Fale-nos sobre você.
Sou Lindamir Salete Casagrande, licenciada em Ciências com habilitação em Matemática, mestra e doutora em Tecnologia e professora de matemática aposentada da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). Atualmente sou professora voluntária atuando no Programa de Pós-Graduação em Tecnologia e Sociedade (PPGTE) da UTFPR.
Sou a filha caçula de uma família de oito irmãos, que tirava seu sustento das atividades na roça (como era boa aquela época). Iniciei minha escolarização em uma escola multisseriada no interior do Paraná e, quando estava na 6ª série, minha mãe disse que eu não estudaria mais, pois, já sabia o suficiente para uma mulher (esse era um pensamento frequente na época). Mas eu amava estudar e via na continuidade dos estudos a única forma de mudar meu futuro. Fugi de casa para ir até a escola e fazer a matrícula e assim consegui dar continuidade a minha trajetória escolar e não parei até hoje.
Sempre gostei de matemática e consegui realizar meu sonho de ser professora de matemática. Confesso que não gostava de escrever, até acreditava que não sabia escrever. Também não era muita adepta da leitura e entendo que isso era reflexo do pouco estímulo à leitura que me foi oferecido tanto na infância quanto no ensino fundamental e médio.
Com o tempo, desenvolvi o prazer da leitura e o hábito e desejo de escrever. Durante o mestrado me aproximei do estudo de história de mulheres e comecei a escrever sobre. Inicialmente como artigos científicos, publicados em revistas da área. Com a aposentadoria surgiu um questionamento sobre o que fazer agora? Não tinha mais aulas para dar nem o contato com meus estudantes. Bateu um vazio, uma insegurança, um medo.
Então resolvi me dedicar ainda mais a pesquisar sobre as trajetórias de mulheres que marcaram a humanidade por suas ações, descobertas, invenções, pioneirismo, força e luta. Comecei a escrever essas histórias em uma linguagem acessível às crianças e adolescentes e que têm agradado também aos adultos. Assim estou me descobrindo uma escritora ou como gosto de nominar, contadora de histórias.
ENTREVISTA:
Fale-nos sobre a coleção. O que a motivou a escrevê-la?
Ao longo da história, muitas mulheres foram invisibilizadas, silenciadas, ocultadas, tiveram suas produções, invenções e criações usurpadas por homens com os quais conviviam. Mesmo as que conseguiram assinar seus feitos tiveram pouco registro e divulgação resultando na falta de conhecimento e reconhecimento de suas trajetórias e contribuições.A série Meninas Moças e Mulheres que Inspiram foi pensada para resgatar e levar as histórias de mulheres para o público infantojuvenil para torná-las cada vez mais conhecidas e sirvam de inspiração para as crianças, de modo especial às meninas. A ideia é intercalar a história de uma mulher estrangeira com outra brasileira para dar visibilidade às nossas conterrâneas que muito contribuíram para o desenvolvimento de nosso país e do mundo. Outra condição é que todos os livros sejam ilustrados por mulheres de diversas idades, origens etnicorraciais, localizações geográficas e perfis criativos. Este objetivo está sendo alcançado quando observamos as características das quatro ilustradoras que me ajudaram a constar as histórias já publicadas. Esta diversidade oferece traço único para cada livro ao considerar que as ilustradoras contam a história por meio dos desenhos, da imagem imprimindo nelas sua forma de ler o texto e oferecendo aos leitores e leitoras uma outra forma de ler os livros. Assegurar que as ilustrações sejam feitas por mulheres é uma forma de dar visibilidade e espaço para as artistas brasileiras, garantindo e construindo um espaço para divulgar seus trabalhos, sua arte, sua criatividade.
As mulheres selecionadas para terem suas vidas contadas nos livros da série são de diversas origens, formações e época histórica em que viveram. Optei por contar as histórias desde a infância até a morte (quando já ocorreu) para evidenciar que aquela mulher um dia foi criança, gostou de coisas comuns, frequentou escola, enfim, é foi/é pessoa como outra qualquer, mas que decidiu que suas ações seriam destinadas a mudar o mundo. Nos livros destaco os fatos mais marcantes nas vidas delas e tenho ciência que muitas coisas ficaram de fora.Iniciamos a série com o livro Marie Curie: uma história de amor à ciência que foi lindamente ilustrado por Vanessa Martinelli. Marie Curie foi a maior cientista que o mundo conheceu. Enfrentou muitos obstáculos e preconceitos por ser mulher e, mesmo assim, conseguiu se inserir e se manter no meio científico. É a única pessoa a receber dois prêmios Nobel em duas áreas científicas diferentes. É dona de uma história que merece ser contada, lida e divulgada.
