João Barone, autor e membro da banda Os Paralamas do Sucesso, é destaque da nova edição da Revista Conexão Literatura – Setembro/nº 111

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quarta-feira, 1 de abril de 2020

O irlandês


O que eu mais li nas redes sociais foi gente dizendo que O irlandês, filme de Martin Scorsese produzido pela Netflix era chato. Trata-se de o filme mais longo do diretor de Taxi Driver. São três horas e meia.
E, surpreendentemente, ou, logicamente para quem conhece Scorsese, o filme é delicioso. O irlandês conta boa parte da história da máfia italiana e da história americana em uma narrativa fluída e acronológica que impressiona pelas atuações memoráveis e pelo uso eficiente do recurso digital que envelhece ou rejuvenece o rosto dos atores.
A história começa com Frank “O Irlandês” Sheeran (De Niro) num asilo, contando sua história. Esse monólogo serve de narrativa em off para o filme. Há quem diga que o off é uma muleta de roteiro, mas se bem usada, pode enriquecer a história. No caso, os comentários do irlandês ajudam a dar o tempero das cenas, além de ajudar a entender vários fatos, muitas vezes adiantando a narrativa. Em determinado trecho, por exemplo, um dos assassinos da máfia é visto entrando no prédio da Justiça Federal e, como ele não falou disso com ninguém, existe a suspeita de que ele foi lá fazer uma delação. Só que ele tinha ido responder a um inquérito e falara com alguém, que, no entanto esquecera de contar para os chefões. Todo esse contexto é narrado por Frank enquanto as cenas mostram o rapaz sendo morto. 
O que mais impressiona é como o filme costura toda a história do período, mostrando envolvimento da máfia com todo o resto: a política (tanto Kennedy quanto ... foram eleitos com dinheiro da máfia), o judiciário e os sindicatos. Kennedy, inclusive, foi eleito pela máfia com a promessa de que retomaria Cuba e as propriedades dos mafiosos na ilha – razão pela qual muitos acreditam que o fracasso da invasão da baia dos portos foi a razão do assassinato do presidente.
Ao se envolver com roubo de uma carga de carne e se recusar a delatar os comparsas, Frank chama atenção dos chefes mafiosos. Afinal, ele é um veterano da II Guerra Mundial, acostumado a matar, e parece ser de confiança. Jack passa a pintar paredes (gíria da máfia para assassinato).
A história contada por Jack é entremeada por uma viagem feita por ele e um mafioso, cruzando os EUA e coletando dinheiro de proteção. Esse é um dos pontos mais interessantes do filme: vemos De Niro jovem, em meia idade e velho e todas as encarnação parecem totalmente verossímeis graças aos efeitos especiais digitais (uma das razões pelas quais o filme custou mais que Homem-aranha longe de casa). Mesmo em cenas de close o efeito não deforma o rosto dos atores ou compromete sua atuação.
De Niro por si só já carregaria o filme sozinho. Mas temos também Al Pacino como o sindicalista Jimmy Hoffa e todo um elenco irretocável.
O tempo do filme realmente é um problema, especialmente considerando-se que você irá assisti-lo em casa, onde há todo tipo de distração (ao contrário do cinema). Eu assisti em dois momentos, como se fosse uma série. Funcionou.
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