calí boreaz nasce no outono, em Portugal. é madrugada de uma sexta-feira, dia de Vênus, ou do amor. faz-se poeta perante a insuficiência, a aridez, uma certa melancolia — o que não constitui uma distinção. de origem parte do Ribatejo, parte da Beira Baixa, estuda Direito em Lisboa em meio às noites de fado, depois aventura-se a leste, vive um tempo em Bucareste, onde estuda língua e literatura romena, e também tradução literária, além de aí concluir o último ano de Direito, quando eis que atravessa o Atlântico rumo ao sul para viver no Rio de Janeiro, onde se entrega ao estudo e ao ofício do teatro. na literatura, traduz do romeno dois romances e lança outono azul a sul, em Portugal e no Brasil, pela editora Urutau.
ENTREVISTA:
Conexão Literatura: Poderia contar para os nossos leitores como foi o seu início no meio literário?
calí boreaz: em maio de 2018, fui avisada de que a editora Urutau tinha aberto uma chamada de inéditos para autores portugueses. a ideia de publicar em livro o que vinha escrevendo ao longo de muitos anos nunca me ocorrera seriamente — pareciam bastar-me os recursos virtuais de partilha / publicação que a época nos proporciona, assim como, muitos anos atrás, pareciam bastar-me os cadernos espalhados pelas mesas e gavetas (desde que aprendi a escrever nunca mais parei de escrever).
naquele momento, porém, em que vi a chamada da Urutau, pensei que seria, ao menos, uma boa oportunidade para me levar a um olhar sobre a minha própria história, principalmente dos anos vividos no Brasil, uma boa ocasião para juntar tudo que estava disperso e dar-lhe um sentido circular, fechar um ciclo como se diz. diria que a chamada da editora veio no momento certo, em que talvez eu precisasse, biograficamente, desse olhar ao retrovisor e dessa espécie de “amarrado” que me permitisse saltar de uma órbita e (tentar) abrir novos caminhos.
enfim, o processo de composição do livro, embora impulsionado pela ideia da publicação, foi mais uma necessidade íntima do que uma real necessidade de publicar. mas o outono azul a sul acabou sendo escolhido e, depois disso, eu comecei a gostar muito da ideia de ver aquela história materializada num objeto-livro manipulável.
acabei por lançá-lo primeiro em Portugal, em Santarém (minha terra), em dezembro de 2018, depois em Lisboa, no Porto e no Rio de Janeiro (onde moro há 9 anos). os meus videopoemas foram mais longe e chegaram ao Hyderabad Literary Festival, na Índia. logo depois, fui convidada para integrar a Flipoços 2019 e também para fazer o lançamento do livro em São Paulo, juntamente com os escritores André Caramuru Aubert e Alberto Bresciani, em abril e maio respectivamente. tem sido um “início no meio literário” bastante intenso, acho que porque este eu literário, na verdade, já existia há muito tempo e muito intensamente mas de forma latente quanto à sua exposição.
Conexão Literatura: Você é autora do livro outono azul a sul. Poderia comentar?
calí boreaz: outono azul a sul é o meu primeiro livro, é poesia, é uma travessia multi-atlântica, sempre em dois sentidos — norte-sul / sul-norte —, às vezes também é suspensão a meio desse atlântico; se tivesse de lhe dar um tema, seria: clandestinidade.
clandestinidade em toda a gravidez da palavra — do ser desenraizado / exilado (mesmo que num exílio desejado), do artista a trair o burocrata que há em nós e que é o que se espera de nós, do amante que não consegue amar. é, essencialmente, sobre estar num lugar de erro — que pode ser geográfico ou taquicárdico.
é um livro que, por se propor a abraçar um período mais ou menos longo (8 anos da minha vida), abraça também estilos diferentes na sua poética e aceitei isso: procurei respeitar e abraçar as diferentes poetas que me habitaram e me expressaram ao longo desse tempo e dar-lhes o devido espaço na contação dessa história. assim, há textos mais afeitos a um lirismo íntimo-viajante e outros mais da rua, mais comprometidos com uma ocupação poética da cidade (no caso, o Rio de Janeiro). creio que essa alternância, ou flutuação, como um movimento de ondas, resultou interessante em termos plásticos num livro que se assume em constante “estado atlântico”.
o livro é composto por três partes — poemas a cair / intervalo a norte / o relento de dentro — e um “extra” final intitulado cenas da próxima estação. acompanham-no ilustrações do artista brasileiro Edgar Duvivier e do artista português António Martins-Ferreira, e um posfácio de João Almino.
