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quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

Hibridizando polaridades no romance Tocaia do Norte, de Sandra Godinho


Por Alexandra Vieira de Almeida 

O livro Tocaia do Norte (Penalux, 2020), de Sandra Godinho, foi vencedor do Prêmio Manaus de Literatura, como melhor romance do ano de 2020, na categoria Nacional. A obra é dividida em três partes: O Seminarista, O Relato e O Caminho, com um prólogo. Há uma nota da autora, onde ela explica quanto às fontes utilizadas para o seu processo de reconstrução literária com relação a um fato verídico, a expedição do padre Giovanni Calleri. Tocaia do Norte é ainda enriquecido por um belo prefácio de Marcelo Adifa, jornalista e escritor, onde ele disseca o jogo de interesses militares na época da ditadura, e as orelhas de Mário Baggio, poeta e escritor, que soube explorar o componente epifânico na obra de Godinho. A obra é extensa, com 318 páginas, dividida em 69 subcapítulos dispostos ao longo das três seções. A epígrafe utilizada por Sandra, de Altino Berthier Brasil, já nos revela a tristeza, o gemido e a melancolia dos índios, que apesar de serem fortes, mostram toda a fragilidade frente à desumanidade dos seres. 

Logo no prólogo, somos levados por uma narrativa em primeira pessoa de voz masculina, iniciando as palavras com letras maiúsculas, para enfatizar a grandiosidade do relato. Temos a junção entre o poético e o mais ordinário. Há uma meticulosidade e delicadeza do silêncio da região com a corporeidade de modo mais popular, se valendo de expressões típicas daquela região específica da Amazônia, como “empachada”, que significa “cheia”. O narrador descreve um local, onde se apresenta a pobreza do lugar, com um “rio escuro”, em que a precariedade dá o tom maior. Há o embate no narrador, entre a via religiosa (os pais o queriam padre) e a vida mundana (seu desejo não era esse). Usando uma partícula de adversidade, o narrador contradiz o que a maioria, o senso comum pensa: “Era muito novo para ter arrependimento, mas tinha”. Há todo um retrato medonho do mundo animal com sua violência. Na natureza não há só harmonia e beleza, mas a crueldade, como no mundo humano, como veremos ao longo do enredo.

Godinho descreve com detalhes os animais regionais, inserindo-se na sua realidade circundante e dando verossimilhança à história.  No prólogo, o narrador não começa a história desde seu início, nos leva a um clímax, o que acontecerá no desfecho da obra, com a fuga do rapaz pela “picada”, seminarista de apenas dezessete anos, que deveria cumprir a promessa dos pais em ser santo, pois ele se salva da morte com o fervor religioso de seu pai e mãe. Godinho nos dá um retrato aterrorizante do perigo do narrador João de Deus na mata, que traz ao mesmo tempo a maciez do céu a acolhê-lo. A descrição da natureza pela escritora amazonense, nos faz lembrar de Guimarães Rosa, que nos mostrou uma natureza ambígua, onde o bem e o mal se equacionam. Depois, há um relato hiperbólico na comilança do padre italiano Chiarelli, com a fartura de comida, para adentrarmos nas hipóteses na mente do seminarista sobre as ações do padre. Quando a mente está em seu trabalho de deduções, há um ato inesperado. Há uma tensão na narrativa, fazendo o leitor pensar sobre o que seria aquilo, quem disparou aquele instrumento de guerra, logo no prólogo do livro. Ficamos sabendo de antemão que houve um ataque ligeiro, mas ainda não sabemos o motivo, dando um movimento de expectativa no leitor. Assim, o narrador não apresenta logo de cara o motor dos acontecimentos. Dá um tom ainda não definido, o que vamos descobrir depois no transcorrer da história. Encontramos uma imagem cru e seca da fuga, refletindo sobre seu próprio eu, pois considera-se inapto para as coisas do mundo. Há todo um conflito entre o pensamento e o corpo, dando dramaticidade à trama. O seminarista se caracteriza como frágil em contraponto ao padre Chiarelli, que revela virilidade e força. Temos um relato do abjeto, do sujo e do nojo, com o “mijo” e a “merda” do seminarista, onde se vê os opostos num mesmo ato. Portanto, o prólogo é um elemento crucial para se entender todo o enredo, pois não conta ou explica o resumo ou o início de tudo, mas o clímax dos acontecimentos, o que ocorre depois, retroagindo na primeira parte, o tempo, onde a memória serve como resgate dos momentos mais aterrorizantes na vida daqueles seres para que não caiam no esquecimento.

