Mogg Mester - Foto divulgação |
Fale-nos sobre você.
Antes de tudo, sou uma pessoa. Por mais besta que isso pareça, a maioria das pessoas se esquecem disso quando pensam em um autor. Não posso falar do que escrevo, entretanto, sem deixar um pouco mais claro o que sou em minha consciência, pelo menos algumas míseras palavras sobre o assunto. Não que goste, mas preciso. Como pessoa, sou um sonhador incorrigível. Já me chamaram de pisciano com um pé no chão. E o outro pé? Flutua. Viajo em observar as pessoas, suas condutas, seus tiques, seus trejeitos, suas fraquezas, taras, incoerências, absurdos. Isso me inspira, me alimenta. Sou multifacetado e isso reflete no lado profissional. Neste, sou médico veterinário formado na UFBA e pós-graduado em inspeção de alimentos e de produtos de origem animal. Sou servidor público concursado. Há também o psicólogo. Nesta face, sou graduado pela EBMSP e pós-graduado em Psicossomática junguiana. Fui estudar Psicologia para poder ser junguiano; sou, pois, junguiano de alma. Trabalho como psicólogo clínico, além de ser voluntário no Ambulatório de Doenças Neuromusculares há quase cinco anos. Adoro trabalhar com Cuidados Paliativos e morte. E isso também influencia minha obra. Sou joalheiro não praticante. Já fui taxidermista, mas desisti logo no começo. Hoje sou também escritor, com algumas obras publicadas além do “A Alameda dos Algodões Flutuantes”. Ainda pretendo outras coisas.
ENTREVISTA:
Fale-nos sobre o livro. O que o motivou a escrevê-lo?
Antes de tudo, sou uma pessoa. Por mais besta que isso pareça, a maioria das pessoas se esquecem disso quando pensam em um autor. Não posso falar do que escrevo, entretanto, sem deixar um pouco mais claro o que sou em minha consciência, pelo menos algumas míseras palavras sobre o assunto. Não que goste, mas preciso. Como pessoa, sou um sonhador incorrigível. Já me chamaram de pisciano com um pé no chão. E o outro pé? Flutua. Viajo em observar as pessoas, suas condutas, seus tiques, seus trejeitos, suas fraquezas, taras, incoerências, absurdos. Isso me inspira, me alimenta. Sou multifacetado e isso reflete no lado profissional. Neste, sou médico veterinário formado na UFBA e pós-graduado em inspeção de alimentos e de produtos de origem animal. Sou servidor público concursado. Há também o psicólogo. Nesta face, sou graduado pela EBMSP e pós-graduado em Psicossomática junguiana. Fui estudar Psicologia para poder ser junguiano; sou, pois, junguiano de alma. Trabalho como psicólogo clínico, além de ser voluntário no Ambulatório de Doenças Neuromusculares há quase cinco anos. Adoro trabalhar com Cuidados Paliativos e morte. E isso também influencia minha obra. Sou joalheiro não praticante. Já fui taxidermista, mas desisti logo no começo. Hoje sou também escritor, com algumas obras publicadas além do “A Alameda dos Algodões Flutuantes”. Ainda pretendo outras coisas.
ENTREVISTA:
Fale-nos sobre o livro. O que o motivou a escrevê-lo?
“A Alameda dos Algodões Flutuantes” é uma antologia de contos que, se não beiram o absurdo, são absurdos. O estranho, o fantástico, o nonsense, maquiados como cotidiano, me fascinam. Não falo do absurdo que ouvimos/assistimos todos os dias na televisão, que lemos no WhatsApp ou que observamos nas urnas. Isso para mim é vulgar, trivial. É o absurdo cru do dia a dia, dos mesquinhos e dos concretistas. Mas o maravilhoso, o fantástico, o nonsense, quando misturados ao absurdo de sermos o que somos, ou do personagem caricato que nos tornamos ao longo de nossas vidas sem nem mesmo percebermos, me encantam. Há pessoas tão absurdas que merecem virar personagens. Isso pode ser um elogio, mas também pode ser um insulto.
