Léo Bueno e Érika Suzuki - Foto divulgação
Fale-nos sobre você.
Nasci em San Juan (Porto Rico) em 1973 – meus pais resolveram se exilar na época mais cruel da ditadura militar aqui no Brasil. Mas sou brasileiro nato. Cresci no ABC, primeiro em São Bernardo, depois em Santo André, onde moro até hoje. Como jornalista já trabalhei para a rádio Jovem Pan de São Paulo e para o Diário do Grande ABC. Depois, tornei-me assessor do prefeito Celso Daniel e, mais tarde, de outras prefeituras. Sou um fã apaixonado de cinema, do tipo que vê desde os filmes produzidos nos primórdios do cinematógrafo até os mais atuais. Na música, gosto MPB, de samba, de tango e de música clássica, mas sou principalmente roqueiro. E na literatura amo os clássicos, desde os gregos até os modernistas. Leio muito Cortázar, Borges, Alan Poe, Camus, Bolaño, Dostoiévski e Tolstoi, García Márquez e Karel Capek, Ferenc Molnar e Lisle-Adam, além, claro, de Machado, Guimarães, Graciliano, Drummond e Bandeira.
ENTREVISTA:
Fale-nos sobre o livro "Contos da quarentena". O que o levou a organizá-lo?
Eu tinha escrito um livro de contos, ‘Gotas de Mim pelo Chão’, no começo da década passada. Nunca consegui publicá-lo até que, em 2019, meu amigo, o jornalista Sérgio Alli, me falou de sua editora, a Planeta Redonda, que facilita a publicação de autores independentes. Então submeti aquele livro e um de poemas, ‘As Canções do Asfalto sem Fim’, e publiquei-os. Mas só deu tempo de lançar o de poemas. Quando chegou a hora de lançar o de contos a pandemia estava aqui e eu senti que ele estava fora de momento. Assim, como muitos, recolhi-me angustiado. Não queria lançar um volume de contos quando todas as pessoas estavam tão impotentes; parecia oportunismo. Aí é que tivemos, em grupo, a ideia: e se fizéssemos um livro com contos sobre a quarentena? Um livro que as pessoas lessem, mas que também escrevessem, exercitando sua verve, exorcizando suas angústias durante a pandemia? Assim surgiu a ideia, e outros 20 autores participam. É um esforço coletivo. Para mim foi importante porque debelou a angústia de não lançar o ‘Gotas de Mim pelo Chão’; este, acho que o momento dele está de volta. Será lançado em breve.
Como se deu o processo de organizar os convites aos autores etc.?
Bom, o primeiro e o mais importante é que eu conheço fisicamente apenas três das pessoas que participam do livro, mas todos já estávamos reunidos em torno de uma rede social, o Facebook. Mesmo considerando as críticas – procedentes – às redes sociais, a verdade é que não nos teríamos reunido se não fosse ela. Então abrimos espaço para todos os que quisessem escrever, assegurando que virtuais imperfeições poderiam ser minimizadas por meio de um processo de edição. O importante era a ideia ser de fato corporificada em texto. Isso abriu espaço para as pessoas publicarem, mesmo tendo dúvidas sobre se eram capazes; na verdade, dos 21 autores, 17 nunca tinham publicado nada – e o interessante é que todas fizeram bons contos! Não é o único livro com esse tema. Outros autores se reuniram para falar da pandemia e da quarentena. Mas talvez seja o primeiro que tenha conseguido reunir ex-não-autores – “ex”, porque agora todos os signatários dos ‘Contos da Quarentena’ são autores. E mostrou que, se muita gente tem a capacidade e a criatividade para escrever, então eles podem escrever e podem ser autores. Isso é o que a internet nos revelou. Se você refletir, verá que quase todos os artistas que ganharam renome merecido surgiram na internet, ou seja, fora do sistema comercial no qual o agente ou o empresário controlavam quem vai ou quem não vai ganhar as luzes. Esse sistema continua sob o controle dos distribuidores, mas foi bem mais democratizado, embora infelizmente o hábito de leitura brasileiro ainda seja muito baixo e o mercado editorial em geral esteja em crise.
Foi fácil conseguir publicá-lo?
Publicar um livro hoje é o de menos. A gente precisa de alguém que edite – por melhor que você escreva, sempre deixa erros pelo caminho, alguns deles em consequência das nossas próprias idiossincrasias, portanto um editor é fundamental. Mas o grande nó é a distribuição, é conseguir unir o escritor ao seu leitor em potencial. Há muitos leitores potenciais, mas não existe uma iniciativa para juntá-los ao redor dos temas que eles apreciam em comum – com algumas exceções: por exemplo, o mercado de livros escritos por influenciadores e empreendedores continua aquecido.
