Livro transita entre a vigilância humana e suas inevitáveis consequências
Espiar, mais do que nunca, tem sido um verbo muito conjugado nestes tempos atuais. Para além do sentido sexual, é como se vivêssemos numa sociedade voyeur. Prova disso é o BBB, reality show que continua gerando grande audiência mesmo tendo chegado a muitas edições, anos a fio. Nossa necessidade de observar, avaliar e vigiar é matéria de pesquisa em vários campos de estudo. E isso também se reflete na literatura, visto que os escritores são tidos como as antenas do seu tempo: captam várias tendências, capturam comportamentos e visões de mundo que se formam à sua volta.
Carvalho Neto, que também é professor de Literatura, está lançando pela Editora Penalux seu novo romance: “Quando nos observam”. A obra aborda exatamente esse aspecto. A ideia do título se relaciona com o constante observar humano e suas consequências.
“O nosso olhar para o outro e quando o outro também nos observa”, conta o escritor. “Essa troca gera, entre as pessoas, medo, incerteza, insegurança, vaidade, controle, poder, fragilidade, falsas impressões e até mesmo loucura.”
No livro, a presença do narrador em segunda pessoa e o nome do personagem central foram escolhidos para esse propósito também. O personagem central é observado por essa voz externa, narradora, e ele será o vigilante insone numa ala psiquiátrica. Seu nome, Gregório, significa “o acordado”, “o alerta”, “o vigilante”.
“Há essa voz que fala com o personagem central e o observa quase que constantemente”, explica Carvalho. “Mas ele não a ouve, não pode; é a voz do narrador em segunda pessoa ajudando a construir a história. Gregório, o personagem em questão, e também narrador, é aquele que vigia, o alerta, o acordado. Daí temos o arquétipo para a trama do livro: observar e ser observado”, conclui.
O enredo do romance vai por esse caminho. Após treze anos de ausência, Gregório regressa ao seio da família. Encontra-se com o pai — e seu peculiar universo — e se depara com o sumiço repentino do irmão mais velho. Vivendo entre uma estranha alameda e o hospital onde trabalha, Gregório tentará manter o sono e a sanidade mental em equilíbrio; e isso, muitas vezes, não é tão simples assim de se conseguir.
“A obra de Carvalho Neto nos lembra, com uma ironia desconcertante, que não há batalhas reais entre esses mundos, mas somente momentos de continuidade e descontinuidade, não havendo aqui, portanto, vencedores”, escreve o escritor José Manoel Ribeiro, que assina o texto de orelha do livro.
Linguagem de fluxo acelerado, certos convencionalismos de escrita rompidos, Quando nos observam trabalha com a concepção de que entre mundos aparentemente distintos — uma ala psiquiátrica e a vida que corre cá fora — não há grandes diferenças na verdade. Basta olharmos com atenção.
TRECHO
“vá logo para seu novo destino, não leve essas frases soltas, mencionadas por pessoas que nem ao menos passam perto da ala, isso é conversa de refeitório balcão administrativo cantinho do café corredores cada canto escondido cada espaço existente, o comezinho é o tom da retórica, a famigerada ala psiquiátrica, jamais visitada, e tão bem conhecida.”
BOOK TRAILER:
SERVIÇOS
Quando nos observam, Carvalho Neto – romance (208 p.), R$ 40 (Penalux, 2020).
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AUTOR
Pedro Anselmo CARVALHO NETO é professor de literatura e escritor de contos e romances. Natural de Jequié-BA, é graduado em Letras Vernáculas pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB) e mestre em Literatura e Diversidade Cultural pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS). Autor de outros três livros, Casa pétrea de dois alpendres, Plástico bolha (romances) e No caminho de volta (contos).
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