposa e corremos. Deixamo-nos deslizar pela encosta que
levava às margens do rio onde havíamos deixado a canoa e Anquez começou a
remar, quando todos nos encontramos prontos para partir.
Chegamos
à aldeia dos Darksar e, a um primeiro momento, os guardas do portão olharam
estupefatos para nós. Abaixaram os arcos e tacapes e disseram para segui-los.
Chegamos
à cabana de Ordiz, guardada por seguranças armados até os dentes. Anquez
conversou por alguns minutos com eles, contando nossos feitos. Eles
deixaram-nos entrar na cabana.
—
O que veio fazer... — o pai de Anquez começou a falar. Mas, vendo sua nora e
seus netos, relaxou. — Filho, resgatou nossa família, das mãos dos Panchuayas.
Devo tudo a você.
Anquez
ajoelhou-se aos pés do chefe dos Darksar e disse:
—
Elas estão bem. Little John derrubou um de nossos inimigos, usando toda a força
que tinha e o pôs para dormir. Nocauteou todos os Panchuayas com sua arma!
—
Devo reconsiderar minha decisão. Organizemos um grupo de dez guerreiros e vamos
até onde a aldeia dos Panchuayas está. Quero falar com Azsis, o chefe deles.
Levaremos oferendas e presentes. Quero a paz, Anquez, apenas a paz, que há
muito não é vista por essas terras.
—
Também devo ir, chefe — interrompi o homem idoso. — Minha arma nos protegerá de
toda a tribo, caso queiram nos prender ou nos matar.
—
Little John, é bem-vindo. Preparemo-nos, todos!
Em
três compridas canoas, atingimos o território dos Panchuayas em duas horas.
Dessa vez, seguimos para a aldeia deles sem a proteção da floresta, nos
dirigindo direto para a entrada. Vi que havia uma algazarra ocorrendo no meio
das cabanas. Ultrapassamos o portão aberto e o chefe Panchuaya nos apontou os
dedos.
—
Aquele! Aquele é o responsável, o estrangeiro! Acabem com ele!
Saquei
o disruptor e apontei-o para o chão. Ajustei o tiro para meia força. O solo
explodia, onde eu o atingia, todos tapando os ouvidos, alguns caindo de
joelhos, inclusive dois de nosso grupo.
—
Quer um tratado de paz, chefe Azsis? Terá de entrar em acordo conosco, para
isso. Não viemos em busca de violência, trouxemos bebida sem álcool para
celebrarmos o tratado, depois de assinado com seu e meu sangue.
—
O forasteiro dizimou uma pequena aldeia, próxima ao mar. Por que o está
defendendo, Ordiz?
—
Porque ele pode oferecer proteção para todos, através de suas armas.
Azsis
permaneceu em silêncio. Nuvens cobriram o Sol, uma brisa suave e quente começou
a soprar, aumentando de intensidade.
—
Vê? Este é o mês de atividade dos vulcões. Cobrirão a terra com seu líquido
incandescente e destruirão nossas aldeias e plantações. Teremos de nos mudar
com frequência, mesmo ir para as terras geladas do Norte — o chefe Panchuaya
mordeu os lábios, perante a afirmação de Ordiz. Perguntou:
—
Como uma arma como esta pode deter o poder de um vulcão?
—
Este dispositivo é de minha terra. Fabricado com o que há de mais poderoso, em
termos de potência destrutiva. É do tamanho da palma de minha mão, nem maior,
nem menor. Sua tecnologia permite com que eu desintegre montanhas inteiras. “Desintegrar”
significa aniquilar, destruir de modo tão completo um objeto, que não restará
rastro nenhum dele para ser identificado.
—
Você fala como um homem culto, estrangeiro — disse o chefe dos Panchuayas. —
Como vai deter o poder da lava, que vem do interior de Antidaluz?
—
A lava pode ser erradicada. Construirei outros aparelhos como este.
Devastaremos os vulcões que poderão se tornar ativos em breve. Será necessário
que viajem até cada um deles. Farei outras armas, com o que sobrou de minha
nave, o meu veículo de transporte, além de acoplar amplificadores de energia, a
cada um dos aparelhos.
Voltando
às praias, entrei nos escombros de minha nave e pus-me a trabalhar. De uma
potência suficiente para matar, converti minha arma em algo pesado, estranho,
até. Poderia matar milhares, com um tiro. E converter montanhas em poeira pura.