A minha antologia, portanto, trata disso, dessas pessoas em situações hipotéticas e improváveis, mas, quem sabe, possíveis. É uma antologia sobre pessoas que têm suas vidas transformadas pelo não convencional ― algo mágico ―, travestido de trivial. Fala de pessoas que no absurdo de suas vidas encontram um lugar onde mafumeiras expelem, choram ou liberam ― definam o ato como quiserem ―, algo semelhante a algodão. Quando isso acontece, alguém se dá bem. Ou mal. O fato, porém, não importa. O que vale no fim é presenciar o espetáculo que, por suas sincronicidades com as vidas que o vislumbram, já é absurdo. Cada conto tem uma particularidade que toca um absurdo, um drama, um horror pessoal, um medo, uma situação inusitada, todas possíveis, quem sabe.
Além disso, não sei explicar essa antologia. Sou tão envolvido psiquicamente com minhas obras que me separar delas e falar delas é uma atividade normalmente malsucedida. Nem sei se consegui explicar o que desejava, porque a obra foi algo que brotou de meu coração, de minha alma ― como sou junguiano, isso faz sentido para mim, mas para os tecnicistas com certeza não fará.
Sobre o que me motivou a escrever a obra, foram autores nacionais que me provocaram ― provocar no sentido abujamriano. Lygia Fagundes Telles, com seu conto “A Caçada” é um exemplo; Machado de Assis, com “A Causa Secreta”; Fernando Sabino, com “O Homem Nu”, “ Aqui Estamos Todos Nus”, “Os Restos Mortais”, dentre outros; João do Rio com “O Homem da Cabeça de Papelão; Ignácio de Loyola Brandão, com “O Homem do Furo na Mão” e Victor Giudice, com seu espetacular “O Arquivo”. Ainda há outros, mas li há tanto tempo que não recordo seus nomes, infelizmente. O inusitado desses textos, o simbólico, me fisgou para nunca mais soltar. O resultado é um contista cada vez mais apaixonado por escrever textos desse tipo.
Como analisa a questão da leitura no país?
Uma catástrofe. Temos e tivemos representantes políticos que têm aversão à leitura, que se orgulham de não ler. Isso é sintomático. Eles são sintomas de uma população que bate no peito e sorri ao afirmar que não gosta de ler. Isso é preocupante. Um povo que não gosta de ler, que nem se esforça para isso ― falo da maioria e não das ilhas de leitores que temos aqui e ali, em alguns lugares do país ―, pouco desenvolve seu senso crítico. Quando leem algo, nas redes sociais ou aplicativos, concluem pelas manchetes ― que muitas vezes curtem ou compartilham sem ler ―, que já sabem sobre um determinado assunto.
A meu ver, a coisa começa em casa, com pais alienados servindo de modelo aos filhos. Não são todos, mas uma parcela significativa da sociedade brasileira. Nas escolas, a coisa piora. As disciplinas que deveriam estimular a leitura criam ojeriza nos estudantes. Não atraem. Eu, por exemplo, só comecei a gostar de ler porque tive meus pais como modelo de leitores. E olhe que hoje leio proporcionalmente muito mais do que eles.
Isso é um problema para os que “não gostam” de ler. Ponho em aspas porque tenho certeza que a maior parte dos que se orgulham dessa aleivosia não sabem o que de fato estão deixando para trás ao escolher o “analfabetismo literário”. O que fica da escola é a memória afetiva das más experiências, semelhante a algumas fobias provocadas na infância, a exemplo de medo de galinha. Nesta o fóbico lida com a galinha como se fosse muito mais perigosa do que de fato é. Ela pode chegar até a parecer maior e mais assustadora do que de fato é. Os livros se tornam galinhas furiosas que bicam os analfabetos literários. Mas se você parar para observar, galinhas podem ser só galinhas e o medo é irracional. A ojeriza pela leitura também.
