João Barone, autor e membro da banda Os Paralamas do Sucesso, é destaque da nova edição da Revista Conexão Literatura – Setembro/nº 111

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segunda-feira, 30 de novembro de 2020

Entrevista com Fábio Mariano, autor do livro "Ruído Branco" (Editoras Patuá e Ofícios Terrestres)


Nasci em São Paulo, capital, mas vivo em Campinas, a 100km da capital, desde o primeiro ano de vida. Estudei aqui, na Unicamp – graduação e mestrado na área da literatura, e agora uma especialização em Relações Internacionais – e sou professor do Ensino Médio na rede particular de Campinas. Antes do Ruído Branco, já havia lançado dois livros, ambos pela editora Patuá: O Gelo dos Destróieres, em 2018, um livro de contos; e Habsburgo, em 2019, uma novela.

ENTREVISTA:

Conexão Literatura: Poderia contar para os nossos leitores como foi o seu início no meio literário?

Fábio Mariano: Se a gente for olhar o início, início mesmo, vamos lá para o Ensino fundamental, quando um poema meu foi publicado numa antologia feita pela escola. Mas no meio literário mesmo, para valer, acho que vale citar que O Gelo dos Destróieres foi, numa primeira versão, enviado para o prêmio SESC de 2012. Eu tinha 23 anos. Não saí nem finalista, e fiquei super chateado, mas continuei escrevendo mais e mais contos, deixando o livro parado. Até que o Gabriel Morais Medeiros, que é mais que um amigo, um irmão, publicou pela Patuá e foi me mostrando a editora. Ele me dizia que eu deveria mostrar O Gelo ao editor, o Eduardo Lacerda. Aí eu trabalhei um pouco mais no rascunho, e fomos um dia pra São Paulo, eu com o arquivo original em Word impresso e encadernado na primeira gráfica que achamos por ali. Entreguei para o Eduardo, mas ficamos conversando sobre outras coisas, e o papo chegou em videogame. Ele me disse que publicava o livro se eu mudasse o título para Age of Empires, e eu falei “eu topo!”. Rimos, e aí eu fui embora, sem ter certeza de nada. Até que, num outro dia em que fomos à Patuá, o Edu falou que queria me publicar. E eu ganhei um editor e um grande amigo.

Conexão Literatura: Seu novo livro é Ruído Branco. Poderia comentar sobre ele? 

Fabio Mariano: Ruído Branco é um livro de dez contos dividido em três partes: Glaciar, Distância e Permanência. Eu fiz uma tentativa de inscrever o Habsburgo no ProAC de 2018, mas ele acabou não passando. Em 2019, tentei com o Ruído e deu certo, o que me deu mais estrutura para fazer o livro: estamos com uma divulgação por Instagram linda – é só acompanhar no @ofabiomariano – e fizemos uma tiragem grande, e projetos de contrapartida muito legais. Os contos se passam todos no meu universo ficcional – a cidade de Cartago, que abriga também os outros dois livros. Mas esses contos são todos permeados por duas forças, que eu chamo de vetores, que agem sobre os personagens: a ameaça e a ausência. É isso o que unifica os contos, e são formas diferentes de compreender essas forças que determinam a divisão em três partes. Em Território, por exemplo, o primeiro conto do livro: existe uma ex namorada ausente, e existe um clima de ameaça constante construído pela tensão entre os dois protagonistas de um lado, Germano e Toro, e o motorista e o cobrador do ônibus do outro. A briga vai acontecer a qualquer momento, mas o que isso tem a ver com a ausência da ex namorada, aí eu não posso entregar.

Conexão Literatura: Como foram as suas pesquisas e quanto tempo levou para concluir seu livro?

Fábio Mariano: Acredito que o primeiro conto do Ruído Branco veio em 2018 mesmo, quando O Gelo dos Destróieres já estava pronto, e o último foi escrito em Julho de 2019, durante uma viagem para a Argentina. Mas foram sete revisões do livro, que só posso dizer que ficou pronto, pronto mesmo em Julho de 2020. Eu tenho uma visão um pouco peculiar da pesquisa: com os contos, não mexo muito com pesquisa histórica, por exemplo, e mesmo em Habsburgo, a minha novela, existiu uma pesquisa muito literária, sobre as relações entre professor e aluno na literatura e sobre o Império Austro-Húngaro, mas a história não se passa nem nesse Império e nem no tempo em que ele existiu. Então a pesquisa serve mais como uma motivação. O que eu anoto incessantemente são paisagens quando estou nos trajetos de carro e ônibus para os lugares, ou gestos das pessoas, ou inflexões da voz, ou combinações entre cheiro e imagem. Essas coisas viram projetos. Outro dia, por exemplo, antes da pandemia, claro, eu comia um pastel antes de dar aula no cursinho noturno aqui perto de caso, enquanto o rádio tocava uma música sertaneja no último volume em que uma moça gritava incessantemente a frase “eu tou falando é de beijo de alma”.  Não me interessei por saber de quem era a música, mas aquela combinação, esperar o pastel e ouvir aquela música, a antecipação por chegar na aula, a pressa de que o pastel saísse logo, aquilo para mim imediatamente virou o cenário de um conto futuro. E, claro, anotei.

