CITAÇÕES:
1 - Parece‑nos ser de fácil consenso o facto de que testemunhamos um período em que processos sociais globalizados retiraram às sociedades a estabilidade de dinâmicas operantes em que repousaram durante séculos, o que por si não se constitui como algo novo. Nova é a intensidade com que a cada dia esses processos de trocas múltiplas
se instituem e actualizam. A informação acompanha a intensidade com que os indivíduos se deslocam entre continentes – a maioria das vezes com uma rapidez superior à mobilidade desses actores sociais – quebrando as barreiras de uma tradição quase religiosa que assentava no desconhecimento do outro e na reprodução acrítica de modelos de organização social e seus valores. (pág. 115)
2 - Este esquema de relações instituídas entre os elementos do grupo (por eles conhecidas e incorporadas) leva‑nos
a adoptar o termo grupo social quando nos referimos às travestis brasileiras em contexto transnacional de prostituição, mormente quando a identidade individual travesti é moldada pelo grupo, através das expectativas criadas sobre os indivíduos e de esquemas de vigilância vigentes e operantes relativamente à correspondência perante aquelas, das acções executadas fruto de uma ressocialização paralela num mundo travesti deprostituição e de rua. Este sistema de reciprocidades expectáveis e vinculações interpessoais decorrentes assenta num passado repleto de experiências mais ou menos comuns a partir das quais se institui um conjunto de normatividades informais que regulam a integração no grupo, na prostituição e o acesso aos meios necessários para a realização
de objectivos no seu âmbito. (pág. 124)
3 - Eu tinha que esperar, todo o mundo dormir, para mim escolher uma escada de algum prédio, e dormir naquela escada, porque eu tinha que esperar todo o mundo dormir. Porque eu tinha vergonha, e tinha que acordar antes de todo o mundo, porque eu não queria que ninguém me visse, ou seja, não queria que ninguém soubesse o que eu estava passando, porque eu tinha vergonha! (Júlia Vellaskez [pág. 144])
4 - Morava numa casa que só deus sabe como era… metade da porta existia para cima, debaixo não existia. Ratos e mais ratos, sapos, água no chão… um barraco de madeira, molhava tudo quando chovia, quando ventava as telhas voavam… terreno imenso… e assim por diante e eu tou aqui! (Felina [pág.146])
5 - A mobilidade constitui‑se como um denominador comum às biografias recolhidas. É iniciada, desde logo, no Brasil. É na cidade grande que se encontram os meios para realizar as sofisticações da transformação corporal. Adriana queria andar 24 horas vestida de mulher e para tal tinha que recorrer a cirurgias. O objectivo era “fazer o corpo, queria as ancas, queria as coxas torneadas, não sei… seios grandes… queria estar mesmo uma mulher sempre! 24 horas que era para eu me sentir bem!” Tal objectivo não podia ser alcançado se permanecesse em casa e após muitos desentendimentos familiares e expulsão de casa é convidada por uma amiga com a qual mantinha afinidades eróticas e de práticas sexuais, para trabalhar em casa dela como cabeleireira. “Eu fiquei a trabalhar lá e de lá mesmo eu fiz meu local de trabalho que era salão de beleza.” (pág. 148)
6 - (…) contei a situação para ela e ela disse – “ahh não se preocupa não… fica aqui, amanhã tu desce para a rua…” – então isso para mim foi um horror…imaginar que eu tinha que descer para a rua… trabalhar… fazer programa… para ganhar dinheiro para fazer o que eu queria… fiquei pensando… meu deus… o que é que eu vou fazer? Fiquei ali pensando… eu não queria isso… não queria isso… que eu nunca fiz… não sabia nem como é que era… o que é que tinha que falar para as pessoas… só que a vontade que eu tinha de ter a transformação era tão grande e para mim saber que ia voltar a Belém sem nada, do jeito que estava… ia ser uma vergonha… dos dois lados… do lado que o pessoal de lá ia ver que eu voltei da mesma forma e outra coisa… eu me ia sentir mal… se eu fui para um local para conseguir algo… seria uma frustração para mim… e perguntei para ela – e dá para ganhar dinheiro? Ela disse que todas as que fazem aplicação de silicone o faziam com dinheiro da rua. (Adriana [pág.149])
7 - O que respeita aos assassinatos motivados por discriminação transfóbica, segundo o Relatório sobre violência homofóbica e transfóbica no Brasil, conclui‑se que 94.52% destes assassinatos foram cometidos sobre indivíduos com sexo biológico masculino, enquanto, que 5.48% possuíam sexo feminino. No que concerne à identidade de género, o mesmo relatório demonstra que, em 2011, 49% das vítimas eram travestis, 46% homossexuais e 3.2% lésbicas. Relativamente ao ano de 2012, surge a sub categoria transexual com 0.33%, travestis 40%, homossexuais 54.19% e lésbicas 5.48%. Sendo a população travesti bastante inferior em termos numéricos quando comparada com a homossexual, pode‑se aferir a elevada incidência de assassinatos cometidos sobre esta comunidade. (2012:45)172 De acordo com a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), apenas em 2017 foram contabilizados 179 assassinatos de travestis ou transexuais. Isso significa que, a cada 48 horas, uma pessoa trans é assassinada no Brasil. (Pág. 208)
SERVIÇO:
Travestis Brasileiras em Portugal: percursos, identidades e ambiguidades
Autor: Francisco J.S.A. Luís
Editora: Chiado
Ano: 2018
Número de páginas: 332
ISBN: 978-989-52-3415-8
Para adquirir o livro, acesse: https://www.chiadobooks.com/livraria/travestis-brasileiras-em-portugal-percursos-identidades-e-ambiguidades
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