Então as pessoas decidem sobre gostar ou não de ler calcadas nas memórias afetivas que têm das disciplinas como Língua Portuguesa e Redação. Notas baixas, a dificuldade da língua, o esmero que arte da escrita exige... Ninguém quer se gastar nisso. Para que ler mesmo? Para que isso me serve ao longo da vida? Qual a utilidade prática disso? O que a leitura oferece está além do prazer imediato e fácil da praia, do sexo, das drogas... É difícil, exige digestão, processamento, incorporação, filtragem de ideias, conceitos, conteúdos. Aí vêm as reprovações. Resultado: o imediatista entende a literatura como instrumento de tortura e não como instrumento possível de libertação. E quem quer mesmo se libertar?
Com amigos que desejam mudar isso, oriento o seguinte: comece com uma obra leve, cujo tema muito lhe agrada, que exija pouco de sua mente e o texto seja mais rápido. Superficialidade? Não. Tento com isso acrescer ao repertório da memória afetiva do camarada experiências de prazer, positivas. Precisa ser gradual. Se ele persistir, e isso depende exclusivamente dele agora, ler se tornará um hábito; talvez um dia, uma necessidade, como é para mim.
Reitero, porém, que nossos exemplos, nossos “heróis”, não ajudam. Uma catástrofe.
O que tem lido ultimamente?
Estou sempre em busca de autores que não li, apesar de me aprofundar nas obras de alguns. Em geral, leio de 4 a 5 livros por vez, alternando entre eles. Demoro mais para terminar, mas isso me fornece a possibilidade de “digeri-los” melhor. Estou experimentando Samuel Beckett ― a trilogia do pós-guerra (Molloy, Malone Morre, O Inominável) e Trudi Canavan. Rubem Fonseca e Jung já são velhos conhecidos. Gosto de ler filósofos, dentre eles, prefiro Emil Cioran e Schopenhauer. Entre romancistas e contistas, além dos supracitados, entram Tchékov, Dostoiéviski, Stephen King, Robert Louis Stevenson, Jack London, Terry Pratchett, Bernard Cornwell, Érico Veríssimo, Rachel de Queiroz, Graciliano Ramos, dentre outros. Gosto muito da literatura russa e inglesa.
Que dica pode fornecer a quem deseja ser um escritor?
Eu teria um livro para escrever sobre o assunto no que tange a opiniões pessoais que importam mais a mim do que aos outros. Escrevo há aproximadamente quinze anos e o que vivi na literatura nesse interstício me forneceu uma boa experiência em fracassos e também em vitórias. Forneceu-me uma couraça para lidar com esse meio, o que é muito necessário. Espero que ajude.
Em primeiro lugar, para quem quer começar a escrever, é preciso desenvolver exatamente a couraça que citei. As pessoas acham que ser franco e sincero é sinônimo de ser grosseiro e até vulgar. Xingamentos são comuns e muitos os propagam sem entender bem o que está acontecendo por trás, sem respeito algum pelo autor. Por isso, aprendam bem a se defenderem por si mesmos dessas agressões. Quem quer ajudar fala com jeito ou até com profissionalismo. Não precisa ser grosseiro, nem ser afável, simplesmente passa o que acha da forma que é necessário, sem ofender, sem acusar, sem machucar. O assunto renderia muitas páginas. Como não viso exauri-los, vocês precisarão estudar mais.
Não fujam dos vomitadores de regras ou técnicas, daqueles que professam ideias em podcasts e sites e vestem-se de professores de etiqueta literária. Há produtores muito bons desse tipo de conteúdo ― e estes precisam ser respeitados ―, mas, para mim, esse também pode ser o tipo mais odioso, perigoso e lesivo de pessoa envolvida com a literatura. Eles podem destruir autores nascentes, se estes permitirem ou se não estiverem preparados. São os que eu chamo de “porretas” ou “porretistas”. Leia ou ouça a opinião deles, filtre o que achar útil, porque realmente há utilidades, mas não os leve tão a sério. Muito poucos se importam se o que disserem vai ou não machucar você. Importe-se menos ainda com eles; pegue o que precisar e descarte o resto. Sério. Aprenda isso e sobreviverá enquanto autor iniciante. As selvas intelectuais também existem, e as feras selvagens que nelas habitam podem devorar sua autoconfiança. Não permita isso jamais.