Em cada subcapítulo da primeira parte, Sandra Godinho coloca um poema antes de iniciar a narrativa, unindo os gêneros da prosa e da poesia. Essa introdução serve como criadora do clima que o leitor se enveredará por uma floresta de símbolos. Na parte I, Godinho faz o percurso da vida de João de Deus num Seminário. Lá, há todo um ritual rígido de regras de vivência e respeito. Utiliza recursos estilísticos na enumeração de regras que deveriam ser seguidas à risca, com a partícula “ou” nessa sequência de atos sistematizados. A caracterização do narrador para aquela vida na igreja se dá pela via negativa, mesclando o puro e o impuro, a santidade e profanação. Em meio à seriedade de suas reflexões, nos deparamos com o tom jocoso. Há frases entre parênteses, quebrando certos galhos textuais, e nos revelando o pensamento de João de Deus. O menino desde pequeno no seminário nos apresenta o jogo contraditório, entre o interdito (o que se considera sagrado) e a transgressão (o que subverte a ordem a partir das travessuras). A repetição da palavra “rotina” nos atos que ele pratica lá dá ênfase ao enfadonho. E no meio disso tudo, a veste é algo transformador. Há a descrição da batina e seu aspecto de pureza, cobrindo com o hábito a corrupção do corpo (espiritual). A linguagem de Sandra Godinho é realista, mas cheia de símbolos e metáforas que envolvem o leitor. Cita o nome do Seminário, São José, localizado temporal e espacialmente no centro da cidade de Manaus. 

O narrador, já com 17 anos, vai para a casa dos pais, indo para a nova moradia deles em Raiz. Godinho faz aqui um jogo linguístico fascinante com o nome da nova rua dos pais de João de Deus: “raiz, tudo que não queria ter”. Assim, há o conflito entre liberdade e prisão, não só na vida monástica, como na casa de seus progenitores. E os governantes do local seguiam a cartilha dos militares, varrendo da região os locais flutuantes. Godinho coloca o ano de saída de João de Deus do Seminário para a sua casa, em 1968. Mas, estrategicamente, a escritora não coloca em forma de numeral. Por meio das palavras “Mil novecentos e sessenta e oito”, põe ênfase na datação fatídica se prolongando no tempo e na narrativa. No trânsito, na passagem no ônibus, o narrador faz uma verdadeira viagem na mente, revelando suas memórias. Mas, há uma parada, uma interrupção, pois o ônibus, com estrutura precária de madeira, não vai muito longe, tendo João de Deus, que seguir sua “via-crúcis”, o restante a pé. Nessa dificuldade inicial, que serve como preâmbulo para seus obstáculos em todo o enredo, temos a lama, a terra, o cascalho, o mato. E ele caminha, paradoxalmente, com uma bagagem pouca, leve, em meio à proliferação de imagens do lugar. Além disso, Godinho realiza comparações originais, entre o orgânico e inorgânico. Há também uma tensão entre diálogo e silêncio, perfazendo a mescla de elementos que são contraditórios. O narrador tem olhos de águia, narrando e descrevendo tudo com minúcias, prescrutando o interior e exterior das personagens. Assim, para além de um romance histórico, ressignificado, literariamente, pelo seu teor ficcional, encontramos um livro de alto teor psicológico, se adensando no viés existencial dos caracteres expostos pela lente lúcida de João de Deus no tempo presente, já amadurecido, 17 anos depois, já com 34 anos. E o narrador revela que a mãe não reconhecia por trás dos gestos, os atos e palavras implícitos, que o seminarista enxerga plenamente. Os leitores se inserem nas visões conflitantes da mãe e de João de Deus, com relação aos seus amigos de infância, que para ela, perderam a inocência. Mas que para ela, ganharam experiência. Um dos amigos, Vivaldo, ele reencontra já mais velho com o amor da juventude de João de Deus, Lívia, que o desconcerta, ao vê-la agora mais com seu amigo. Com seus vícios, vivendo num local precário, o narrador o considera um verdadeiro homem, diferente da sua imagem de purificação e santidade. A frieza de Vivaldo o decepciona. 