Para o segundo livro era a hora de escolher uma mulher brasileira e optei por contar a história de Zilda Arns, médica pediatra e sanitarista que nasceu em Forquilhinha – SC, porém viveu desde os 10 anos em Curitiba. Sob o título Zilda Arns: a tipsi que amava as crianças, o livro foi lançado no dia das mulheres (08 de março) do ano de 2020 com a delicada e rica ilustração de Lucy Ana Soares Camelo Casagrande que fez sua estreia como ilustradora neste livro. Zilda foi uma mulher forte que aliou a fé religiosa ao conhecimento científico. Ao criar a Pastoral da Criança salvou milhões de vidas mundo afora. Esta instituição, embora vinculada à Igreja Católica, acolhe as famílias sem perguntar qual sua crença religiosa, tem por objetivo salvar vidas. Zilda levou o nome do Brasil mundo afora e espalhou amor por onde andou. Morreu fazendo o que mais amava, disseminando amor, conhecimento e fé.
Em setembro de 2020 foi a vez de lançar o terceiro livro da série no qual resgato a história de Hipátia de Alexandria, a primeira mulher a ser reconhecida mundialmente como matemática. Por ter vivido nos séculos IV e V d.C. as informações sobre Hipátia são muito raras a ponto de alguns historiadores questionarem a sua existência. Entretanto, considerando que a história das mulheres é ocultada, negada, invisibilizada, é impensável que tenha sido criada uma mulher fictícia com tanta capacidade e conhecimento. Este fato levou ao título do livro que é Hipátia de Alexandria: a matemática, astrônoma e filósofa lendária e que recebeu uma ilustração delicada e impactante de Andrea Martau. Hipátia foi uma mulher que colocou seu amor ao conhecimento no centro de sua vida e acabou sendo cruelmente assassinada por essa causa.Dando sequência à série, era a vez de selecionar mais uma brasileira para compor o grupo de mulheres cujas histórias seriam contadas para o público infantojuvenil. A escolhida da vez foi Enedina Marques. Mas quem foi Enedina? Mulher negra, oriunda de família pobre que nasceu no início do século XX em Curitiba, capital do Paraná e viu nos estudos a forma de mudar sua vida. Enedina sonhou ser engenheira e se tornou a primeira mulher negra a concluir este curso no Brasil. Foi ainda a primeira mulher a se tornar engenheira na região sul e a sexta do Brasil. Cursou engenharia na Universidade Federal do Paraná numa época em que este espaço não era pensado e visto como adequado às mulheres, menos ainda a mulheres pretas. Mas Enedina sonhou, ousou, lutou, enfrentou muito preconceito e conseguiu se tornar uma engenheira respeitada e reconhecida por sua capacidade, conhecimento e representatividade. Entretanto, sua história é pouco conhecida pela sociedade em geral e merece chegar até as crianças, pois é uma inegável fonte de inspiração, de modo especial, às crianças negras.
O livro recebeu o título Enedina Marques: mulher negra pioneira na engenharia brasileira, foi lindamente ilustrado por Lhaiza Morena e foi lançado no dia 06 de março de 2021, no evento em comemoração ao dia das mulheres da editora Inverso ocorrido de forma on-line.
Alguns fatos interessantes estão ocorrendo com relação à série. O primeiro é que embora os livros tenham como público-alvo crianças e adolescentes, os adultos estão amando as histórias. Aparentemente seriam livros mais atraentes às meninas, porém tenho recebido retornos maravilhosos do quanto os meninos estão gostando de conhecer essas mulheres fantásticas. Seguidamente recebo indicações de outras mulheres que as pessoas gostariam de ver suas histórias contadas para o público infantojuvenil dentro da série. Algumas artistas se apresentam como possíveis ilustradoras para os próximos livros. Enfim, há uma movimentação em torno da série e expectativa sobre a próxima história a ganhar uma versão escrita por mim e ilustrada por uma mulher brasileira.No livro Ervilhas tortas, que não pertence a esta série, revisito minha memória e relato alguns episódios de minha infância na roça. Os textos que são escritos com humor simplicidade mostram uma realidade desconhecida da maioria das pessoas e, talvez, inimaginável para as crianças da atualidade.
