Fale-nos sobre você.Olá! Meu nome é Flávio, tenho 33 anos e nasci em Campos do Jordão (SP), município onde residi durante os primeiros 28 anos de minha vida. Lá, terminei o ensino básico — orgulhosamente em escolas públicas — e minha graduação em licenciatura em Física pela Universidade de Taubaté, concluída em 2010 e em meus primeiros anos de carreira como professor de física e de tecnologias digitais para os ensinos fundamental e médio em escolas da região da Serra da Mantiqueira e do Vale do Paraíba. Já são onze anos ininterruptos como docente na educação básica! Atualmente resido em Santo André, cidade da região metropolitana da capital paulista. Além da formação em Física, sou mestre em ciências pelo Programa de Pós-Graduação em Projetos Educacionais de Ciências da Escola de Engenharia de Lorena — EEL USP e produzo materiais de divulgação científica que procuram discutir o ensino de ciências e a prática científica como um todo. Esses materiais estão reunidos em meu site, o ccult.org, que está no ar desde fevereiro de 2019.
ENTREVISTA:
Você faz parte de uma associação, da qual você é o único brasileiro a participar. Fale-nos sobre ela.
Meu ingresso na Rede Latinoamericana de Cultura Científica ocorreu em fevereiro de 2021. A RedLCC (redlcc.org), como chamamos, é uma rede de divulgadores e de pesquisadores em ciência e educação da América Latina e do Caribe que reúne pessoas que falam e pesquisam sobre a cultura científica, isto é, os aspectos inerentes à prática científica por cientistas e como a ciência se relaciona com outras áreas do cotidiano, dentro e fora dos ambientes de pesquisa. Minha filiação – e consequentemente, a filiação do ccult.org — ocorreu após um processo interno de análise e de escolha dentro das diretrizes da RedLCC. Além de meu site, há o blog da pesquisadora Germana Barata, da Unicamp, sendo, até o momento, os dois únicos sites em língua portuguesa associados à RedLCC. A lista com todos os associados está disponível no link: https://redlcc.org/about/
Fale-nos sobre a sua dissertação de mestrado defendida na USP.
Costumo dizer que minha dissertação foi resultado de um processo de incômodos. Sempre me chamou a atenção a forma como a ciência — e quando me refiro à ciência, me refiro a todos os aspectos que fazem parte de sua prática: os métodos, o trabalho, as formações, as formas de divulgação dos pensamentos e dos resultados obtidos por cientistas e pesquisadores dento e fora das universidades e de centros de pesquisa — chega a ser ignorada por boa parte da população e, em especial, dentro do ambiente escolar. Em termos educacionais, existem outras prioridades que, em geral, não englobam a discussão justamente sobre como a ciência funciona. Como é possível vivermos numa época em que as nossas relações sociais e grande parte de nossa vida cotidiana depende da ciência e da tecnologia e, ainda assim, sabermos tão pouco sobre ela? Foi pensando nisso que direcionei minhas pesquisas sobre a formação da cultura científica em sala de aula, especificamente, como verificar a visão de ciência que os alunos têm. Sim, mesmo que nunca tenham discutido sobre o tema, as pessoas têm suas próprias visões que são baseadas na vivência, no que ouvem falar a respeito, no que imaginam como as coisas são... E quando não lidamos com isso na escola, a tendência é que essas concepções continuem fazendo parte da vida dos alunos. Então, minha pesquisa buscou justamente verificar, a partir dos conhecimentos prévios que os alunos possuíam sobre o que é a ciência, sua prática e influência na sociedade, quais as visões de ciência que eles possuíam e, a partir dos resultados obtidos, verificar como o uso de materiais de divulgação científica poderiam auxiliar na mudança de concepções sobre a ciência. Foi uma pesquisa aplicada ao longo de três anos, com centenas de alunos de algumas escolas da região do Vale do Paraíba — região onde se desenvolvem satélites espaciais e pesquisas meteorológicas, mas que, em geral, pouco se sabe sobre elas.
Fale-nos sobre o projeto de financiamento coletivo.