Desconfie daqueles que se apressam a chamar esse ou aquele tipo de escritor de preguiçoso ou qualquer outra coisa negativa e também daqueles que querem fazer prevalecer uma ideia ou discurso que tenha. Em geral, esses são os superficiais e podem ser as piores feras que devorarão sua autoestima e autoconfiança enquanto autor.
Tenha humildade para ler boas críticas e seja um tanto intransigente com vomitadores de regras e pseudoativistas. São como falsos profetas. Se você quer levar alguém a sério, que de fato influa em seu processo de escrita, vá ler especialistas no assunto. Invista nisso. Hoje em dia tem muita gente que lê um ou dois livros e que acha que pode ensinar ofícios pela internet. Muitos destes querem apenas público e notoriedade, usando discursos raivosos para atrair seguidores e terem validado o seu palavrório. Querem ter seu ego massageado por pessoas que pouco pensam e muito ajudam no processo de inflação daquele. Os sérios precisam ser filtrados e bem. Eles existem, mas parecem ser poucos.
Em sequência, aprenda a seguir sua intuição. As regras vomitadas podem ser instrumentos. Não são verdades, como muitos as querem fazer parecer. Estão construindo novos dogmas sobre os antigos. Para mim, isso é como trocar seis por meia dúzia. Só muda o discurso e o lado de quem o professa.
Leia muito, estude muito, teste técnicas, aprenda-as e ignore-as quando for preciso. Parafraseando Jung, você deve conhecer todas as técnicas que forem possíveis, mas quando estiver escrevendo seja apenas uma pessoa diante do papel. As regras ficam para depois. Caso contrário, há o risco de um texto técnico, até bom, mas sem alma, como já vi em algumas ocasiões.
Se deseja publicar, sugiro que estude ainda mais. Sugiro que tenha bons leitores beta, que faça leitura crítica da obra com bons profissionais. Se quer se autopublicar, procure profissionais para ler seu texto e revisá-lo. Esqueça os amadores, apesar de haver amadores bons no que fazem. A diferença é que com o profissional você tem menos risco de ser ofendido (sem chance quase alguma de defesa) do que com um amador. Alguns não profissionais são muito imaturos e você vai precisar da couraça de que falei lá no início. E também de um pouco (ou muito, no meu caso) de cinismo. Os arrotadores de regra vão bater pé firme que retrucar uma opinião ofensiva é contra a etiqueta. Tenha certeza, é melhor ficar calado ou contra- argumentar buscando sempre o melhor para o texto e não para si. Mas, no final, siga sua intuição tendo com base e amparo a técnica. Se ambas conflitarem, entretanto, dê preferência a sua intuição.
Além disso, cuidado, MUITO CUIDADO, com as “editoras” que existem por aí. Passei por uma experiência em que fui golpeado descaradamente por uma destas, quanto tentei me autopublicar, mesmo depois de fazer uma pesquisa e descobrir que a mesma tinha livro distribuído em livrarias como Saraiva. Muita gente foi golpeada e nem sequer conseguiu encontrar amparo na lei contra a golpista. Resultado: ficou por isso mesmo. Perdi meu dinheiro, mas ganhei em experiência ao farejar gente desse tipo.
Se você quer vender, estude ainda mais. Leia bons livros de técnicas e de construção de best-sellers. Leia-os com filtro. Não sei se os cursos de literatura que existem por aí ensinam como professam. Nunca fiz um. Pode ser uma boa testá-los. Pode ser uma roubada também.
Quando for escrever, escreva para si, mas nunca esqueça que se você quer ser lido, precisará pensar nos outros. É difícil, pois muito da autenticidade do texto pode se perder pela imposição do politicamente correto, necessidades pessoais de cada indivíduo do grupo a quem você quer acessar com sua obra etc. Por isso vai precisar definir se quer ganhar dinheiro com a obra ou se quer escrever para si. As duas coisas podem se concatenar, mas, no início, será trabalhoso.
Por último, saiba que tudo o que coloquei aqui é calcado em minhas experiências. Não quer dizer que com você será da mesma forma. A probabilidade, porém, é alta. Por isso, sinta-se à vontade para não seguir nada do que escrevi aqui. No fim, o problema será seu, e só seu.
