A Costureira e o Cangaceiro, de Frances de Pontes Peebles, foi publicado pela Editora Nova Fronteira em 2009 (620 páginas) e tem tradução de Maria Helena Rovanet. Trata-se do primeiro romance da escritora, que é filha de mãe pernambucana e pai norte-americano. O livro foi ganhador do prêmio Friends of American Writers Award for Fiction e Elle Magazine’s Grand Prix 2008. O referido livro também inspirou o filme Entre Irmãs, de Breno Silveira, que tem nos papéis principais as atrizes Marjorie Estiano e Nanda Costa. Em 2017 o livro foi publicado em nova edição pela Arqueiro, com título e capa do filme (atendendo a um pedido da autora, segundo informações da editora). Recentemente o longa foi exibido como série (em quatro capítulos) pela Rede Globo.
O livro se passa nos anos de 1930, iniciando-se, mais precisamente em março de 1928, na cidade de Taquaritinga do Norte – interior de Pernambuco, e estendendo-se até o ano de 1935. A obra conta a história das irmãs Emília e Luzia, que são órfãs e criadas por sua tia Sofia. Com a tia elas aprenderam o ofício de costureira. As duas sempre tiveram uma educação pautada na religião e em tradições próprias do lugar e da época. Após a morte da tia, as duas irmãs seguem caminhos diferentes, tecendo sua própria história.
“Uma boa costureira tem de ser corajosa.” – dizia tia Sofia para as meninas.
Emília sempre teve o sonho de encontrar um príncipe encantado e sair da cidade de Taquaritinga do Norte. Luzia, que sofreu um acidente que a deixou com um braço defeituoso, e lhe rendera o apelido de Vitrola, nunca fora apegada a cidade em que vivera e tinha um temperamento mais tempestuoso, o que culminou em sua saída dali com um grupo de cangaceiros temidos na região. Quando ela parte, a irmã, que já não tem a tia para dar-lhe apoio, perde tudo o que tem.
Contudo, não apenas Luzia sai de Taquaritinga, Emília também consegue sair da cidade e vai morar em Recife. Da sua cidade natal sai com os olhares inquisidores dos moradores que passaram a vê-la como uma perdida, uma mulher ambiciosa e até mesmo louca. É em Recife, casada com Degas Coelho – estudante de Direito –, que ela passa a viver no casão da família. Emília tem um sogro médico, fundador do Instituto de Criminologia do Estado e envolvido com estudos que traçam o perfil criminal de acordo com o tamanho da caixa craniana dos indivíduos. E sua sogra, D. Dulce, demonstra-se em consonância com a conduta e o perfil da elite recifense.
“A cidade e a casa... tinham cheiros diferentes, sons diferentes, insetos e pássaros diferentes, plantas diferentes, regras diferentes.”
Luzia leva sua vida com os cangaceiros em lutas pelos interiores do nordeste brasileiro, em meio a revolução sangrenta que leva Getúlio Vargas ao poder. Entra em cena o plano de fundo político.
As irmãs, embora vivam separadas, buscam informações uma sobre a outra, por meio dos jornais, ainda que por vezes pairem dúvidas sobre se são elas ou não as pessoas que aparecem no noticiário. Emília Coelho, anunciada em Recife nas colunas sociais e A Costureira, mulher membro do grupo de cangaceiros que chama a atenção pelo seu sexo, são personagens que as irmãs acompanham ao longo do tempo.
“...A única coisa que me passava pela cabeça era onde andará ela? Onde estará aquela costureira? Está por aí, em algum lugar, dormindo, e não sei onde. Não sei se é numa rede ou numa cama. Se está sozinha. Se tem um travesseiro sob a cabeça. Não sei nada disso. E não saber estava me deixando de péssimo humor. Queria saber. Precisava saber. E não só naquela noite, mas todas as outras...”
As personagens femininas enfrentam o machismo e o paternalismo de uma época, além da colocação da mulher em papel secundário ou quase nulo. Elas se deparam também com a diferença social, sobretudo, demonstrada quando Emília está na capital pernambucana, cercada pelo sogro, sogra, marido, amigos da família Coelho e a elite de Recife. A diferença econômico-social se apresenta até na vida que as irmãs levam, em separado, cada uma seguindo o seu destino.
Degas, o marido de Emília, se mantém de certo modo distante da mulher, o que sugere a ela que estão em um casamento de aparências. Tal visão é tornada ainda mais clara para Emília quando percebe a aproximação do amigo do marido, Felipe. Já Luzia, que vive com o bando de cangaceiros vê o quanto a caatinga havia tornado cruéis os homens que compunham aquele bando. Eles sabem que ali não há olho por olho, mas vida por olho, duas vidas por uma. O líder, Antônio (o Falcão), controla a crueldade de seus homens e, ao passar da história, se aproxima mais de Luzia.
Frances de Pontes Peebles aborda ainda o momento político vivido pelo Brasil na época de Vargas. Fala-se sobre o voto feminino, a transformação social, a modernização de Recife e de outras capitais brasileiras, a construção de estrada no nordeste (a Transnordestina), a luta dos cangaceiros em oposição ao governo, a defesa de terras, a diferença social.
Há fatos reais que se mesclam com os acontecimentos ficcionais e a trama da autora segue entre o paralelismo da vida das duas irmãs. No que concerne às protagonistas, elas tem características diferentes. Mas, cada uma a seu modo, são marcantes. São duas figuras de força, de fibra, que representam o papel da mulher em busca de seu espaço, superando adversidades sociais, culturais e do ambiente na qual se encontram inseridas. A diferença das irmãs aponta ainda que há uma complementação na personalidade, o que pode ser reforçado com o trecho que diz que “Emília passara a vida toda se comparando a Luzia, definindo-se a partir dessa comparação”. É pelo reflexo da observação da outra que ela se delineia.
A fita métrica, utilizada com esmero para medir corpos e definir o corte de tecidos, o preciosismo de uma costura bem feita, com acabamento, que estão presentes no ofício aprendido pelas duas, é também o mesmo preciosismo que a autora usa para nos dar uma trama bem costurada, com uma linha firme e um traçado bem acabado. O mote central focado na vida das irmãs e as subtramas que se desenrolam são bem apresentadas e bem exploradas pela autora.
O leitor observará ainda o preciosismo em apresentar o espaço físico, a cultura, os elementos da cena, o tempo em que a história se passa. Os costumes e a luta pelo que é imposto também é abordado pela escritora.
A Costureira e o Cangaceiro revelou-se uma grata surpresa, de uma história que dá protagonismo ao feminino, traça uma abordagem da sociedade de uma época e traz detalhes autênticos da vida dos personagens e do ambiente nos quais estão inseridos.
Sobre a autora
Frances de Pontes Peebles nasceu em Recife. É formada em Letras pela Universidade do Texas, em Austin, e fez seu mestrado no Writers’ Workshop da Universidade de Iowa. Teve contos publicados em revistas literárias como: The Indiana Review, Missouri Review e Zoetrope: All Story (de Francis Ford Coppola). Frances mora em Chicago, Illinois, e todo ano passa férias em seu sítio em Taquaritinga do Norte – Pernambuco. A Costureira e o Cangaceiro é o seu primeiro romance.
Ficha Técnica
Título: A Costureira e o Cangaceiro
Escritor: Frances de Pontes Peebles
Editora: Nova Fronteira
Edição: 1ª
ISBN: 978-85-209-2168-5
Ano: 2009
Número de Páginas: 620
Assunto: Romance
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sexta-feira, 19 de janeiro de 2018
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