Luanda Julião - Foto divulgação |
Luanda Julião é doutoranda em filosofia francesa contemporânea na Universidade Federal de São Carlos. Mestra em Filosofia pela Universidade Federal de São Paulo. Professora de Filosofia e História nas escolas da rede pública estadual na capital paulista.
ENTREVISTA:
Conexão Literatura: Poderia contar para os nossos leitores como foi o seu início no meio literário?
Luanda Julião: Eu comecei a escrever em 2003. Na época eu fazia faculdade de Jornalismo e o trabalho de conclusão de curso era fazer uma grande reportagem em formato de livro. No jornalismo chamamos isso de literatura não-ficcional. Foi assim que eu escrevi o meu primeiro livro. Esse livro conta a história de alguns bolivianos que vieram tentar a vida em São Paulo, mas nunca foi publicado, embora eu tenha tirado a nota máxima na faculdade. Escreve-lo me ajudou muito a descobrir a arte de tecer um livro, toda a pesquisa envolvida, todo o esforço.
Conexão Literatura: Você é autora do livro “A Ária das Águas” (Patuá). Poderia comentar?
Luanda Julião: O livro A Ária das Águas é o meu primeiro romance editado e publicado pela editora Patuá. É um livro muito especial pra mim, não só porque foi o meu primeiro livro a ser publicado, mas por ter sido composto num período em que meu pai ficou muito doente, passou muito tempo internado em virtude de um câncer, veio a falecer. Embora não seja um livro autobiográfico, esse livro tem muito do que eu li para compreender o câncer que tirou a vida do meu pai.
Conexão Literatura: Como foram as suas pesquisas e quanto tempo levou para concluir seu livro?
Luanda Julião: Pesquisei as relações entre bioética e o direito, também chamado de biodireito, me concentrando principalmente nas questões sobre a eutanásia, ortotanásia e distanásia e todos os aspectos médicos e jurídicos envolvidos. Como o personagem principal é um maestro e compositor pesquisei também sobre música clássica, Gustav Mahler e composição musical. Levei dois anos para concluir o livro, que foi escrito entre 2011 e 2013.
Conexão Literatura: Poderia destacar um trecho do qual você acha especial em seu livro?
Luanda Julião:
"- Essa é a passagem dos violinos. Os altos – disse Paolo, apontando com o olhar e o queixo a folha que Sarah segurava entre os dedos.
Sarah leu atentamente a partitura, uma, duas vezes. Para não ter dúvidas tocou-a no piano.
- Pare! – ordenou o maestro com a voz trêmula - Estão carregados demais. Sarah tocou mais uma vez, dessa vez com os olhos fixos na partitura e acrescentou:
- Talvez devêssemos acrescentar uma harmonia mais sinuosa e deslizante.
Paolo pediu que ela tocasse de novo e de novo e de novo, dez, vinte vezes. Perfeccionista, o compositor exigia precisão. Nenhuma nota podia ficar fora do tom.
- Precisamos de um som mais limpo e encorpado – disse ele na vigésima vez.
Às vezes, depois de repassar inúmeras vezes uma mesma passagem, dedilhá-la até arredondá-la, Sarah interrompia o trabalho e emocionada, perguntava:
- Papai, você nunca se perguntou como uma aglutinação de notas, uma harmonia é fonte de tanto deleite? De onde vem o poder divino, a experiência sublime da música?
Ele a fitava. Já ouvira a mesma pergunta dezenas de vezes e qualquer resposta que pudesse dar não supriria a dúvida. Dessa vez, ele recorreu a Pitágoras, parafraseando-o para respondê-la:
- A música origina-se no mundo celeste e, se o homem está ciente do fato ou não, ela serve para preservar nele, embora de maneira muito tênue, alguma recordação das esferas divinas das quais ele veio e para as quais ele está destinado a voltar. Ela é importante para prevenir o homem de cair no esquecimento de seu verdadeiro lar. Deve ser uma manifestação terrena daquilo que a gente encontra no mundo celeste.
Ela riu, concordando.
- Nunca fui um homem religioso, você sabe muito bem disso, mas sempre me julguei falando com deus todas as vezes que toquei. Quando componho é como se eu ouvisse a sua voz, como se o clamor divino e acolhedor soasse no deserto do meu ser.
Sarah estava atenta. Abandonara o teclado do piano e sentara ao lado do pai para ouvi-lo melhor. Ele fixou os seus olhos e concluiu:
- Mas não é uma voz que vem dos céus, das alturas, é uma voz que sai de mim e retorna a mim. Deus está dentro de mim.
Ela aproveitou a deixa e perguntou tristemente:
- E você vai ter coragem de matar o deus que está dentro de você? Logo agora que essa voz está mais viva do que nunca...
- Nós já conversamos sobre isso.
- Desculpe-me, papai. É que eu não pude resistir...
- Eu sei querida – respondeu ele, beijando a mão da filha. Fez uma pausa e continuou:
– Na verdade, a voz sempre soou, eu é que nunca tive coragem de dar forma e vida a ela – deu um longo suspiro e concluiu:
- A vida é irônica. Quando finalmente se decide ouvir os seus sons, quando as coisas se tornam grandes e plenas de sentido, o corpo resolve padecer e nos retirar do espetáculo."
Conexão Literatura: Como o leitor interessado deverá proceder para adquirir um exemplar do seu livro e saber um pouco mais sobre você e o seu trabalho literário?
Luanda Julião: O livro está disponível na loja online da editora: https://editorapatua.minhalojanouol.com.br
Conexão Literatura: Existem novos projetos em pauta?
Luanda Julião: Estou concluindo um livro de Contos e minha tese de doutorado.
Perguntas rápidas:
Um livro: A insustentável leveza do ser
Um (a) autor (a): José Saramago, Conceição Evaristo
Um ator ou atriz: Viola Davis
Um filme: Melancolia
Um dia especial: O dia em que minha sobrinha Esther nasceu.
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