Há também essa dúvida sobre o futuro do livro de papel. Se a não ficção vai continuar sendo necessária, entendemos que a ficção e a poesia também vão, pois elas coexistem, ainda que não tenham sempre o mesmo peso. A questão é “como” elas vão coabitar o mundo da leitura. E, nesse quesito, o autor ainda é muito menor do que a instituição e tem dificuldades de chegar ao seu leitor, a não ser que gaste em propaganda muito mais dinheiro do que poderá receber por meio da venda de livros, físicos ou virtuais. Do ponto de vista mercadológico, essa precisa ser ajustada urgentemente.
Quanto à publicação em si, a Terra Redonda está dentro deste novo padrão editorial. No nosso caso, nós tínhamos decidido não gastar nenhum centavo do próprio bolso, por isso organizamos um financiamento coletivo que conseguiu levantar mais de R$ 4 mil para publicar. É um valor baixo, considerando que somos 21 autores e que todos deveriam receber uma quota de volumes. O valor pagou a concepção de capa, a diagramação, o registro ISBN e a gráfica; a editora fatura com a venda de metade dos livros, que são reservados a ela. Assim foi possível garantir que o nosso trabalho desse resultado sem necessidade de investimento.
Hoje em dia há mecanismos muito interessantes que essas novas editoras disponibilizam. Por exemplo: é possível vender um livro em Berlim, na Alemanha. Você negocia com o comprador que mora lá, ele paga, você manda um aviso para a editora, que manda um aviso para uma gráfica rápida em Berlim; ela imprime o livro e o envia, em versão física, para o comprador. E, por não lidar com a ideia de acúmulo de capital, de grandes quantidades para gerar grandes lucros, esses novos editores podem se dedicar mais ao aspecto técnico ou artístico das obras e menos ao mercantil. É claro que todos – nós, escritores, e eles, editores – não vivemos disso. A literatura e o mercado editorial são uma atividade de paixão. Mas essa é a realidade brasileira há muitas décadas. Desde José Lins do Rego, Érico Veríssimo e Jorge Amado que ninguém enriquece no Brasil como escritor. Hoje em dia pouquíssimas pessoas, como o Luis Fernando Verissimo e o André Vianco, conseguem viver exclusivamente da venda dos livros. Alguns ainda dedicam todo o seu tempo à escrita e produzem arte com ela. São ótimos escritores contemporâneos, como Ricardo Lisias e Bernardo Carvalho. Mas geralmente eles têm uma vida monástica.
Outra pergunta que não fizemos e que gostaria de responder.
Como é normal em coletâneas, essa se destaca por ser eclética. Há romantismo, há humor, tem contos de terror e de ficção científica, tem uma epopeia familiar e uma no estilo ‘Novo Jornalismo’ – ou seja, a autora fez um levantamento minucioso de histórias reais para compor o seu conto.
Outra informação importante: muitos dos autores são jornalistas, grande parte é da área de humanas, mas há até um especialista em robótica entre nós. Isso significa que qualquer pessoa com boas ideias e paciência pode ser uma boa escritora. Mas antes, claro, cabe lembrar que todos somos tributários de uma grande instituição denominada ‘Língua Portuguesa’. Ela é nosso instrumento e sem ela não haveria livros no Brasil. Portanto, quem quer ser um bom escritor tem todas as possibilidades para isso, mas não deve se esquecer de dominar o nosso vernáculo inculto e belo da melhor maneira possível. Estudar é preciso!
Link para o livro:
https://www.terraredondaeditora.com.br/product-page/contos-da-quarentena-21-autores
CIDA SIMKA
É licenciada em Letras pelas Faculdades Integradas de Ribeirão Pires (FIRP). Autora, dentre outros, dos livros O enigma da velha casa (Editora Uirapuru, 2016), Prática de escrita: atividades para pensar e escrever (Wak Editora, 2019), O enigma da biblioteca (Editora Verlidelas, 2020) e Horror na biblioteca (Editora Verlidelas, 2021). Organizadora dos livros Uma noite no castelo (Editora Selo Jovem, 2019), Contos para um mundo melhor (Editora Xeque-Matte, 2019), Aquela casa (Editora Verlidelas, 2020) e Um fantasma ronda o campus (Editora Verlidelas, 2020). Colunista da revista Conexão Literatura.
SÉRGIO SIMKA
É professor universitário desde 1999. Autor de mais de seis dezenas de livros publicados nas áreas de gramática, literatura, produção textual, literatura infantil e infantojuvenil. Idealizou, com Cida Simka, a série Mistério, publicada pela editora Uirapuru. Colunista da revista Conexão Literatura. Seu mais recente trabalho acadêmico se intitula Pedagogia do encantamento: por um ensino eficaz de escrita (Editora Mercado de Letras, 2020) e seu mais novo livro infantojuvenil se denomina Horror na biblioteca (Editora Verlidelas, 2021).
Parabéns Elisângela Ozório.
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