NO CORAÇÃO DAS TREVAS...
*Por Aldo Costas
- Respire fundo ante de mergulhar...
Enquanto me afogo na escuridão profunda e sinuosa do tempo, penso no instante em que parei de respirar - e no desespero do motor. No mecanismo que loucamente empurra o barco em direção a cegueira ancestral - o barco que sobe o rio. Que vai em frente. Febril como toda a tripulação. Vai em frente - mirando em lugar nenhum.
Penso nas horas perdidas, e no meu corpo submerso em uma lagoa negra - nas profundezas de um abismo. Penso em lugares escondido - perdidos dentro de cavernas escuras. Penso nos medos que povoam o outro lado da vida. Na vida mundana - na vida urbana... e em seus nativos: antropófagos primitivos que ousam resistir em selvas de concreto. Seres que cultuam ídolos de barros e uma barbárie eterna. E penso, também, em seres não civilizados - em nativos de lugares perdidos. Nos selvagens.
- Seriam, eles, deuses antigos, esses seres não civilizados?
- Seria, tudo isso, sentimentos carnívoros? Meus sentimentos - lutando para libertar a fera faminta que sempre esteve rugindo na minha cabeça?
É melhor deixar aprisionada - atrás de muros e cercas elétricas. E melhor não arriscar - nunca descansar, sempre se policiar. A fera não pode respirar. A fera não pode escapar. Tem que acalmar seus instintos - tem que domesticá-los. Ele é destruidor. Ele é violento. Ele é incontrolável. Agi por impulso e irá destruir tudo que está a sua volta. Destrói por prazer - destrói tudo. Destrói a harmonia... não deixa nada intacto.
- Respirar, respirar! Resistir, resistir...
As bolhas emergem intoxicando toda a atmosfera. Minha essência começa a se tornar verbo e começa a destruir tudo que já foi chamado de existência. As bolhas estremecem a superfície serena da lagoa escura, enquanto meu corpo, já submerso, continua afundando no espaço. Perdido entre as quatro paredes de um quarto. Em uma delas: um pequeno quadro pendurado. Em outra: uma escotilha que lembra uma boca - com dentes que são guilhotinas. No restante apenas paredes velhas e nuas. A cabine do capitão – com seu balanço triste e perturbador. Enquanto o barco aos solavancos – estremece com o fumacento motor.
- Os nativos observam - escondidos na densa selva! Seus olhos são a própria floresta.
Meu corpo ainda se afogando - lentamente. Meus braços buscam a superfície - inutilmente. Quero gritar e emergir - quero respirar. Sou pedra afundando na densa água escura - formada por milhares de tentáculos. E todos me agarram ao mesmo tempo. Meus olhos buscam a luz, na escuridão profunda da minha inútil consciência - da minha falta de fé na salvação. Falta de imaginação... o desespero não me deixa respirar.
- Existir, existir... respirar, respirar...
Não quero me afogar... com a chuva que não para de inundar. Com o incêndio não quer se apagar. São queimadas sobre queimadas. A floresta grita de agonia. O espírito selvagem, da vida, grita de desespero - grita por respeito - com a fumaça saindo pelas ventas. O rio sinuoso arde com as chamas. Labaredas voam buscando alimento. Tão insaciável quanto o progresso. Tão venenoso quanto a ganância - letais. O combustível da destruição é a ignorância. O medo dá lugar a intolerância... e o rio sinuoso vai conduzindo a pequena embarcação. O fogo queimando o ar. A fumaça roubando minha respiração - não quero me afogar! Não hoje... não neste instante.
Enquanto o corpo - esse invólucro semimorto - delira sem respirar, a vida queima e escurece o ar. A fuligem são ondas de uma tempestade. Sem dia e sem luar. Sem cantos e lamentos. Sem lágrimas - apenas fuligem flutuando pelo ar...
A embarcação não pode parar. A vazante cria correntes fortes que arrancam os tentáculos da escuridão profunda. Mas não é liberdade. Não é fuga. A falta de ar faz aumentar a obstinação. Faz brotar um novo tipo de rebeldia. Faz crescer uma nova forma de aversão. Uma espécie de loucura coletiva. Uma espécie de busca por inspiração. São correntes e correntezas. São corpos aprisionados. São linhas apagadas em um antigo mapa - úmido e embolorado. É a embarcação navegando sem o seu capitão. Impulsionada pelos ventos fortes da incerteza. Contornando braços de rios. Em busca de um fiorde desconhecido. Buscando um horizonte que não se pode ver. Em uma terra mística, de povos desconhecidos e civilizações perdidas - na escuridão do tempo.
- Respire... não pare de respirar!
- Inspire... não pode parar de respirar!
Aldo Costas é escritor, ilustrador e quadrinista. Natural do Rio de Janeiro, Brasil. Aficionado por arte, literatura e cultura underground...
Do It Yourself!!!!
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