Estou disponível para quem quiser conversar. Só um pária literário sabe o que o outro vive.
Quais são seus próximos projetos?
Pretendo terminar três romances que já venho escrevendo há algum tempo. O primeiro seria o “A Auriflama do Caos”, obra que vem me servindo como teste para as outras. Depois pretendo publicar outras duas, também ligadas ao universo da fantasia. Estou produzindo também outra antologia de contos, com uma temática diferente de “A Alameda dos Algodões Flutuantes”. Atualmente estou fascinado por escrever contos e pretendo investir mais tempo nessa atividade.
O livro pode ser adquirido no site da editora:
https://www.verlidelas.com/product-page/a-alameda-dos-algod%C3%B5es-flutuantes
CIDA SIMKA
É licenciada em Letras pelas Faculdades Integradas de Ribeirão Pires (FIRP). Autora, dentre outros, dos livros O enigma da velha casa (Editora Uirapuru, 2016), Prática de escrita: atividades para pensar e escrever (Wak Editora, 2019) e O enigma da biblioteca (Editora Verlidelas, 2020). Organizadora dos livros: Uma noite no castelo (Editora Selo Jovem, 2019), Contos para um mundo melhor (Editora Xeque-Matte, 2019), Aquela casa (Editora Verlidelas, 2020) e Um fantasma ronda o campus (Editora Verlidelas, 2020). Integrante do Núcleo de Escritores do Grande ABC e colunista da Revista Conexão Literatura.
SÉRGIO SIMKA
É professor universitário desde 1999. Autor de mais de seis dezenas de livros publicados nas áreas de gramática, literatura, produção textual, literatura infantil e infantojuvenil. Idealizou, com Cida Simka, a série Mistério, publicada pela Editora Uirapuru. Membro do Conselho Editorial da Editora Pumpkin, integrante do Núcleo de Escritores do Grande ABC e colunista da Revista Conexão Literatura.
A minha antologia, portanto, trata disso, dessas pessoas em situações hipotéticas e improváveis, mas, quem sabe, possíveis. É uma antologia sobre pessoas que têm suas vidas transformadas pelo não convencional ― algo mágico ―, travestido de trivial. Fala de pessoas que no absurdo de suas vidas encontram um lugar onde mafumeiras expelem, choram ou liberam ― definam o ato como quiserem ―, algo semelhante a algodão. Quando isso acontece, alguém se dá bem. Ou mal. O fato, porém, não importa. O que vale no fim é presenciar o espetáculo que, por suas sincronicidades com as vidas que o vislumbram, já é absurdo. Cada conto tem uma particularidade que toca um absurdo, um drama, um horror pessoal, um medo, uma situação inusitada, todas possíveis, quem sabe.
Além disso, não sei explicar essa antologia. Sou tão envolvido psiquicamente com minhas obras que me separar delas e falar delas é uma atividade normalmente malsucedida. Nem sei se consegui explicar o que desejava, porque a obra foi algo que brotou de meu coração, de minha alma ― como sou junguiano, isso faz sentido para mim, mas para os tecnicistas com certeza não fará.
Sobre o que me motivou a escrever a obra, foram autores nacionais que me provocaram ― provocar no sentido abujamriano. Lygia Fagundes Telles, com seu conto “A Caçada” é um exemplo; Machado de Assis, com “A Causa Secreta”; Fernando Sabino, com “O Homem Nu”, “ Aqui Estamos Todos Nus”, “Os Restos Mortais”, dentre outros; João do Rio com “O Homem da Cabeça de Papelão; Ignácio de Loyola Brandão, com “O Homem do Furo na Mão” e Victor Giudice, com seu espetacular “O Arquivo”. Ainda há outros, mas li há tanto tempo que não recordo seus nomes, infelizmente. O inusitado desses textos, o simbólico, me fisgou para nunca mais soltar. O resultado é um contista cada vez mais apaixonado por escrever textos desse tipo.
Como analisa a questão da leitura no país?
