No início da década de 1980 a Marvel criou um
selo de quadrinhos em que os direitos dos personagens ficavam com seus autores.
Foi a senha para o mestre das sagas espaciais, Jim Starlim, criar uma das
melhores séries de ficção científica de todos os tempos: Dreadstar.
Dreadstar é uma mistura de elementos: é uma
space opera, no estilo Star Wars, é uma distopia, estilo 1984, e super-heróisno
estilo de trabalhos anteriores do próprio Starlin, como Warlock e Capitão
Marvel.
Na trama, a galáxia é dividida entre duas
grandes potências em guerra: a Monarquia, governada por um rei fantoche, e a
Instrumentalidade, uma organização religiosa governada pelo Lord Papal. É uma crítica
severa ao fanatismo religioso e ao pensamento único. Em territórios conquistados,
a Instrumentalidade realiza uma santa inquisição: empatas identificam quem
poderia tem pensamento contrário à igreja e esses são executados, aos milhões –
uma das cenas mais chocantes dos quadrinhos mostra o Lorde Papal visitando uma
dessas inquisições e os soldados acumulando uma montanha de crânios.
A guerra parece eterna até que surge Vanth
Dreadstar, um herói, vindo de uma galáxia destruída, que, após ver o planeta
que o abrigou ser dizimado, resolve acabar com a guerra. Unem-se a ele Oedi, um
homem-gato, Willow, uma telepata cega que enxerga através dos olhos de um
macaco e é capaz de controlar máquinas e emitir rajadas mentais, Syzygy
Darklock, um místico misterioso e o mercenário Skeevo.
De todos os personagens secundários, Willow é a
mais interessante. O capítulo dedicado a contar a sua história ecoa diretamente
a influência de 1984, de George Orwell. No mercado a mãe da personagem resmungara
uma reclamação sobre o preço dos alimentos. Como resultado, foi presa pelos
guardas da instrumentalidade e desaparece. A menina passa a ser criada pelo
pai, que, cada vez mais enlouquecido pela perda da esposa, chega a abusar da filha
antes de ser enviado para a guerra. Willow vai, então, para um orfanato e chega
se tornar prostituta antes de ser encontrada por Dreadstar.
Starlim transformou essa ficção científica com
pegada de super-herói em uma saga impressionante repleta de ação em meios às
críticas sociais. Destaque para o capítulo em que, para pegar Dreadstar, Lorde
Papal ordena o bombardeio de bombas nucleares numa cidade com milhões de
habitantes. Era apenas o terceiro volume, mas já mostrava até essa série
poderia chegar.
Esse material foi publicado no Brasil inicialmente na revista Epic, da editora Abril. Posteriormente a editora Globo lançou um gibi com o título, publicando toda a fase da Marvel a partir do ponto em que a Abril havia deixado. Em 2014 a Mythos lançou um encadernado em capa dura com o personagem. Deveria ser o volume 1, mas o segundo volume até hoje não foi publicado. No entanto, vale muito a pena. A narrativa de Starlim é do tipo que não deixa desgrudar os olhos do gibi e, a publicação no formato original permite perceber que ele não só era um grande roteirista, mas também um ótimo desenhista, algo que não tinha destaque no formatinho.
Em tempo: eu li essa série na Epic e gostei,
mas foi um amigo que me chamou atenção para a profundidade filosófica e
sociológica de Dreadstar. Infelizmente hoje essa mesma pessoa diz que Jim
Starlim é comunista e Dreadstar é marxismo cultural feito para acabar com a
religiosidade e promover o comunismo. Uma pena. Parece que algumas pessoas
foram cooptadas pela Instrumentalidade.
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