Na ida à igreja do padre Charles (onde ele foi coroinha), temos o momento chave da história. É lá, que ele é apresentado ao padre Chiarelli. Ele trabalhou com os indígenas em missões importantes. E João de Deus logo se identifica com o jeito nada convencional do padre italiano. Já logo no primeiro contato, a impressão de espontaneidade de Chiarelli, utilizando um vocabulário em que temos expressões como “cáspira” e palavras pouco mais nobres, atrai o narrador, se identificando com ele. Ele vê vitalidade em Chiarelli, diferente do espaço frio e soturno de um Seminário. Temos expressões em italiano do padre em meio aos diálogos em português. Chiarelli o surpreende, com sua comilança e interesse por cervejas. Somos introduzidos na culinária típica do local, com riqueza de detalhes, exposta por Godinho. O padre é a metáfora mesmo do excesso, do exagero, em contraponto com a imagem da igreja rígida. Mas há algo que se afasta desse excesso corpóreo e sensorial, pois o padre tem um ideal, o que o seminarista João de Deus irá perseguir. Ou seja, o choque entre a carne e o espírito, pois o padre tinha íntima e intensa fé em Jesus. A igreja, assim como o campo político, seriam a figuração da hierarquia, o que o padre tenta ultrapassar. Chiarelli é transferido da Itália por seu comportamento impróprio e subversivo, vindo para o Brasil e começando sua missão de evangelizar os povos indígenas, iniciando por Roraima. Há todo um vislumbre na narração, com imagens belas e literárias em tom bíblico para falar sobre o padre Chiarelli. O padre italiano quer evangelizar os índios, mas sem aculturá-los. Existe todo um processo de aprendizagem entre o padre e o seminarista ao longo do romance, mesclando o sonho e o real, o ideal e a realidade crua e estúpida que se descortinará e apagará a chama da utopia. Um romance distópico, em certo sentido. 

E no transcurso na narrativa, temos os interesses dos militares durante a época da ditadura, que juntamente com o engenheiro Altamiro, seria a construção de uma estrada, a BR-174, nas terras indígenas dos Waimiri-Atroiaris. O coronel Carimbó, principal opositor de Chiarelli, com quem ele tem rusgas e brigas ferrenhas, estava a frente da missão de construção dessa estrada. No meio disso tudo, há o choque da evangelização dos católicos com relação à missão dos americanos protestantes, que queriam afastar os índios para a construção da rodovia. Assim, há o embate também entre católicos e evangélicos. E o seminarista, com frases repetidas, enfatizando o medo e a confusão entre seguir ou não o padre, em tê-lo como mentor, revela uma carga de tensão psicológica formidável. Godinho aproveita a sonoridade das palavras, fazendo jogos estilísticos perfeitos, onde “rodou” (confusão em círculos na cabeça de João de Deus) e “rodovia” se interpõem. Chiarelli era um homem de extremos, entre o choro e o riso, mudando de humor constantemente no transcorrer da história. Com interesses em choque, Chiarelli parte em missão para afastar os indígenas da região, pacificamente, para a construção posterior da rodovia. E João de Deus dá um novo rumo a sua vida, seguindo o padre e os expedicionários nessa missão. O romance é híbrido, mesclando o sociopolítico ao existencial e psicológico, o interno e o externo, o real e ficcional, o histórico-documental e o literário. Um verdadeiro amálgama, onde os extremos e os conflitos se adensam numa simbiose perfeita. Com tudo isso, ainda temos o papel da Funai, naquela época, e os interesses da mídia nessa expedição, cheia de tensões e conflitos de posicionamentos. Os métodos de Chiarelli se chocam com os dos políticos e ele tem de seguir a cartilha e a hierarquia. Ele não queria que sua expedição parecesse uma invasão. E, assim, ele acaba tendo que avançar pelo Abonari, a seu contragosto. O padre obedece a ordem dos superiores. A zona seria de guerra e não neutra. O seminarista se vê, se olha por dentro, num processo de autorreflexão e autoconhecimento: “Era uma sombra, pequena e desconhecedora do mundo”. O bíblico, o literário e o social se conjugam num abraço múltiplo e diversificado. 