Conexão Literatura: Como foram as suas pesquisas e quanto tempo levou para concluir seu livro?
calí boreaz: o que seria uma pesquisa num terreno poético, que foca essencialmente na própria vida? nos desassossegos que me atravessam ou me demoram... escrevo basicamente para saber o que ainda não sei — talvez seja essa a grande pesquisa, o próprio exercício de escrever, que, no fundo, é reduzir gradualmente possibilidades infinitas na folha em branco. depois, inspiram-me fotografias, não necessariamente tiradas numa máquina fotográfica, as fotografias que vou fazendo mentalmente por aí. nesse sentido, sim, há também uma pesquisa do espaço da cidade, da natureza, dos outros corpos, mas isso é como respirar, é o filtro com que olho o mundo.
os poemas que compõem o livro foram escritos ao longo desses 8 anos de exílio (desejado) no Rio de Janeiro. o livro propriamente dito, no sentido da sua composição, foi concluído em relativamente pouco tempo, uns três ou quatro meses até chegar à sua forma final.
Conexão Literatura: Poderia destacar um trecho do qual você acha especial em seu livro?
calí boreaz: este final da ‘oração ao nada’ (página 93): “embaralho a mesma vista sem fim, e / peço (pessimista) por novos / — não lugares — / olhares”.
Conexão Literatura: Como o leitor interessado deverá proceder para adquirir um exemplar do seu livro e saber um pouco mais sobre você e o seu trabalho literário?
calí boreaz: para além das livrarias, é possível conseguir o outono azul a sul através do site da editora Urutau — www.editoraurutau.com.br — ou através do meu site www.caliboreaz.com (caso em que poderá solicitar que o livro chegue autografado).
no meu site www.caliboreaz.com, além do espaço para aquisição do livro, é possível verificar em que livrarias brasileiras e portuguesas o livro está, ler resenhas / críticas ao mesmo, encontrar alguns poemas que têm saído em diversas revistas, assistir a videopoemas, espreitar a agenda.
por outro lado, uso o instagram.com/caliboreaz como uma extensão fotonarrativa do livro, um recurso dinâmico que o complementa com as imagens que o inspiraram e as que seguem precedendo novas escritas.
Conexão Literatura: Existem novos projetos em pauta?
calí boreaz: sim, estou escrevendo coisas que já identifico fazerem parte de um novo sistema — um novo livro. vê? ganhei o gosto de fazer livros agora.
Perguntas rápidas:
Um livro: deixo antes uma frase de um livro que anda como um letreiro néon na minha cabeça: “Mas eu, dizes a ti mesmo, prefiro ser um estrangeiro no exílio a ser um estrangeiro em casa, pois no exílio é um requisito.” (in Na presença da ausência, de Mahmoud Darwich, edição da Flâneur, Portugal)
Um (a) autor (a): gostaria de apontar, antes, momentos literários de autores. sou um retalho de paixões literárias.
Um ator ou atriz: hoje fico com Juliette Binoche.
Um filme: A insustentável leveza do ser, de Philip Kaufman.
Um dia especial: hoje. (hoje, enquanto em Portugal, José Carlos Tinoco e Cláudia Novais, ao gravarem seu programa de poesia da Rádio Transforma numa sessão especial ao vivo na bela livraria Flâneur, na cidade do Porto, elegeram o outono azul a sul como objeto de atenção e leitura, no Brasil, uma pessoa que admiro imenso, que é um especialista maior em literatura e poeta, o Prof. Alcides Villaça, publicou um dos poemas do livro na sua rede social. é maravilhoso quando vejo que alguém agarrou um desses meus poemas a cair.)
Conexão Literatura: Deseja encerrar com mais algum comentário?
calí boreaz: gostaria de reforçar o convite para uma conexão através do instagram, para, assim, continuarmos a conversa: @caliboreaz | instagram.com/caliboreaz
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