Uma catástrofe. Temos e tivemos representantes políticos que têm aversão à leitura, que se orgulham de não ler. Isso é sintomático. Eles são sintomas de uma população que bate no peito e sorri ao afirmar que não gosta de ler. Isso é preocupante. Um povo que não gosta de ler, que nem se esforça para isso ― falo da maioria e não das ilhas de leitores que temos aqui e ali, em alguns lugares do país ―, pouco desenvolve seu senso crítico. Quando leem algo, nas redes sociais ou aplicativos, concluem pelas manchetes ― que muitas vezes curtem ou compartilham sem ler ―, que já sabem sobre um determinado assunto.
A meu ver, a coisa começa em casa, com pais alienados servindo de modelo aos filhos. Não são todos, mas uma parcela significativa da sociedade brasileira. Nas escolas, a coisa piora. As disciplinas que deveriam estimular a leitura criam ojeriza nos estudantes. Não atraem. Eu, por exemplo, só comecei a gostar de ler porque tive meus pais como modelo de leitores. E olhe que hoje leio proporcionalmente muito mais do que eles.
Isso é um problema para os que “não gostam” de ler. Ponho em aspas porque tenho certeza que a maior parte dos que se orgulham dessa aleivosia não sabem o que de fato estão deixando para trás ao escolher o “analfabetismo literário”. O que fica da escola é a memória afetiva das más experiências, semelhante a algumas fobias provocadas na infância, a exemplo de medo de galinha. Nesta o fóbico lida com a galinha como se fosse muito mais perigosa do que de fato é. Ela pode chegar até a parecer maior e mais assustadora do que de fato é. Os livros se tornam galinhas furiosas que bicam os analfabetos literários. Mas se você parar para observar, galinhas podem ser só galinhas e o medo é irracional. A ojeriza pela leitura também.
Então as pessoas decidem sobre gostar ou não de ler calcadas nas memórias afetivas que têm das disciplinas como Língua Portuguesa e Redação. Notas baixas, a dificuldade da língua, o esmero que arte da escrita exige... Ninguém quer se gastar nisso. Para que ler mesmo? Para que isso me serve ao longo da vida? Qual a utilidade prática disso? O que a leitura oferece está além do prazer imediato e fácil da praia, do sexo, das drogas... É difícil, exige digestão, processamento, incorporação, filtragem de ideias, conceitos, conteúdos. Aí vêm as reprovações. Resultado: o imediatista entende a literatura como instrumento de tortura e não como instrumento possível de libertação. E quem quer mesmo se libertar?
Com amigos que desejam mudar isso, oriento o seguinte: comece com uma obra leve, cujo tema muito lhe agrada, que exija pouco de sua mente e o texto seja mais rápido. Superficialidade? Não. Tento com isso acrescer ao repertório da memória afetiva do camarada experiências de prazer, positivas. Precisa ser gradual. Se ele persistir, e isso depende exclusivamente dele agora, ler se tornará um hábito; talvez um dia, uma necessidade, como é para mim.
Reitero, porém, que nossos exemplos, nossos “heróis”, não ajudam. Uma catástrofe.
O que tem lido ultimamente?
Estou sempre em busca de autores que não li, apesar de me aprofundar nas obras de alguns. Em geral, leio de 4 a 5 livros por vez, alternando entre eles. Demoro mais para terminar, mas isso me fornece a possibilidade de “digeri-los” melhor. Estou experimentando Samuel Beckett ― a trilogia do pós-guerra (Molloy, Malone Morre, O Inominável) e Trudi Canavan. Rubem Fonseca e Jung já são velhos conhecidos. Gosto de ler filósofos, dentre eles, prefiro Emil Cioran e Schopenhauer. Entre romancistas e contistas, além dos supracitados, entram Tchékov, Dostoiéviski, Stephen King, Robert Louis Stevenson, Jack London, Terry Pratchett, Bernard Cornwell, Érico Veríssimo, Rachel de Queiroz, Graciliano Ramos, dentre outros. Gosto muito da literatura russa e inglesa.
Que dica pode fornecer a quem deseja ser um escritor?