Com o material da cabine de comando, consegui montar oito daqueles dispositivos,
instalando amplificadores de energia em cada um, regulando-os para serem armas
eficientes e devastadoras.
Os
Panchuayas e os Darksar formaram grupos mistos, se dirigindo aos vulcões
conhecidos por serem perigosos o bastante para que os erradicássemos da face de
Antidaluz. O problema de se criar um campo eletromagnético daquele nível era o
ruído. Consegui montar um supressor acústico de tal magnitude, que dissiparia
ondas sonoras em um raio de vinte quilômetros. A maior das montanhas situava-se
junto de uma cidade que havia sido consumida, no passado, pela lava.
Contamos
os segundos, quando Anquez disparou um tiro na potência máxima. Ordiz, Azsis e
eu ficamos boquiabertos quando o vulcão desapareceu, sem deixar pistas, levando
dez segundos para se converter em nada.
—
E a lava, Little John? Não irromperá à superfície, abrindo fendas e crateras e
inundando a cidade com seu poder de destruição? — Azsis falou. Percebi que ele
estava nervoso. Acalmei-o, demonstrando firmeza nas palavras:
—
Estamos em um período de transição. As forças que agem no interior do planeta
estão inquietas. Pelo que entendi, cedo ou tarde teremos uma catástrofe. Uma
equipe de Panchuayas e Darksares deverá permanecer nas imediações dos vulcões
extintos por dois meses, desintegrando a lava que brotará da terra. É o único
modo de contê-la que eu conheço, chefe.
Foi
feito. Em três meses, devastamos dezesseis vulcões, um deles já ativo, soltando
rolos de fumaça a três quilômetros de altura. Quando chegamos no local, a terra
tremia. Desfizemos a montanha e a lava começou a inundar a paisagem, por fendas
que abria na planície recém-formada. Detonamos a arma duas vezes, mas a lava
continuava a irromper. Por três semanas, lutamos contra o líquido com odor de
enxofre. A terra tremia, ribombar era ouvido, os céus se enchiam de fuligem.
Por
fim, a onda de erupções cessou. Eu falei a Ordiz, Anquez e Azsis:
—
É imperativo deixar um grupo neste local, para impedir que mais lava venha a
consumir a floresta e as vilas em torno do vulcão. As plantações dão frutas,
verduras, cereais e legumes, devem ser conservadas a qualquer custo. Estamos a
quinhentos metros do ponto mais próximo de erupção. A terra deixou de tremer,
há alguns minutos — virei-me para o local onde existira o vulcão, onde, sob a
superfície da terra, fumaça tóxica era produzida e teimava em surgir na
planície. Disse, pensando no futuro: — As duas grandes tribos devem assinar um
tratado de paz. Agir em conjunto, fazendo uma parceria para impedir que outras
montanhas se tornem vulcões ativos, destruindo a lava que irrompe e sempre irromperá
do subterrâneo.
Na
aldeia Panchuaya, Ordiz sentou-se a uma mesa, defronte a Azsis. Falou:
—
Saco minha faca de combate, para verter sangue em nome de nossa recente amizade.
Há fatos e coisas na vida mais importantes do que luta e derramamento de sangue
— o velho chefe cortou superficialmente a palma da mão.
—
Selemos nossa amizade e confraternizemos por Little John haver surgido em nossa
curta existência — Azsis olhou para mim, sentado em outra cadeira, e passou a
lâmina de sua faca na mão esquerda. A seguir, os dois chefes deram as mãos,
misturando o sangue e a vontade de lutar entre eles. Agora, com a cerimônia
executada, não haveria motivo para o combate, pois o combate entre eles se
mantinha, a partir desse momento, preso entre o sangue dos dois povos. Não
poderia irromper na forma de guerras, da mesma forma que a lava seria impedida
de se espalhar à superfície. O sangue deixara de ferver. Os vulcões poderiam
voltar a se manifestar, mas as tribos sempre estariam dispostas a converter
lava em ar puro.
Naquela
noite, Anquez se acocorara perto da entrada da aldeia Darksar. Sentei-me a seu
lado.
—
Vai nos deixar, amigo?
—
Por que pergunta isso, Anquez? Minha meta é continuar neste planeta, ajudando a
manter a paz entre as tribos.
—
Você tem família, John?