E, ao longo do romance, Godinho vai introduzindo novas personagens, trazendo complexidade e variedade ao enredo. Temos, por exemplo, a Irmã Helena, que era a madre superiora do Jardim da Infância e internato Adalberto Valle, que nutre um amor pelo padre Chiarelli. Todo o local em que ela atuava é descrito com ordem e zelo pelo narrador. Há significados ocultos nos gestos, ações e palavras das personagens que o narrador não consegue captar naquele passado, onde ainda era uma planta tenra, mostrando que não era onisciente. Tanto que a narrativa é em primeira pessoa, seguindo sua versão pessoal dos fatos. Alguns deles, que só outras pessoas poderiam saber, ele explica na segunda parte que teve depoimentos de outras tribos e pessoas, para dar verossimilhança a sua história ficcionalizada, mas que aponta para uma experiência vivida, recolhida por si e pelos outros, na sua perspectiva amadurecida na sua época atual, que retroage no tempo, para o resgate de memórias que não podem ser dissolvidas, mas solidificadas pela escrita e pela construção de um romance. O aprendizado é progressivo, gradativo. Há coisas que ele sabe, percebe e não sabe. Há uma contradição em sua narrativa, entre o tom lírico e delicado com a crueldade atroz de certas cenas a provocarem o pavor no leitor. A narrativa dá a ideia de fluxo contínuo, como o rio que irão percorrer, zona neutra, mas que serve como metáfora para o prolongamento da história. Assim, a sua linguagem oscila entre o realismo cru com palavrões e expressões rascantes com a beleza do lirismo e metáforas. 

Dando continuidade à narrativa, somos introduzidos na personagem Paulo Dias, um mateiro, que se opõe à visão de Chiarelli (que quer os direitos dos índios). Paulo os vê como selvagens e sem cultura, querendo explorá-los. Há diferentes temperamentos em jogo neste caldeirão imaginário e reflexivo. Pela primeira vez, João de Deus viajará num avião no subcapítulo 20, em que presentes serão lançados para os índios, como moeda de troca e pacificação, como se eles estivessem à venda. Mas o discurso de Paulo Dias é preconceituoso. E esse personagem conta para o narrador seu passado, relatando suas memórias. Dessa forma, vemos histórias paralelas dentro da história principal, fazendo o narrador oscilar entre a crença e a descrença, achando que poderiam ser fatos reais ou inventados, brincando com os espaços tênues entre o real e o imaginário. E no meio desse terreno inóspito, com escassez, os expedicionários vão desbravando. Há também, em oposição a isso, o mistério e o lirismo na área dos Abonari. Um verdadeiro cântico à natureza. No curso do romance, temos as duas vias de percepção sobre os indígenas, a via positiva, que acolhe, de Chiarelli, e a via negativa, do opressor, o mateiro Paulo Dias, que mostra a superioridade do homem civilizado. No final da primeira parte, temos a mistura de gêneros literários e estilos diversos, como uma mensagem e recado em tom informativo sobre as ações do local para serem transmitidas pela rádio para a sede, os jogos de adivinhação, a partir dos gestos dos indígenas, tentando compreender o outro, nas suas línguas variadas. Mas Sandra Godinho apresenta uma história sem maniqueísmos, revelando que o bem e o mal existem em ambos os lados, pois Paulo Dias percebe a vaidade de Chiarelli nessa missão, em ser reconhecido publicamente pela mídia.

Na segunda parte do romance, não há poemas iniciando cada subcapítulo, retornando a usar esse recurso na terceira parte, mesclando, assim, os tons e formas de como narrar. Na Parte II, “O Relato”, encontramos o processo de escrita no narrador João de Deus, a elucidação de seu lastro inventivo. E um dos motivos, “o ideal”, que o padre Chiarelli lhe dá, é central na trama. Tudo se deveu a sua maturidade, onde ele se enxerga pelo verso e pelo reverso de si, vasculhando todos os seus meandros e se desnudando para os leitores. É a busca por sua própria identidade, sua individualidade que ele se refere, criticamente: “Resolvi relatar tudo o que se passou no Abonari com a ajuda da Irmã Helena e do padre Sartori, que saiu atrás dos testemunhos de índios (que lançaram luz a esse túnel assombrado que só clareou muito tempo depois”. 