Eu teria um livro para escrever sobre o assunto no que tange a opiniões pessoais que importam mais a mim do que aos outros. Escrevo há aproximadamente quinze anos e o que vivi na literatura nesse interstício me forneceu uma boa experiência em fracassos e também em vitórias. Forneceu-me uma couraça para lidar com esse meio, o que é muito necessário. Espero que ajude.
Em primeiro lugar, para quem quer começar a escrever, é preciso desenvolver exatamente a couraça que citei. As pessoas acham que ser franco e sincero é sinônimo de ser grosseiro e até vulgar. Xingamentos são comuns e muitos os propagam sem entender bem o que está acontecendo por trás, sem respeito algum pelo autor. Por isso, aprendam bem a se defenderem por si mesmos dessas agressões. Quem quer ajudar fala com jeito ou até com profissionalismo. Não precisa ser grosseiro, nem ser afável, simplesmente passa o que acha da forma que é necessário, sem ofender, sem acusar, sem machucar. O assunto renderia muitas páginas. Como não viso exauri-los, vocês precisarão estudar mais.
Não fujam dos vomitadores de regras ou técnicas, daqueles que professam ideias em podcasts e sites e vestem-se de professores de etiqueta literária. Há produtores muito bons desse tipo de conteúdo ― e estes precisam ser respeitados ―, mas, para mim, esse também pode ser o tipo mais odioso, perigoso e lesivo de pessoa envolvida com a literatura. Eles podem destruir autores nascentes, se estes permitirem ou se não estiverem preparados. São os que eu chamo de “porretas” ou “porretistas”. Leia ou ouça a opinião deles, filtre o que achar útil, porque realmente há utilidades, mas não os leve tão a sério. Muito poucos se importam se o que disserem vai ou não machucar você. Importe-se menos ainda com eles; pegue o que precisar e descarte o resto. Sério. Aprenda isso e sobreviverá enquanto autor iniciante. As selvas intelectuais também existem, e as feras selvagens que nelas habitam podem devorar sua autoconfiança. Não permita isso jamais.
Desconfie daqueles que se apressam a chamar esse ou aquele tipo de escritor de preguiçoso ou qualquer outra coisa negativa e também daqueles que querem fazer prevalecer uma ideia ou discurso que tenha. Em geral, esses são os superficiais e podem ser as piores feras que devorarão sua autoestima e autoconfiança enquanto autor.
Tenha humildade para ler boas críticas e seja um tanto intransigente com vomitadores de regras e pseudoativistas. São como falsos profetas. Se você quer levar alguém a sério, que de fato influa em seu processo de escrita, vá ler especialistas no assunto. Invista nisso. Hoje em dia tem muita gente que lê um ou dois livros e que acha que pode ensinar ofícios pela internet. Muitos destes querem apenas público e notoriedade, usando discursos raivosos para atrair seguidores e terem validado o seu palavrório. Querem ter seu ego massageado por pessoas que pouco pensam e muito ajudam no processo de inflação daquele. Os sérios precisam ser filtrados e bem. Eles existem, mas parecem ser poucos.
Em sequência, aprenda a seguir sua intuição. As regras vomitadas podem ser instrumentos. Não são verdades, como muitos as querem fazer parecer. Estão construindo novos dogmas sobre os antigos. Para mim, isso é como trocar seis por meia dúzia. Só muda o discurso e o lado de quem o professa.
Leia muito, estude muito, teste técnicas, aprenda-as e ignore-as quando for preciso. Parafraseando Jung, você deve conhecer todas as técnicas que forem possíveis, mas quando estiver escrevendo seja apenas uma pessoa diante do papel. As regras ficam para depois. Caso contrário, há o risco de um texto técnico, até bom, mas sem alma, como já vi em algumas ocasiões.