Depois de terminar o longo processo que envolve o mestrado, perguntei: e agora? Eu tinha um trabalho, uma pesquisa com mais de 200 páginas e ainda achava que tinha sobre o que falar, sobre o que escrever. Eu queria que mais pessoas tivessem acesso ao que escrevi e que acredito que pode contribuir com o debate sobre o nosso atual momento — que além da pandemia de covid-19, que nos mostrou o quanto a ciência é fundamental para a nossa vida, envolve as mudanças curriculares na educação brasileira com a aplicação da BNCC e o próprio contexto do negacionismo científico que invariavelmente nos deparamos. Surgiu a ideia do livro e, com ela, o obstáculo: como publicar se não tenho os recursos necessários para isso? Daí veio a ideia do financiamento coletivo. As contribuições podem ser feitas pelo Abacashi (https://abacashi.com/p/livro-cultura-cientifica) e que dão direito desde ter o nome nos agradecimentos aos financiadores da obra até o recebimento de um exemplar impresso do livro. A ideia é reunir valores suficientes para cobrir os custos de produção e a compra de exemplares para a doação para escolas, bibliotecas públicas e docentes da educação básica.
Como analisa a questão da leitura no país?
É difícil não ver com preocupação cenário de leitura no Brasil. Se por um lado faltam incentivos para que novos escritores surjam e sejam divulgados, por outro, ainda vejo uma enorme dificuldade no acesso às leituras, especialmente de livros físicos. A cidade onde nasci demorou anos para ter uma livraria, que quase fechou por conta da crise que assolou o mercado como um todo por conta da pandemia (felizmente, a livraria foi salva devido ao esforço coletivo dos frequentadores do espaço e acabou sendo comprada por um dos empresários da cidade). As bibliotecas públicas, que poderiam ter um papel mais ativo na formação de novos leitores e no acesso aos livros, não são priorizadas. Soma-se a isso a “crise” no acesso à informação: com o grande número de informações disponível na internet e o ambiente multitarefa em que vivemos, fica mais fácil assistir a algo do que ler sobre o tema. Daí surgem as pílulas de informação, textos curtos e muitas vezes sem grande profundidade e que conseguem circular com maior velocidade do que textos com maior articulação. Então, o ato de ler — sejam livros, jornais, artigos de opinião — que deveria ser uma experiência pessoal, desenvolvida com o devido incentivo e tempo, é transformada em algo desnecessário. É preciso um esforço da sociedade para reverter esse quadro. O incentivo à leitura não vem apenas da escola e não existe apenas na família: é além, é algo que deveríamos ter como cultural em nossa sociedade.
O que tem lido ultimamente?
Procuro mesclar leituras sobre ciência, filosofia e tecnologia com a literatura clássica. Minhas duas últimas leituras foram: “Cartas a um jovem poeta”, de Rainer Maria Rilke e “O Zero e o Infinito”, de Arthur Koestler.
Outra pergunta que não fizemos e que gostaria de responder.
Gostaria, mais uma vez, de agradecer a oportunidade e de indicar duas leituras que considero de grande importância para aqueles que gostam ou se interessam por ciência: “O mundo assombrado pelos demônios”, escrito por Carl Sagan — um dos maiores divulgadores científicos de todos os tempos — e “Os melhores textos de Richard Feynman”, que reúne uma coletânea de palestras proferidas pelo físico dos Estados Unidos e ganhador do Nobel de 1965. Feynman, aliás, aprendeu a língua portuguesa, deu aulas no Brasil e desfilou no Carnaval carioca, entre tantas coisas incríveis que fez ao longo de seus quase 70 anos de vida.
CIDA SIMKA
É licenciada em Letras pelas Faculdades Integradas de Ribeirão Pires (FIRP). Autora, dentre outros, dos livros O enigma da velha casa (Editora Uirapuru, 2016), Prática de escrita: atividades para pensar e escrever (Wak Editora, 2019), O enigma da biblioteca (Editora Verlidelas, 2020) e Horror na biblioteca (Editora Verlidelas, 2021). Organizadora dos livros Uma noite no castelo (Editora Selo Jovem, 2019), Contos para um mundo melhor (Editora Xeque-Matte, 2019), Aquela casa (Editora Verlidelas, 2020), Um fantasma ronda o campus (Editora Verlidelas, 2020) e O medo que nos envolve (Editora Verlidelas, 2021). Colunista da revista Conexão Literatura.
SÉRGIO SIMKA
É professor universitário desde 1999. Autor de mais de seis dezenas de livros publicados nas áreas de gramática, literatura, produção textual, literatura infantil e infantojuvenil. Idealizou, com Cida Simka, a série Mistério, publicada pela editora Uirapuru. Colunista da revista Conexão Literatura. Seu mais recente trabalho acadêmico se intitula Pedagogia do encantamento: por um ensino eficaz de escrita (Editora Mercado de Letras, 2020) e seu mais novo livro infantojuvenil se denomina Horror na biblioteca (Editora Verlidelas, 2021).
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