E é nessa parte na narrativa, que deixo aos leitores descortinarem, que se revelam os interesses reais nas terras indígenas dos Waimiris-Atroiaris. E a hierarquia tem um papel importante na trama, mostrando como as sociedades se comportam. Há todo um processo de distinção e individuação das personagens, ressaltando cada um em seu comportamento próprio. Mas, além disso, temos os atos de fingir dos caracteres, unindo essência e aparência, o ser e a máscara. No capítulo 37 repete o mesmo texto do prólogo com uma ligeira diferença. Não coloca o último parágrafo. Isso demonstra uma circularidade, uma ideia de dèjá-vu do eterno retorno nietzschiano, que já podemos perceber em outros livros da autora. Além do recado, aqui, nessa seção, vemos o gênero epistolar a partir de uma carta de Chiarelli à Irmã Helena, assim como na Parte III, onde teremos outra carta comovente e bela. Têm-se aqui, também, a reprodução de uma fala de um repórter da Rádio, mesclando o literário e o informativo-jornalístico. Ao mesmo tempo, nessa parte, nos deparamos com cenas violentas e chocantes com sangue e tripas e outras de intensa delicadeza e poeticidade, revelando-nos uma linguagem de extremos. Há a busca da FAB pelas informações e versões e mentiras sobre os fatos. Há contradições nas notícias de jornais, aqui, introduzindo o leitor numa outra espécie de narrativa, a da investigação. Temos o Serviço Secreto do Exército da região, com interrogatórios. Dessa forma, temos uma via de mão dupla, o que os leitores sabem e o que as personagens não sabem, num jogo textual e inventivo brilhante. Finalizando essa parte, nos deparamos com os interesses dos militares, a “Aliança para o progresso”.

Na parte III, “O caminho”, encontramos a seção mais curta e experimental de Sandra Godinho. No subcapítulo 61, há um trecho da tradição indígena, escrita na língua nativa e sua versão em língua portuguesa, num plurilinguismo da escritora. Há nesse subcapítulo várias letras “X” em sequência de seis linhas e depois a palavra “Merda” três vezes com exclamações, colocando o visual, a imagem e o popular em ação. Uma escrita de vanguarda e experimentalismo. Depois segue em outra parte um parágrafo inteiro quase em pontuação num caminhar vertiginoso, utilizando a partícula “e”, substituindo a vírgula num alongamento do choque entre palavras. No final do texto, há uma sequência de palavras com vírgula, alternando o longo e o ligeiro, o alongamento e agilidade das palavras. E, no final, algo assustador e apavorante, de uma crueldade sem limites, o massacre desumano dos militares, que cometem uma “chacina”, revelando sua cartilha demoníaca, subvertendo uma suposta ordem e inteireza. Mas, unido a este tom de perversidade, ainda temos um lastro de esperança na figura de um sobrevivente, o narrador João de Deus, que terá um desfecho inusitado na trama. 

Portanto, o novo romance de Sandra Godinho, aplaudido e premiado, é uma verdadeira peça literária, onde se conjugam os pares opostos, revelando grande conhecimento da língua, dos recursos estilísticos, dos estilos e gêneros literários, do contexto e história da sociedade e da realidade. Hibridizando polaridades, temos a sutileza do silêncio poético com a dureza e petrificação de cenas sangrentas e viscerais. Um livro que realmente está dando o que falar e que será um tesouro para futuras gerações.

Disponível em:

https://www.editorapenalux.com.br/loja/tocaia-do-norte

E-mail: vendas@editorapenalux.com.br

A resenhista

Alexandra Vieira de Almeida é Doutora em Literatura Comparada pela UERJ. Também é poeta, contista, cronista, crítica literária e ensaísta. Publicou os primeiros livros de poemas em 2011, pela editora Multifoco: “40 poemas” e “Painel”. “Oferta” é seu terceiro livro de poemas, pela editora Scortecci. Ganhou alguns prêmios literários. Publica suas poesias em revistas, jornais e alternativos por todo o Brasil. Em 2016 publicou o livro “Dormindo no Verbo”, pela Editora Penalux. 

Contato: alealmeida76@gmail.com

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