Se deseja publicar, sugiro que estude ainda mais. Sugiro que tenha bons leitores beta, que faça leitura crítica da obra com bons profissionais. Se quer se autopublicar, procure profissionais para ler seu texto e revisá-lo. Esqueça os amadores, apesar de haver amadores bons no que fazem. A diferença é que com o profissional você tem menos risco de ser ofendido (sem chance quase alguma de defesa) do que com um amador. Alguns não profissionais são muito imaturos e você vai precisar da couraça de que falei lá no início. E também de um pouco (ou muito, no meu caso) de cinismo. Os arrotadores de regra vão bater pé firme que retrucar uma opinião ofensiva é contra a etiqueta. Tenha certeza, é melhor ficar calado ou contra- argumentar buscando sempre o melhor para o texto e não para si. Mas, no final, siga sua intuição tendo com base e amparo a técnica. Se ambas conflitarem, entretanto, dê preferência a sua intuição.
Além disso, cuidado, MUITO CUIDADO, com as “editoras” que existem por aí. Passei por uma experiência em que fui golpeado descaradamente por uma destas, quanto tentei me autopublicar, mesmo depois de fazer uma pesquisa e descobrir que a mesma tinha livro distribuído em livrarias como Saraiva. Muita gente foi golpeada e nem sequer conseguiu encontrar amparo na lei contra a golpista. Resultado: ficou por isso mesmo. Perdi meu dinheiro, mas ganhei em experiência ao farejar gente desse tipo.
Se você quer vender, estude ainda mais. Leia bons livros de técnicas e de construção de best-sellers. Leia-os com filtro. Não sei se os cursos de literatura que existem por aí ensinam como professam. Nunca fiz um. Pode ser uma boa testá-los. Pode ser uma roubada também.
Quando for escrever, escreva para si, mas nunca esqueça que se você quer ser lido, precisará pensar nos outros. É difícil, pois muito da autenticidade do texto pode se perder pela imposição do politicamente correto, necessidades pessoais de cada indivíduo do grupo a quem você quer acessar com sua obra etc. Por isso vai precisar definir se quer ganhar dinheiro com a obra ou se quer escrever para si. As duas coisas podem se concatenar, mas, no início, será trabalhoso.
Por último, saiba que tudo o que coloquei aqui é calcado em minhas experiências. Não quer dizer que com você será da mesma forma. A probabilidade, porém, é alta. Por isso, sinta-se à vontade para não seguir nada do que escrevi aqui. No fim, o problema será seu, e só seu.
Estou disponível para quem quiser conversar. Só um pária literário sabe o que o outro vive.
Quais são seus próximos projetos?
Pretendo terminar três romances que já venho escrevendo há algum tempo. O primeiro seria o “A Auriflama do Caos”, obra que vem me servindo como teste para as outras. Depois pretendo publicar outras duas, também ligadas ao universo da fantasia. Estou produzindo também outra antologia de contos, com uma temática diferente de “A Alameda dos Algodões Flutuantes”. Atualmente estou fascinado por escrever contos e pretendo investir mais tempo nessa atividade.
O livro pode ser adquirido no site da editora:
https://www.verlidelas.com/product-page/a-alameda-dos-algod%C3%B5es-flutuantes
CIDA SIMKA
É licenciada em Letras pelas Faculdades Integradas de Ribeirão Pires (FIRP). Autora, dentre outros, dos livros O enigma da velha casa (Editora Uirapuru, 2016), Prática de escrita: atividades para pensar e escrever (Wak Editora, 2019) e O enigma da biblioteca (Editora Verlidelas, 2020). Organizadora dos livros: Uma noite no castelo (Editora Selo Jovem, 2019), Contos para um mundo melhor (Editora Xeque-Matte, 2019), Aquela casa (Editora Verlidelas, 2020) e Um fantasma ronda o campus (Editora Verlidelas, 2020). Integrante do Núcleo de Escritores do Grande ABC e colunista da Revista Conexão Literatura.
SÉRGIO SIMKA
É professor universitário desde 1999. Autor de mais de seis dezenas de livros publicados nas áreas de gramática, literatura, produção textual, literatura infantil e infantojuvenil. Idealizou, com Cida Simka, a série Mistério, publicada pela Editora Uirapuru. Membro do Conselho Editorial da Editora Pumpkin, integrante do Núcleo de Escritores do Grande ABC e colunista da Revista Conexão Literatura.
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