—
Nunca te disse isso, não é? Tenho duas famílias em minha terra natal, situada
muito, muito longe. Mas, se quisesse voltar para lá, seria impossível isso.
Veja, olhe para aquele anel de estrelas que orbita um Sol gigantesco. É
impossível discernir a estrela gigante, mas o anel é de tal forma brilhante,
que poderá observá-lo.
—
É sua morada natal?
—
Venho de um planeta onde a terra é fértil, os campos são verdes e os mares
azuis e translúcidos. Suas florestas crescem sem que ninguém precise vigiar o
desmatamento, pois o homem, em meu planeta, tem consciência inata da
importância da existência da fauna e da flora, nas florestas e bosques. Os rios
e lagos são puros, pode-se beber a água deles sem ser tomado por febres e
vômitos.
Anquez
ergueu o corpo musculoso e falou:
—
Eu gostaria de visitar seu planeta, John. Um dia desses, talvez eu vá até lá. É
tão perto, está a uma distância de um braço de mim.
Ele
me deixou sentado na terra, onde eu havia cruzado as pernas, e pensei:
“Deve
se passar vinte gerações, antes de conseguirem enviar um antidaluz para órbita.
Não vai ser fácil, não vai”.
Fiquei
por meia hora olhando as estrelas, apoiado com meus braços no solo e sem pensar
em nada. Levantei-me e fui dormir, na grande cabana que haviam me oferecido com
tanta gentileza, em agradecimento.
*Sobre Roberto Fiori:
Escritor de Literatura Fantástica. Natural de São Paulo, reside atualmente em Vargem Grande Paulista, no Estado de São Paulo. Graduou-se na FATEC – SP e trabalhou por anos como free-lancer em Informática. Estudou pintura a óleo. Hoje, dedica-se somente à literatura, tendo como hobby sua guitarra elétrica. Estudou literatura com o escritor, poeta, cineasta e pintor André Carneiro, na Oficina da Palavra, em São Paulo. Mas Roberto não é somente aficionado por Ficção Científica, Fantasia e Horror. Admira toda forma de arte, arte que, segundo o escritor, quando realizada com bom gosto e técnica apurada, torna-se uma manifestação do espírito elevada e extremamente valiosa.
Sobre o livro Cedrik - Espada & Sangue:
“Em uma época perdida no Tempo,
onde a Escuridão ameaçava todos,
surgiu um líder.
Destruição, morte, tudo conspirava contra.
Mas era um Homem de extremos, audacioso.
Era um Homem sem medo”.
Dos Relatos e das Crônicas da Velha Terra.
Em sua obra “Cedrik – Espada & Sangue”, o escritor Roberto Fiori coloca sua imaginação e força de vontade à prova, para escrever seu primeiro romance. Um livro de Fantasia Heroica, no gênero Espada & Feitiçaria, em que, em uma realidade paralela, a Terra da Idade do Ferro torna-se campo de lutas, bravura, magia e paixão.
Cedrik é um Guerreiro capaz de levantar 75 kg em cada braço e, ao mesmo tempo, de escalar uma parede vertical de mais de 20 metros de altura facilmente. Em meio a ameaças poderosas, parte para o Leste, em missão de vingança. Acompanham-no a bela princesa Vivian, vinda do Extremo Leste, e o fiel amigo Sandial, o Ancião, grande arqueiro e amigo a toda prova.
Os amigos enfrentam demônios, monstros, piratas e bandidos sanguinários. Usam de magia para se tornarem fisicamente invencíveis. Combatem demônios vindos do Inferno, no Grande Mar. Vivian é guardiã e protetora do Necrofilium, livro que contém maldições, feitiços e encantamentos em suas páginas.
A intenção do autor é continuar por anos as aventuras de Cedrik, escrevendo sobre todo um Universo Fantástico, em que bárbaros e guerreiros travam lutas ferozes e feitiçaria não é uma questão somente de “se acreditar” em seu poder, mas de realmente utilizá-lo para a batalha, como uma arma.
A obra pode ser adquirida com o autor, pelo e-mail spbras2000@gmail.com, no site da Editora Livros Ilimitados, em livrarias virtuais e no formato de e-book, na Amazon. Os links para acessar o livro são:
1. Americanas.com:
2. Submarino.com:
3. Amazon.com:
4. Site da Editora Livros Ilimitados:
https://www.livrosilimitados.com/product-page/cedrik-espada-e-sangue
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