Como analisa a questão da leitura no país?
A leitura é fundamental para desenvolver a criatividade e a imaginação das crianças. Proporciona que se viaje para universos imaginários, lúdicos, fantásticos. Por isso é importante que se estimule cada vez mais e mais cedo que as crianças desenvolvam o hábito da leitura. Eu sou uma mulher que, quando criança, não desenvolveu o hábito da leitura fazendo isso depois de adulta. Sendo assim, falo por experiência própria da importância de que haja o estímulo à leitura desde a mais tenra idade. Entretanto, acredito que, devido a fatores culturais, as condições financeiras e sociais, a realidade familiar, dentre outros fatores, isso ocorre pouco. A população brasileira precisa ler mais. Acredito que é importante criar projetos que estimulem a leitura da população em geral e, de modo especial, das crianças e adolescentes. A leitura oportuniza a possibilidade de sonhar e sonhar é o primeiro passo para realizar.
O que tem lido ultimamente?
Devido a minha atuação no meio acadêmico como professora de mestrado e doutorado tenho que realizar muitas leituras de temas acadêmicos, de modo especial, livros e artigos com a temática de gênero, área na qual desenvolvo minhas pesquisas. Gosto muito destas leituras e elas me ajudam a ver o mundo com um olhar mais humano e democrático. Motivada pela série que estou produzindo, e pelo amor que tenho pela história das mulheres busco por livros que apresentam histórias de mulheres nas mais diversas áreas profissionais, com variadas formas de escrita e organização. Essa leitura é importante para buscar inspiração e conhecer mais mulheres inspiradoras, porém cria um problema, pois só vai aumentando cada vez mais a lista de histórias que quero contar e sei que não dou conta. A lista só cresce.
Para descontração e lazer, tenho lido biografias de mulheres e literatura africana. Busco fugir da produção estadunidense e europeia me permitindo conhecer autoras e autores de países periféricos por acreditar que temos muito a aprender com a literatura produzida nestes países.
E para não dizer que não falei dos clássicos, acabo de ler O pequeno príncipe. Essa era uma dívida que eu tinha e agora está paga. Tem outros na fila de espera.
Uma pergunta que não fizemos e que gostaria de responder.
Tenho o sonho de levar os livros da série para as escolas do ensino fundamental. Tenho o projeto de desenvolver ações junto às escolas e às professoras e professores para fazer a leitura comentada, bem como, atividades baseadas nas histórias contadas nestes livros, porém, devido à pandemia não foi possível colocá-lo em prática. Espero que consigamos sair desse caos que nos encontramos para aplicar o projeto e ver as reações das crianças ao conhecer essas histórias. A pesquisadora que me tornei não me abandona. Estou sempre alerta, analisando, estudando, pesquisando.
Site da editora: https://www.editorainverso.com.br
CIDA SIMKA
É licenciada em Letras pelas Faculdades Integradas de Ribeirão Pires (FIRP). Autora, dentre outros, dos livros O enigma da velha casa (Editora Uirapuru, 2016), Prática de escrita: atividades para pensar e escrever (Wak Editora, 2019), O enigma da biblioteca (Editora Verlidelas, 2020) e Horror na biblioteca (Editora Verlidelas, 2021). Organizadora dos livros Uma noite no castelo (Editora Selo Jovem, 2019), Contos para um mundo melhor (Editora Xeque-Matte, 2019), Aquela casa (Editora Verlidelas, 2020), Um fantasma ronda o campus (Editora Verlidelas, 2020) e O medo que nos envolve (Editora Verlidelas, 2021). Colunista da revista Conexão Literatura.
SÉRGIO SIMKA
É professor universitário desde 1999. Autor de mais de seis dezenas de livros publicados nas áreas de gramática, literatura, produção textual, literatura infantil e infantojuvenil. Idealizou, com Cida Simka, a série Mistério, publicada pela editora Uirapuru. Colunista da revista Conexão Literatura. Seu mais recente trabalho acadêmico se intitula Pedagogia do encantamento: por um ensino eficaz de escrita (Editora Mercado de Letras, 2020) e seu mais novo livro infantojuvenil se denomina Horror na biblioteca (Editora Verlidelas, 2021).
Obrigada pela oportunidade de apresentar a mim e a minha produção. Grata pelo carinho.
ResponderExcluir