Conexão Literatura: Poderia destacar um trecho que você acha especial em seu novo livro?

Fábio Mariano: Acho que os trechos mais especiais são aqueles que tocam em alguma memória – porque o ficcionista faz isso, ele usa as memórias dele, transformadas, distorcidas, aumentadas, mas ele faz isso. E às vezes esbarra em uma memória involuntária que estava guardada com muito carinho, mas que não era revisitada há muito tempo. E há um trecho no qual eu tentei falar um pouco sobre o papel da memória:

“Descendo do carro, um pequeno tropeço me lembrou de que eu não tinha mais quinze anos. Eu vestia sapatos – e roupas – bem melhores, me sentia melhor com meu corpo, tinha prioridade de embarque nos aeroportos pelo número de viagens que fazia, e fazia tanto tempo que não ouvia a sério o Sinto-me Letal....”

De alguma maneira, eu tentei condensar nesse trecho a sensação de retornar da memória de quando você era muito mais jovem, disparada por alguma coisa, à realidade que se vive agora. Como se esse retorno não fosse direto, mas fosse uma constatação do caminho todo, muito rápida. E eu sempre achei que a coisa mais bonita na nostalgia não era o momento dela, mas a passagem de volta para a realidade, e um pequeno momento de confusão entre as diversas etapas do passado e as diversas pequenas coisas do presente. Foi isso o que eu tentei expressar. 

Conexão Literatura: Qual a dica que você pode dar a um escritor iniciante?

Fábio Mariano: Acho que eu gostaria de das duas dicas bem breves. A primeira, uma que me deram algumas vezes: continue escrevendo. E a segunda é uma que vi uma vez o Paulo Scott dar para alguém pelo facebook, e achei simples e linda: não leve em conta as críticas de quem não gostar do seu trabalho.

Conexão Literatura: Como o leitor interessado deverá proceder para adquirir um exemplar do seu livro e saber um pouco mais sobre você e o seu trabalho literário?

Fábio Mariano: Os dois primeiros livros estão a venda no site da Editora Patuá, é só procurar por Fábio Mariano lá. O terceiro pode ser comprado pelo site da Patuá, pelo da Ofícios Terrestres e também pelo link pag.ae/7W2z-5c7G. Para conhecer mais um pouco do trabalho, os leitores podem seguir o Instagram @ofabiomariano e procurar pelos contos nas revistas online Mallarmargens, Gueto, Literatura&Fechadura e Ruído Manifesto. E quem sabe logo vêm mais publicações online por aí.

Conexão Literatura: Existem novos projetos em pauta?

Fábio Mariano: Foram três livros em três anos, mas três trabalhos que, de uma certa maneira, já estavam alinhados. Há mais contos guardados, mas quero esperar e trabalhar por esses livros, divulgá-los e, se possível, usar o que eles puderem oferecer às pessoas para estimular a literatura – a leitura e a escrita. E quero me dedicar à escrita de um romance – mas isso, com certeza, vai demorar mais algum tempo para acontecer.

Perguntas rápidas:

Um livro: Perifobia, da Lília Guerra.

Um (a) autor (a): Roberto Bolaño.

Um ator ou atriz: Juliette Binoche em A Liberdade é Azul.

Um filme: A Liberdade É Azul, do Kieslowski.

Conexão Literatura: Vivemos um momento difícil para a nossa literatura, com pouca valorização dos livros, escritores, livrarias? Considera um ato de resistência o lançamento do seu livro?

Fábio Mariano: O momento é difícil do ponto de vista institucional – o apoio minguando e um governo que despreza a cultura, a inteligência e os livros e celebra a violência e a barbárie. Mas vejo um movimento muito forte e bonito por parte das editoras independentes, dos escritores, dos agitadores culturais. Vejo pelos meus alunos, há ali adolescentes que estão salivando por literatura, e por uma literatura que os ajude a enfrentar os dilemas do seu tempo, do seu agora; e há editoras oferecendo isso, e grandes escritores. Meu livro é um ato de resistência, e não poderia deixar de ser – mas de resistência a essa combinação de violência e burrice que se apossou do poder no nosso país.

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